sábado, 28 de maio de 2011

Se não agora, quando? Se não nós, Quem?

"A responsabilidade histórica não recairá só sobre os psicopatas gananciosos. Tampouco culpem os ignorantes. O sangue estará nas mãos dos que se acovardaram"
Funeral de José Cláudio Ribeiro da Silva. Líder extrativista na Amazônia;
assassinado no dia da aprovação do Código Florestal pelo Congresso
(Dedico a todo mundo que está construindo a bonita história do Brasil do século XXI, na internet e na rua, jovens que estão reavivando o fogo do desejo ancestral de Liberdade. Sem medo de nada nem de ninguém)

Ah, eu queria ter a rima rápida e incisiva dos rappers, a serenidade dos iogues, os dons no Orkut dos secundaristas, a capacidade desses meninos que fazem vídeos... Queria eu ser tão inteligente como esses secundaristas que sabem o que está acontecendo e acham foda, e são mais inteligentes que a maioria de seus professores. Eu queria ter a arte dos grafiteiros, a coordenação e dom das mãos e almas dos músicos. Queria ser tão desinibido e corajoso pra expressar de maneira tão gritante tudo o que eu quero, sou e acredito quanto a mais escandalosa das drags. Eu queria a fé dos jovens religiosos, que se põem em movimento em suas peregrinações mesmo sem saber direito qual será o caminho nem os desafios e novidades que hão de aparecer. É aquela coisa de confiar e caminhar. Se eu jamais tivesse fumado, talvez eu tivesse o fôlego dos ciclistas profissionais que cruzam longas distâncias pelo Brasil. Se a dureza da vida não tivesse matado meu avô antes de eu nascer, eu teria pedido para ele me ensinar a tocar a viola caipira e a dançar a catira. Se eu fosse professor universitário, daria um jeito de dar aula e avaliação pra quem precisasse se ausentar por motivo de consciência de força maior, anistiaria as faltas. Porque de fato, se eu dançasse, eu dançaria; se eu cantasse e tocasse e cantaria e tocaria.
Eu queria saber fazer refrão. Queria ser tão bom em convencer as pessoas a clicarem em links como o são aqueles que fazem publicidade.
Se eu soubesse tocar um instrumento, eu tocaria. Ah, se eu fosse professor de criança nessa hora - coisa que nunca soube ser - eu pediria para cada criança desenhar um coisa bem bonita, um mundo bem bonito, do jeito que quiserem. Ia poder rabiscar fora das linhas (ouvir “O círculo”, de Parteum). Então, eu ia mandar pra cada senador (e-mail e telefone de todos: http://www.senado.gov.br/senadores/) pra eles verem como são diferentes e coloridos, como haveriam de haver árvores e céu azul e animais vivos. Ia mostrar que eles não desenham nem sonham com desertos de monocultura industrial nem com rios secos.
Eu sei é que a história, os que nascem/não-nascem e morrem muito depois de cada época, é implacável. Eles sempre acabam por se perguntar: “Por que ficaram vendo a banda passar?”. Não poderemos alegar ignorância. É verdade que a TV e tantas outras máquinas monopolizadas de construir realidade mentem e “garantem” que está tudo bem, que a mão invisível que rouba, mata, amordaça e destrói o planeta é uma espécie de “vontade divina” ou “estado natural das coisas”, que, enfim, só podemos assistir. Mas basta cinco ou 10 minutos de silêncio televisivo e reflexão para ver que sangue está na mão daqueles que dizem para confiarmos na mão do mercado e de representantes que não precisamos vigiar.
Não poderemos alegar ignorância. Tínhamos pluralidade, tecnologia, possibilidade, sim, de estar informados e saber das coisas e de nos posicionar, inclusive ativamente. E ainda que não tivéssemos internet em 2011 (e tínhamos), não poderemos negar que tínhamos praças. Mas não fomos pra lá conversar, ouvir o que outros tinham a dizer, saber o contraponto das coisas. Poderíamos (podemos/devemos) ter combinado coisas.
Jovens egípcios fazem cordão humano para proteger as riquezas
de seu povo e da humanidade guardadas no Museu do Cairo
Durante a Revolução da Juventude. Caberá a nós defender
para o futuro a incalculável riqueza da biodiversidade e a água
Vejo que muito da história já foi apagada, mas peço a quem nascer depois, caso esse texto se preserve de alguma forma para você, que não se esqueça que houve, sim, resistência. Quem queria que fosse de outro jeito. Gente em todos os estados do país. Eram advogados, skatistas, estudantes, empresários, índios, maconheiros, cristãos, gueis, negros, brancos, desempregados, diferenciados em geral. Todos podiam fazer alguma coisa. Há muita gente tentando fazer alguma coisa. Quem não sabia, se soubesse, também teria se indignado. Mas, se as mudanças do Código Florestal Brasileiro forem aprovadas pelo Senado durante a vida dos vivos de 2011, saiba que a culpa não foi só dos psicopatas. A responsabilidade histórica não recairá só sobre os psicopatas gananciosos. Tampouco culpem os ignorantes. O sangue estaránas mãos dos que se acovardaram.
Éramos muitos. Tínhamos muitos motivos para nos indignarmos. Cada um podia fazer alguma coisa... Por mais aleijado que se sentisse, todos podíamos nos pôr a caminho, e não importava que poderíamos caminhar por caminhos diferentes; poderíamos ter nos encontrado até mesmo em praças diferentes. E se nos encontrássemos, dançaríamos ao som de tambores diferentes.
Talvez pudéssemos reencontrar as danças de nossos antepassados e músicas que cantavam na beira de rios que talvez deixem de existir. E sim, havia jovens que sabiam tocar e eram capazes de músicas novas e também de reinterpretar as canções de seus poetas preferidos. No Brasil inteiro havia caras que sabiam Raul, Renato Russo. No Brasil, às vésperas de julho de 2011, havia esperança. Havia a lembrança de outras épocas e de pessoas que não se acovardaram nessas suas respectivas épocas.
Mas eu não sei dizer ainda, leitor do futuro, se os nossos medos, que também eram plurais, vencerão nossas esperanças. Havia vários tipos de medo, cada um tinha o seu... E alguns, se pudessem imaginar, eram tão insignificantes na verdade.
Éramos tão diversos, mas concordávamos, no fundo de nossos corações doloridos e angustiados, que a vida no planeta (que deve ser diversa para continuar pelos séculos) devia ser preservada.
Em 2011 os jovens do mundo todo se levantavam contra a máquina que dava sinal de falência. Se levantaram contra a injustiça de tiranos e da economia. Pelos motivos mais diferentes, mas sabíamos no fundo que era uma coisa só. Nunca fomos tão fortes. E quis a História, que bateu à nossa porta, com a missão que é só fossemos nós, os jovens brasileiros, quem deflagrasse a revolução da juventude nas Américas, com a bonita missão de defender o maior bem da humanidade, a vida no planeta. Éramos todas as religiões e cores e idéias lugares do Brasil. Talvez não soubessemos direito o que fazer, mas nosso coração dizia. Sabiamos que poderiamos construir junto. Era preciso vencer a revolução contra a tirania do medo em nossos corações.
Mas eu estou vivo e escrevo para pessoas vivas... Se você não sabe ainda sobre as conseqüências sociais e ambientais da proposta que pode ser aprovada pelo Senado nos próximos dias, informe-se.
Eu não sei o que as pessoas devem fazer, nem como fazer, mas temos que nos pôr a caminho - e é agora. Defender a maior riqueza que existe é uma missão de quem está vivo hoje, maio/junho de 2011, e no Brasil.
Sei liderar pelo menos pés, que estão, sim, no chão e se põem a caminho. Nos vemos numa festa?




quarta-feira, 25 de maio de 2011

Passo a passo para botar as Câmaras Municipais na luta do #CódigoFlorestal


O estudante de Engenharia Ambiental da USP, André Baleeiro, fala na
Câmara Municipal de São Carlos-SP (capital da tecnologia) sobre
as ameaças das mudanças ao Código Floresta. Os vereadores
(do PMDB, DEM, PSDB, PT, PV, PPL, PR e PTB) aprovaram por
Unanimidade a moção de protesto
 (reproduzida no fim do post)

Sim, é possível parar as reformas do Código Florestal. Basta mobilização pontual em cada um dos municípios do país. Como anticorpos da Terra podemos replicar essa informação, essa tática que deu certo.
Estudantes secundaristas, universitários (da Federal, USP e particulares) e outros membros da sociedade civil se uniram na cidade de São Carlos-SP (a chamada "Capital da Tecnologia", com ind de ponta, Embrapa e etc) em um movimento que conseguiu vitórias concretas. O Deputado eleito pela cidade, por exemplo, votou contra a emenda ruralista. A Câmara Municipal aprovou por unanimidade uma moção de protesto contra as alterações que ameaçam, em muito, as florestas, a água e a vida de diversas espécies, inclusive a nossa.
As câmaras municipais são, pela Lei, nossas representações mais próximas, é a instituição política pela qual podemos falar, e exigir encaminhamento aos senadores de nossos respectivos Estados e também à Presidenta da República, que precisa de bastante apoio político de bases para poder vetar a emenda caso o Senado aprove. Sim. E COMEÇA COM VOCÊ! Somos nós os vivos desse momento histórico, não dá para esperar de outrem. É cada um. Em São carlos começou com um grupo de estudantes (de Engenharia Ambiental, Biologia entre outros) que elaborou um texto que pode servir de modelo para a moção que seu grupo resolver propor na Câmara do seu município. Vocês podem melhorá-lo, se quiserem, acrescentando pontos relativos aos riscos e problemas ambientais de sua região, por exemplo.
É DIREITO SEU. Informe-se na câmara de seu município. Geralmente precisa só ser eleitor da cidade, às vezes precisa reunir umas 20 assinaturas, enfim. Mas o fato é que tem que fazer logo. aí vai o passo-a-passo.

1- Reúna uma galera - Talvez você já esteja engajado pela Internet, ou debateu com alguém, ou mesmo fez algum protesto. Caso contrário, ainda dá tempo (estamos bem em cima, mas dá) de você se informar sobre a questão, pegar seu celular e computador e já marcar uma reunião pra AMANHÃ ou HOJE mesmo. Chame pessoas variadas, divulgue nas redes pra colar quem quiser.
2- Elabore dois textos. Um é a fala que o representante da galera vai usar, e pode conter boa parte do outro texto. Lembrem-se de não usar palavras ofensivas. A Causa tem a força da verdade, não precisamos desrespeitar ninguém. Isso só queimaria o filme. O outro texto é a sugestão de texto da moção de protesto. Pode usar como modelo ou inspiração a carta dos jovens de São Carlos. É CC.
3- Informe-se sobre os procedimentos para fazer uso da tribuna - . Geralmente as leis municipais exigem que a pessoa que representará o grupo seja residente na cidade. Em outros exigem que a pessoa a fazer uso da palavra seja eleitor naquele município. Algumas exigem que se recolha assinaturas (20 no caso de São Carlos, cidade de 230 mil habitantes, por exemplo). Informe-se. Exija urgência para que sejam ouvido já na próxima sessão. Corremos contra o relógio.
4-Espalhe a notícia - A soma da imprensa local tem, na verdade, muito mais força que os grandes conglomerados de comunicação, que na sua maioria não estão informando de fato as pessoas sobre a questão. Converse com jornais e rádios locais. Eles geralmente estão todos lá na câmara. Pode levar cópias dos textos, subsídios pra eles escreverem suas matérias etc. E sobretudo USEM SEUS BLOGS E REDES SOCIAIS PARA FAZER ESPALHAR O DEBATE, fazer mídia independente, jornalismo cidadão, cobertura colaborativa. Faça questão de encaminhar para o maior número de pessoas.
5-Faça festa - Leve a claque. Chame quem puder para a sessão. Lembrem-se de orientar a galera a respeitar o ambiente da plenária. Não vamos agir como os desrespeitosos ruralistas nas galerias do Congresso.
Bora fazer isso já? Junte as pessoas. E espalhe essas dicas que vêm dos universitários de São Carlos também para seus de outras cidades, pra que também façam o mesmo. Conhecendo o mecanismo das câmaras, futuramente você e sua comunidade poderão fazer uso da palavra e da sua câmara quando quiserem.
Bora bombar no Twitter, FC e Orkut #SOSflorestas #codigoflorestal É saci contra Golias!
Abaixo segue o texto aprovado em São Carlos

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MOÇÃO DE PROTESTO
Manifesta protesto contra alterações no Código Florestal Brasileiro

Considerando que esta Casa acompanha com justificada preocupação o andamento da proposta de alterações no Código Florestal Brasileiro, cuja formulação expressa no projeto substitutivo apresentado pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) passou ao largo das sugestões da comunidade científica, da sociedade civil e inicialmente do próprio governo, constituindo – na avaliação de entidades ambientalistas, agricultores familiares e de pesquisadores - num retrocesso e ameaça ao cumprimento de metas internacionais ligadas à conservação da biodiversidade e ao corte de emissões de gases de efeito estufa;
Considerando que a proposta consolida desmatamentos ilegais feitos até julho de 2008, reduz a faixa protetora de vegetação na margem de rios e córregos, libera topos de morros e montanhas, serras e bordas de chapadas à criação de gado, permite corte de espécies de árvores ameaçadas de extinção e reduz a função socioambiental das propriedades diminuindo a necessidade de manter vegetação nativa;
Considerando que o substitutivo de Aldo Rebelo piora em muito a situação, pois reduz a proteção das matas nas margens de rios e outros corpos d’água, de topo de morros e de encostas, áreas fundamentais para a proteção de populações e à conservação da biodiversidade;
Considerando que a Constituição Federal preceitua que "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-la e preservá-la para as presentes e futuras gerações".
Considerando que quando se celebra o Ano Internacional das Florestas, necessário se faz reforçar a defesa das florestas e dos rios do Brasil, produzindo-se uma legislação moderna que seja fruto de amplo debate com a sociedade e esteja em consonância com a era atual e atenda ao bem comum; é que:
Submetemos ao Plenário esta MOÇÃO DE PROTESTO contra as alterações no Código Florestal Brasileiro, manifestando-se apelo aos Deputados Federais e Senadores da República para que impeçam a prevalência de medidas atentatórias ao meio-ambiente e à qualidade de vida. Dê-se ciência da deliberação ao deputado federal Aldo Rebelo, às Mesas Diretoras e lideranças partidárias na Câmara dos Deputados e Senado Federal, à Casa Civil da Presidência da República, à Ministra do Meio Ambiente e às entidades ambientalistas do município e de âmbito nacional
Sala das sessões, 11 de maio de 2011

ANTONIO CARLOS CATHARINO – PTB
BENEDITO MATHEUS FILHO – PMDB
DORIVAL MAZOLA PENTEADO – PSDB
DR. NORMANDO LIMA – PSDB
EDSON ANTONIO FERMIANO – PR
EQUIMARCILIAS FREIRE – PPL
JOSÉ ALVIM FILHO (DÉ) – PT
JOSÉ LUIS RABELLO – PSDB
JÚLIO CÉSAR – DEM
LAÍDE DAS GRAÇAS SIMÕES – PMDB
LINEU NAVARRO – PT
ROBERTO MORI RODA – PV
RONALDO LOPES – PT

sábado, 21 de maio de 2011

O Pererê e a Cinderela


Um arquétipo tão antigo quanto mesquinho povoa o imaginário coletivo: Cinderela. A versão escrita mais antiga é da China, mais de mil anos. Escritores famosos da Europa redigiram as versões mais conhecidas. Em 1950, um famoso estúdio norte-americano fez a versão cinematográfica mais famosa. Cinderela é recontada pela Loteria Federal, pelo Big Brother, pelos craques de futebol, pelo Estado, pelo programa do Luciano Huck, pelas anúncios que dizem “Consuma isso e serás feliz”, pelo vestibular e todo seu terror, pela teologia da prosperidade (ver Max Weber: "A ética protestante e o espírito do capitalimo") e, de forma mais explícita, pelo casamento showbizz do príncipe Willian, o calvo.
Cinderela: @ humilhad@ que é exaltad@! Mas graças ao apadrinhamento, ou melhor, amadrinhamento. Cinderela não abole a ordem vigente nem propõe outra forma de divisão do trabalho. A gata borralheira só quer é passar para o outro lado do muro do palácio. E por mérito (?) de um príncipe e uma fada encantados.
Cinderela simplesmente acha que não nasceu para ser pobre, mas que outras pessoas sim, afinal, seu pai era rico. As filhas da madrasta que morram, afinal, são feias. Cinderela vê como natural, por exemplo, que os animais trabalhem para ela e não vê a hora de um macho alfa tirá-la da sua condição social.
Mas, para isso, para ter o conforto de ter criados em vez de ser a subalterna, ela tem que se adequar: se comportar bem, voltar cedo do rolê e até enquadrar seu pé em um delicado sapatinho de cristal, bem delicado. Para mim, essa história de acordo com fada madrinha sempre me cheirou atrato com Mefistófeles, só mudando a roupa (ver Fausto de Goethe).
O fato é que nem todo mundo tem seu dia de princesa. Cinderela, a esperança vã na sorte, na benevolência de alguém superior, é usado para conseguir submissão há muito tempo.
Ilustração alemã do clássico Fausto, a história
do médico que vendeu alma ao demônio
Mas aqui no Brasil nasceu alguém que não se importa. Alguém que não se encaixa em sapato de cristal. Ele não quer pular pro outro lado do muro, mas abolir os muros e cercas e senzala. Saci solta os animais cativos e protege a floresta. Se não foi convidado para a festa nem tem traje de gala, ele pula e entra pela janela ou buraco de fechadura, pois ele sabe dar um jeito, se virar, exigir respeito. Estou convencido de que esse “espírito zombeteiro”, simbolizado pelo mito do Pererê, criado coletivamente aqui mesmo no Brasil, simboliza uma espécie de ímpeto revolucionário que, sim, nós temos.
Quem diria, por exemplo, que a Índia faria uma revolução anti-imperialista? Um povo pacífico, que parece tão aceitador da ordem vigente, de repente despertou ao som da dança de Shiva, destruidor de paradigmas, e fez justamente da não-violência sua arma de revolução.
Nosso bom humor, a capacidade de resistir rindo de si mesmo, nossa dignidade e atrevimento nos dá, sim, um potencial Sathyagrahi (ver Gandhi). Os antigos contam que o Saci muda de tamanho e às vezes parece ter desaparecido. Mas ele está lá. Pode virar um gigante a qualquer momento. Mesmo que haja gente muito interessada em matar os sacis dentro das pessoas desde a infância.
Saci foi construído coletivamente da amálgama de mitos indígenas, com muita influência africana adquirida nas histórias de esperança que as velhas negras contavam e, também, com o que há de mais atrevido em duendes europeus.
Mas o Saci é criança. Às vezes inocente. Se não reage, é porque está sendo enganado. Mas quando abre os olhos, ele é implacável. E vence.
O Saci (e tudo que ele representa), que esteve com Zumbi, Chico Mendes e tantos outros, vive em algum grau em todos os movimentos contra-hegemônicos não necessariamente de contestação consciente do “modo de produção” (ver Materialismo Histórico, e "crise do") vigente, onde estão incluídos desde o movimento guei, passando pelas Ecovilas, hackers anônimos pró-transparência, estudantes, coletivos de cultura independente, movimentos sociais em geral.
Semana passada ele apareceu. Na selva de pedra São Paulo, no aristocrático bairro de Higienópolis, onde um grupo de moradores havia conseguido que o governador Geraldo Alckmin cancelasse a construção de uma estação no bairro por não quererem atrair para a cercania o que uma moradora teria definido como “gente diferenciada”. Foi o suficiente para que a #gentediferenciada se unisse sem que ninguém soubesse dizer direito como começou. Como a maior parte da “gente diferenciada” tem que trabalhar durante a semana, deixaram para fazer festa no sábado.
Foto de Roberson @biosbug Miguel mostra festa da gente
diferenciada em Higienópolis, 14/5. A Polícia perguntava para
 as pessoas "Quem é o líder dessa... Disso que vocês estão
fazendo?",ao que os diferenciados respondiam, com simpatia:
"Ninguém, fique à vontade. Sejam bem-vindos!". Bom humor
é característica do que há de rebelde na cultura brasileira.
A mob foi síntese do comportamento sacisístico, pacífico, mas
não passivo.
Criada coletivamente, a mani-FESTA-ção era transmitida ao vivo, sem precisar da TV. Eram 5 mil diferenciados, de hippongas a motoboys passando drags e ciclistas que levantavam suas magrelas como estandartes de uma nova ordem a ser criada. Carnavalizada, sim, mas com consciência política (ver Bakhtin). Era gente mostrando ter orgulho de ser o que é.
Um grupo de estudantes levou uma catraca de ônibus e botaram fogo, que foi convertida em churrasqueira onde vegetarianos assaram pão de alho. Ali perto, um tiozinho de chapéu de couro nordestino carregava um cartaz dizendo “Nóis na fita!”.
Com muito bom humor, a festa sem líder, em clima de comuna (ver "Zona autônoma temporária", de Hakim Bey) não teve bandeira de partido, nem idade, nem briga, nem confronto. Quitutes e tubaínas eram compartilhados e, ao fim de toda música e brincadeira, deixaram o espaço público limpinho. Essa gente tão diferenciada quanto nosso (anti?)herói mítico mostrou que o novo pode, sim, acontecer. Basta que superemos a mesquinhez de Cinderela que nos torna burgueses de espírito bunda-mole.


Pra quem quer +

Leia também neste blog: 

sobre H. D. Thoreau pensador abolicionista estadunidense autor de "A Desobediência Civil" 

O velho de barba branca (e bandeira preta)

sobre Piotr Kropotkin
sobre Mahatma Gandhi (altamente influenciado por Thoreau, Tolstoy e Jesus)

Uma Revolução (ou reforminha) para chamar de sua Parte 1 / Parte 2/ Parte 3

Sobre a evolução (mudanças e permanências) dos sistemas de dominação e clientelismo brasileiros. Dos latifúndios agrários aos latifúndios eletromagnéticos.


Ebooks:
Ebook de Graça: Fausto --- J.W. Goethe

No arquivo Viagem no Tempo
Salve o saci! Salve a cultura Brasileira! (17/10/2010)
artigo conta a história da formação do mito e divulga o Dia do Saci

Na Pegada do Saci
poesia que fiz em homenagem a esse valente perneta protetor da floresta e da liberdade

Indico
"É o Saci Urbano" blog do personagem criado pelo artista de rua paulistano Thiago Vaz


sexta-feira, 20 de maio de 2011

A Lei Seca e os Traficantes de Cerveja

(posto aqui uma das primeiras colunas Viagem no Tempo que escrevi para o Jornal do Povo em 2008... Ainda gosto desse artigo... Mas acho que meu texto amadureceu (rejuveneceu?) de lá pra cá.

A cerveja é geralmente associada à confraternização e a comemorações. Quando bebida moderadamente ela é assim mesmo, só alegria, como bem sabiam os antigos egípcios e os mesopotâmios, que tinham até uma deusa da cerva: Ninkasi.
Mas, de fato, se o consumo for irresponsável causa sérios problemas à saúde (como problemas no fígado), deixam os reflexos lentos causando muitos acidentes de trânsito, faz pessoas perderem o bom senso e cometerem muitas bobagens. Para evitar esses males gerados pelo excesso de álcool, os Estados Unidos, em 1917, proibiram por completo a venda, a produção e o consumo de qualquer tipo de bebida alcoólica, inclusive o mais tranqüilo vinhozinho. Tudo isso por lobby de igrejas puritanas conservadoras.
O problema foi que ninguém que gostava de tomar umazinha de vez em quando parou de fazer isso. Proibida ou legalizada, a bebida alcoólica continuou sendo consumida por quem desejasse. A cerveja continuou causando ressaca, cirrose e todos os outros problemas de antes da proibição. O que mudou é que novos problemas somaram-se aos primeiros e o principal deles foi o aumento do crime organizado.
A violência relacionada ao consumo de álcool aumentou muito. Gangsters, traficantes de bebida, promoviam o terror para manter seu império, o Governo gastava milhões com a repressão ao álcool, e o consumo não diminuía. Na verdade, foi nessa época em que se registraram casos de alcoólatras que injetavam álcool com seringas em suas veias (para “aproveitar melhor” o produto encarecido pela proibição). Ilegais, as bebidas deixaram de ter qualquer controle federal de qualidade, os traficantes misturavam as mais variadas substâncias aos produtos de modo que os danos ao organismo se tornaram muito maiores.
Um dos maiores traficantes da droga álcool nos Estados Unidos foi Alphonsus Gabriel Capone, mais conhecido como Al Capone, que inspirou vários filmes sanguinolentos de Hollywood. Capone controlava cervejarias e destilarias ilegais além de possuir bares clandestinos onde, além de bebida, rolava prostituição e jogo ilegal. Capone jamais foi preso por nenhum de seus crimes, nem mesmo pelos assassinatos cometidos pela sua organização criminosa. Ele só foi condenado, anos mais tarde, por sonegação de impostos.
A legalização em 1933 trouxe fiscalização à qualidade do álcool e acabou com a fonte de renda dos traficantes. As gangues de álcool acabaram. O Governo passou a arrecadar mais impostos e até os casos de alcoolismo diminuíram. O Governo norte-americano passou a investir mais em educação e prevenção ao alcoolismo em vez de gastar tanto com repressão.
Depois de alguns anos de legalização do álcool e do surgimento de cervejarias legais e com controle de qualidade, os norte-americanos perceberam que a proibição só interessava mesmo ao próprio crime organizado, que detinha o monopólio da produção e venda de cerveja e uísque.



Pra quem quer +
EBOOK DE GRAÇA: O Livro dos Insultos , de H. L. Menken 
Trata-se de uma reunião das polêmicas explosivas do mais famoso jornalista americano das décadas de 20 e 30. Suas idéias sobre a política, a moral, a religião, a cultura e a estupidez humana aplicam-se hoje como nunca. Tendo vivido na época da Lei Seca, Menken foi crítico feroz da proibição do álcool que nada adiantava e só servia para aborrecer as pessoas e aumentar a violência.

DOCUMENTÁRIO DE GRAÇA: "A União: o negócio por trás do barato"
Filme problematiza a questão da maconha do ponto de vista histórico, médico, filosófico, político, moral e econômico.


Se as legendas não aparecerem automaticamente clique no botão "CC". Recomendo assistir com o video em fullscreen para melhor visualizar as legendas.

sábado, 14 de maio de 2011

#FlorestaFazDiferenca : O espelho mágico e o #CódigoFlorestal

"Não podemos esperar mais. Por nossos ancestrais e por nossos descendentes, temos obrigação de não aceitar as mentiras do espelho. Só interessa a "eles" que você pense que nasceu na época errada. História é algo que você faz hoje"
Muro retrata ancestral mito brasileiro, nascido de amálgama de
lendas indígenas, africanas e européias, defendendo a floresta


Eu era criança quando a tia Madalena, primeira professora, me contou pela primeira vez sobre o “descobrimento” do Brasil, sobre como os colonizadores engambelaram os nativos daqui. Eles tinham maravilhas tecnológicas e pareciam bem-intencionados. Eles davam quinquilharias, como espelhos, e em troca tramavam sorrateiros a destruição da floresta para deixarem o Império ainda mais rico. Enquanto isso, iam inoculando doenças que começavam silenciosas, depois faziam um verdadeiro genocídio. Índios, depois, eram escravizados, expulsos de suas terras, mortos.
Quem não acha absurdo e lamenta a destruição das pessoas e da Terra quando escuta ou lê nossa triste história? Como foi possível? Nos perguntamos com a mesma perplexidade que demonstramos quando pensamos sobre a Alemanha dos anos 30: como puderam os alemães cair na conversa dos nazistas e ser tão hipnotizados e amansados pela propaganda, pela fábrica de visão de mundo de Hitler e Goebles?
A senadora ruralista Kátia Abreu (DEM-TO)
 "homenageada" em Cancún com a Motosserra
de Ouro. Honraria foi uma iniciativa de índios da
Amazônia, que sofrem com os desmatamentos
Lembrei disso essa semana. O Congresso Nacional debatia e ia votar a reforma do Código Florestal. Enquanto isso, a novela da Globo batia 43% de audiência, seu próprio recorde, mostrando um Brasil rico, limpinho, sem muita “gente diferenciada” para não estragar a paisagem.
O espelhinho que nos deram não reflete a realidade. A maioria das geradoras e retransmissoras de TV pertence aos mesmos que em Brasília querem aprovar o novo Código Florestal. Por quê? Por que, além das TVs e das cadeiras em Brasília, eles concentram a maior parte das terras do país. Muitos dos latifundiários que gritavam o nome de Aldo Rebelo nas galerias do Congresso essa semana têm o mesmo sobrenome dos sesmeiros que receberam terras brasileiras de presente do rei de Portugal.
A proposta de reforma do Código Florestal contraria os estudos e alertas de nossos cientistas quanto a suas consequências ambientais catastróficas (e já temos tido catástrofes o bastante). A SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e a ABC (Academia Brasileira de Ciência), que reúnem pesquisadores das universidades de todo o Brasil, pedem que essa reforma proposta pelos ruralistas não seja sequer votada. No entanto, estão a um passo de fazer isso na próxima terça (e quase fizeram na última quarta), já que os latifundiários, que contam com quadros tanto da “oposição” quanto dentre os aliados da base do governo (o que prova que a questão não é partidária), prometem travar a pauta do Congresso e não votar mais nada enquanto o “código da vergonha” não for votado e aprovado.
Para se ter ideia de apenas alguns pontos, a proposta ruralista cria o conceito de "área rural consolidada", que legaliza áreas de floresta invadidas por grileiros (sim, daqueles que matam freira, índio e seringueiro sindicalizado), dá autorização para desmatar as áreas de preservação hoje existentes acima de 1.800 metros de altitude, diminui pela metade a faixa de mata ciliar a ser preservada ao longo dos rios, os ecossistemas de mangues deixam de contar com a proteção legal e elimina a obrigatoriedade de recuperação de 600 hectares de Floresta Amazônica, devastada ilegalmente.
Então, o espelho mágico, antes da novela, está sempre fingindo isenção. Ele mostra que o atual Código Florestal deixa pequenos agricultores prejudicados, pois têm pouca terra e muitos estão em situação de irregularidade, e, por isso, a lei deve ser modificada. Sim, é verdade que os agricultores familiares têm pouca terra, mas isso não é por culpa das florestas, mas dos latifúndios que, esses sim, são grandes demais.
Roberto Marinho caminha ao lado do
patriarca do clã magalhães, dono de
boa parte da Bahia, que na figura de
Dom ACM III está representado no
Congresso Nacional
do 
O que o casal do espelhinho mágico não diz é que a proposta dos coronéis flexibiliza o conceito de “pequena propriedade”, de modo que eles possam desmembrar seus impérios em várias unidades fiscais para terem a anistia ambiental e até disputarem com os pequenos recursos do Pronaf. Além disso, os reis do gado que ocupam um quarto do território nacional e avançam sobre a Amazônia, os xeiques da cana que acabam com o Cerrado e o Pantanal para andarmos de carro e os emires dos vastos desertos de soja destinada à exportação (que não distribui renda nem alimento) poderiam arrendar a terra dos pequenos, que teriam menos acesso ao crédito para plantar alimento.
Sim, o código atual tem falhas, e quem produz alimento (como a cadeia do arroz, que não está participando da festa do “milagre brasileiro” como os usineiros) precisa ser protegido, incentivado, tirado da ilegalidade, mas não podemos deixar nos enganar. Essa proposta ruralista não resolve esse problema. Ao contrário, agride os pequenos e coloca em risco a sobrevivência da nossa e de outras espécies.
A proteção das florestas não é um problema só dos índios da Amazônia, diz respeito aos rios em que cada um de nós, brasileiros, brincamos quando éramos crianças ou nos nutrimos durante a vida.
Não podemos esperar mais. Por nossos ancestrais e por nossos descendentes, temos obrigação de não aceitar as mentiras do espelho. Só interessa a "eles" que você pense que nasceu na época errada. História é algo que você faz hoje. Temos três dias para nos comportarmos como sacis, tramar planos.
Será uma vergonhosa covardia histórica se a juventude de hoje, com tantos recursos, não se movimentar nem infernizar seus representantes para que recusem essa reforma. Infâmia eterna sobre nosso tempo se não tentarmos impedir nem mudarmos nossos atos, se os professores não debaterem na escola, se os líderes religiosos não forem enfáticos na defesa da “criação”, propondo rupturas verdadeiras com estilo de vida insaciável da sociedade de consumo que derruba a mata e derrama sangue sem sujar as mãos.

Autorizo a reprodução, impressão e distribuição desse texto.- LC

domingo, 8 de maio de 2011

Quem precisa dele agora?

 
Stencil atribuído ao artista Banksy em South Lake City, EUA
(Jornal do Povo, Cachoeira do Sul-RS 07/05/2011)


Quanto menor a transparência dos governos, maior o número de teorias da conspiração que surgirão a cada notícia envolvendo negócios e militares. Principalmente quando a questão envolver os EUA, país com longo histórico de atividades ilegais de espionagem e interferência na política externa de outros países. Tão certo quanto um adolescente que esconde dos pais o hábito de fumar se banha de perfume antes de chegar em casa e inventa história (“era do meu amigo”), o governo dos EUA é o campeão em fraudar realidades e forjar histórias para disfarçar seu fedor. A indústria do espetáculo, que envolve tanto o cinema quanto os “noticiários” televisivos, estão sempre prontos a ajudar a política oficial a construir a realidade conveniente.
Hamid Karzai, ex-alto executivo da Halliburton,
eleito presidente do Afeganistão (numa eleição
fraudada após a invasão do país) cumprimenta
o então vice-presidente americano Dick Cheney,
seu (eterno) patrão na gigante do petróleo
Por isso, a morte (ou não) de Bin Laden continuará cercada de tantos mistérios quanto à sua vida. Em setembro de 2010, publiquei um artigo em duas partes com o título “Al Qaeda: cobra criada”, em que contei a história do milionário Osama Bin Mohammad Bin Awad Bin Laden, herdeiro da rede de empreiteiras que construiu alguns dos mais importantes aeroportos do mundo árabe que se tornou o homem mais procurado do planeta. Osama trabalhava para os EUA nos anos 80, quando Washington armou e treinou mujahedines no Afeganistão para combater os soviéticos.
O rompimento entre Bin Laden e os EUA ocorreu durante a guerra do Iraque, no início dos anos 90, quando o próprio Osama ofereceu ajuda para combater Saddam Hussein, outro ex-aliado dos EUA que acabara de se tornar oficialmente “bad guy” por atrapalhar os interesses das multinacionais americanas e da família real saudita sobre o petróleo do Kwait, mas foi preterido por “infiéis”.
Soldado invasor estadunidense aborda jovem afegão
Agora que o corpo (segundo dizem) está frio, ainda não temos tanta certeza sobre o tamanho e formato da Al Qaeda (nome que Bin Laden sequer usava). A estrutura se tornou cada vez mais fragmentária e o “modus operandi” se replicou por centenas de organizações. O que se percebe é que a ideologia do grupo fez muitos simpatizantes no mundo islâmico (incluindo os guetos de imigrantes vindos de ex-colônias europeias nas grandes cidades do Ocidente). Al Qaeda perdeu importância enquanto instituição e se tornou mais relevante enquanto ideia, fortalecendo-se com o a invasão do Iraque e o apoio americano a regimes que oprimem povos islâmicos. Washington não apenas criou como também nutriu seu “monstro”.
Mas Bin Laden tombou justamente num momento em que a Al Qaeda, ideologicamente, entra em um princípio de crise, de decadência, como todas as demais construções de realidade e formulações ideológicas criadas pelo capitalismo ocidental.
É preciso relembrar que Osama, mesmo depois de virar inimigo, foi muito útil para a política de Washington. O milionário tinha abandonado o Sudão após uma tentativa de assassinar o ditador egípcio Hosni Mubarak (outro aliado dos EUA até 2011) e fugido para o Afeganistão. Como ele estava lá onde tudo começou, depois do 11 de setembro os americanos tiveram o motivo diante da opinião pública e a liberação de verba para a indústria bélica que sempre precisaram para invadir e tomar o Afeganistão.
O milionário Salem Bin Laden,
irmão de Osama e sócio dos Bush
nos anos 70 na Arbusto Energy
O Afeganistão fica no meio do caminho entre as reservas de gás natural do mar Cáspio e os Tigres Asiáticos, com sua insaciável fome de energia. Quem explora essas fontes de gás são grandes corporações americanas, com tentáculos no Congresso, nas Forças Armadas e até na suprema corte daquele estado privatizado por lobistas. Foi somente com a invasão do Afeganistão que os americanos conseguiram construir o gasoduto que passa pelo meio do país. Afinal, o presidente que colocaram lá era ninguém menos que Hamid Karzai, executivo da Halliburton Petróleo, que tem entre os sócios mais poderosos Dick Cheney, vice do ex-presidente George Walker Bush (que por sua vez foi sócio de Salem Bin Laden, irmão de Osama, na empresa Arbusto Energy).
Para vender o gás natural do Már Cáspio para os "Tigres
Asiáticos", as corporações norte americanas tinham só dois
caminhos possíveis: Passar pelo Irã (o que está fora de
questão) ou tomar o Afeganistão, mas para isso era preciso
um bom pretesto
Com duto pronto para vender gás à indústria do sudeste asiático, Bin Laden pôde morrer. Foi encontrado no aliado Paquistão, do lado de uma base do Exército. Há quanto tempo ele estava lá? A fortaleza era para protegê-lo ou prendê-lo? Na falta de transparência, sobretudo no último ato do espetáculo, restam especulações.
O que é inegável é que tanto a ideologia americana quanto a da Al Qaeda (que servia à primeira, ainda que como símbolo de antagonismo e justificativa para atos de guerra) estão em crise. A “versão” extremista do islã, que prega a violência como forma de libertar os países islâmicos de opressões exógenas, seguida pela Al Qaeda, nasceu com o filósofo e escritor egípcio Sayyid Qutb, membro da Irmandade Muçulmana. No entanto, o regime egípcio tirânico, aliado a Washington, que gerou essa reação ideológica, foi deposto. E não foi a Al Qaeda, nem a Irmandade Muçulmana quem derrubou o regime. Osama morre (se morreu mesmo) num momento em que já não era mais tão importante pra ninguém: nem para árabes, nem para americanos.
O “número 2” da Al Qaeda, novo “Most Wanted”, Ayman Al-Zawahiri, também é egípcio e sua agenda, discurso e fama se fizeram apresentando o terror como saída para a derrubada de Mubarak, discurso esse que já está com prazo de validade vencido

sexta-feira, 6 de maio de 2011

O rei está pelado

Nem quando, em 1977, os Sex Pistols gravaram “Deus salve a rainha/ Ela não é um ser humano/ Seu regime fascista te transforma em retardado/ Uma bomba H potencial” para marcar os 25 anos do reinado de Elizabeth II, nem qualquer outro punk muito, muito ousado, jamais conseguiu constranger a família real como a visita que o rei George V e sua família receberam em meados de novembro de 1931 para um chá. Usava uma tanga cobrindo o “básico”, um xale indiano para cobrir os ombros e sandálias velhas.
Caneca em comemoração à coroação de George V e Mary
 da Inglaterra em 1910. 21 anos depois da manufatura dessa
 caneca, o casal real receberia um nativo de uma das
colônias do império para um chá que entraria para a História
“Gandhi, onde estão suas calças?”. Ele sorri gentilmente e responde na entrada do palácio, dando mais atenção à pergunta da criança do que à imprensa: “O rei já está usando roupa o bastante para nós dois”. Quem tentaria impor regra de vestuário? Desde que voltara a viver na Índia, 16 anos antes, Gandhi abandonara o terno de advogado e as roupas ocidentais para se fazer igual ao mais humilde mendigo de seu povo. Ele estava, então, aceitando gentilmente o convite para o chá no palácio de Buckingham, mas sem fazer distinção, sem se vestir de maneira diferente daquela que ele costumava andar para estar com os dalits ou cuidar dos leprosos.
Foi gentil e simpático com toda a família. Como de costume, preferiu o leite de cabra e escolheu beber no pires, como os indianos faziam. O público, outros convidados e o rei certamente esperavam que Gandhi fosse aproveitar a visita para falar com o rei sobre a independência da Índia, cobrar alguma coisa ou algo parecido. George V certamente esperava que o assunto fosse levado pelo peculiar visitante da corte. A resposta do rei, sem dúvida, estava preparada (um comunicado de fachada para acalmar as coisas para a opinião pública? Reformas? Um acordo meia-boca?). Mas não. Gandhi não tocou no assunto que todos esperavam que ele fosse tocar.
Foi ao chá com o rei, educado e respeitoso, como faria na casa de qualquer homem. Ele próprio foi a mensagem. Sua visita a Londres desnudou a monarquia.
Nos anos anteriores, sua vida e seu comportamento, além de suas palavras em discursos, conversas e jornaizinhos que fazia, vinham conscientizando o povo indiano a opor-se às injustiças do Império Britânico. A Satyagraha (poder/força da verdade) foi posta em prática em 1928, quando em Bardoli toda a população parou de pagar impostos quando os dominadores ingleses elevaram as taxas em 22%. A Polícia prendeu centenas, confiscou terras, foi violenta contra o movimento. Mas simplesmente não adiantava. A população não pagava impostos, permanecia firme, mas não revidava a violência com violência. Não era possível prender todo mundo. A imagem do governo só se desgastava mais a cada retaliação. Ao fim, todos os presos foram libertados, as terras devolvidas e o aumento de impostos cancelado.
Gandhi lidera a famosa "Marcha do Sal" em 1930;
Quando ele desobedece a lei e sibolicamente toca
o sal à beira mar, a revolução sathiagrahi começa
Mas as vitórias da Satyagraha não paravam por aí, a mensagem da transformação comportamental se espalhava. Gandhi encorajava os indianos a boicotarem os produtos britânicos, de modo especial o álcool e outras drogas. O fim da discriminação de casta, bem como a igualdade para as mulheres eram valores que se difundiam. Ele pregava também a conciliação e amizade entre hindus e muçulmanos, todos indianos. Gandhi dizia que para vencer os inimigos, o homem teria que vencer primeiro aqueles que estavam dentro de si.
Em 1930, os indianos já se vestiam novamente como indianos. O trabalho nos teares manuais tradicionais inseriu a mulher no movimento político. Ao mesmo tempo, a negação da moda ocidental e da industrialização capitalista dava orgulho próprio aos indianos. Chegava a hora de a evolução ética, posta em prática na forma de transgressão comportamental do povo, destruir o pior e mais aprisionante dos vícios: a obediência a leis injustas.
A lei símbolo a ser atacada era a Lei do Sal, que garantia o monopólio da produção de sal a empresas inglesas, o que prejudicava justamente a população mais pobre que anteriormente fazia a extração. Gandhi foi caminhar. Anunciou que faria sal e começou uma caminhada de 200 km até a costa. Logo as pessoas caminhando, sem pressa e com panelas na mão, eram dezenas, centenas, milhares, centenas de milhares. No dia em que o Mahatma (grande alma, como ficou conhecido) chegou à beira do oceano, multidões repetiram o gesto de pegar água no mar e esperar o sol secar tudo, deixando apenas o sal.
Ele e mais 60 mil foram presos. Ninguém resistiu à prisão ou revidou a agressão da Polícia. O estado teve de libertar os subversivos e abolir as leis sálicas ou haveria uma tragédia humanitária sem precedentes dentro e fora das prisões, tamanha quantidade de mortes haveria se o homem que a essa altura o mundo considerava santo e sua multidão de irmãos continuassem, sem violência, fazendo sal e greve de fome durante tantos dias.
Por isso, o tiozinho de tanga na casa do trisavô do Willian (o rapaz que casou sexta-feira de veludo vermelho, cheio de adornos de ouro) não precisava falar sobre a independência da Índia, porque ela já estava acontecendo, era questão de tempo.
Vendo um velhinho seminu bebendo leite de cabra no pires no Palácio de Buckingham, George V viu quem é que manda de verdade.

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Pra quem quer +













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