sábado, 24 de dezembro de 2011

O velho de barba branca (e bandeira preta)


"Nenhuma revolução social pode triunfar se não for precedida de uma revolução nas mentes e corações do povo". Piotr Kropotkin


Pela neve do extremo norte, caminha um velho de barba branca, bochechas gordinhas e seu óculos de ler cartinhas. Ele bem que poderia usar um gorro vermelho, mas não era o caso. Se fosse para usar um gorrinho desses, certamente não teria um pompom branco, seria um pileu, como o gorro do saci, como aqueles que na Grécia antiga recebiam os escravos libertos, símbolo da Liberdade, símbolo da Anarquia. O bom velhinho que caminha pela paisagem gelada da Sibéria, da Finlândia ou das montanhas da Suíça é o príncipe rebelde Piotr Kropotkin.
Corta para Dmitrov, arredores de Moscou, 1848. O príncipe Alexei Petrovich Kropotkin, dono de vastas regiões do Império Russo e com mais de 1200 servos sob seus pés vê sua esposa Iekaterine dar à luz: um lindo bebezinho nobre. Quando cresce, Piotr vai servir como pagem na corte do kzar por dois anos. Ele toma nojo pela nobreza, pela degeneração dos que se acham superiores e oprime os famintos. Mas aguentou firme para terminar sua formação científica: astronomia, física, história e filosofia. Mas também se interessou pelas ciências da Natureza e lhe inquietou o livro: A Origem das Espécies, de Charles Darwin.
Mutualismo: O peixe palhaço se vive entre os
tentáculos urticantes das anêmonas, pois é imune
 a esse veneno,  e assim se protege de predadores;
em troca, as anêmonas se beneficiam dos restos
de alimento e excrementos do peixe palhaço
Para fugir da nobreza, se voluntaria para uma ir à Sibéria. Missão: avaliar o sistema carcerário para propor reformas. As prisões políticas na sibéria se assemelhavam a campos de concentração. Ali viu mais nitidamente as contradições do Sistema e que vivia. Mas pode conhecer anarquistas e comunistas que lhe ajudaram em sua “conversão” à visão libertária do mundo. Pode ver a solidariedade entre os homens das tribos nômades, bem como observar a fauna e flora da região.
As reformas no sistema carcerário que ele propôs jamais foram levadas a cabo. Nem mesmo a Revolução de 1917 tornaria mais humana e decente a situação dos prisioneiros enviados à Sibéria. Mas o tempo não foi perdido. A observação da natureza e dos homens, sua ajuda mútua, sua solidariedade o ajudaram a escrever a mais célebre de suas obras: “O Apoio Mútuo: uma questão de evolução” (Baixe esse Ebook, é meu presente de natal para os leitores da coluna http://pt.scribd.com/doc/19944850/O-Apoio-Mutuo-Piotr-Kropotkin- ) em que corrige Darwin ao alegar (e comprovar) que a colaboração entre indivíduos da mesma espécie e de espécies diferentes é fator determinante para a sobrevivência, sendo mais importante que a competição no processo evolutivo. Para isso, apresenta uma infindável quantidade de observações sobre o comportamento de diversos animais, bem como sociedades “primitivas” e mesmo entre cidades livres da medievalidade.
Insetos sociais, como as abelhas, são exemplos típicos
 de que a colaboração entre indivíduos é mais importante
 para a sobrevivência da espécie do que a competição
Pegou a grana da sua herança (e não era pouca) e foi viajar (a coisa mais útil e válida a se fazer com dinheiro) e se engajar em processos pré-revolucionários que se desenhavam na Europa. Ficou amigo de Bakunin e de outros anarquistas “barra pesada”, como os relojoeiros de Juna. Foi preso algumas vezes (acontece...) por sua militância. Mas não foram só autoridades kzaristas e de outros estados autoritários e capitalistas que o perseguiram. Kropotkin, foi, junto com a turma de Bakunin, expulso da Primeira Internacional em 1872 por Karl Marx e seus discípulos ortodoxos.
A expulsão se deu por uma divergência que dura até hoje. Os marxistas acreditavam que um partido de trabalhadores deveria tomar o poder e estabelecer um estado (uma ditadura) que alterasse o modo de produção. Já os anarquistas bakunianos acreditavam que poder não é para ser conquistado, mas destruído e propunham a abolição do Estado. No lugar disso em associações horizontais e cooperativas os homens decidiriam seus destinos juntos e organizariam sua vida.
Prisioneiros (a maioria presos políticos) trabalham em
um gulag, os famosos campos de trabalho forçado
na Sibéria, durante o período soviético
E adivinhem só: Em 1917, o kzar foi derrubado. Viva a revolução socialista! Kropotkin volta à Rússia e é ovacionado por trabalhadores, estudantes, camponeses. Ele está entusiasmado: propõe cooperativas e outras reformas no Estado que estava se constituindo. Mas, não! Lênin não o ouviu. Lenin perseguiu, mandou prender e matar diversas vozes dissonantes, entre eles muitos anarquistas (a situação pioraria ainda mais com a morte de Lênin e ascensão de Stalin, o “Kzar Vermelho”, que por sorte Kropotkin não viu). O previsto pelos expulsos de Haia em 1872 estava se cumprindo.
“Vladimir Ilyich (Lenin), suas ações concretas são completamente contrárias às ideias que você finge sustentar", escreveu o príncipe anarquista ao líder Bolchevique.
Kropotkin era tão popular que era “imprendível”. Morreu vítima de pneumonia em 1921. Seu funeral, foi acompanhado por uma multidão (na qual até Emma Goldman estava presente). Bandeiras pretas tremulavam ao som de Tchaikovsky. Faixas exibiam os slogans "Onde há autoridade não há liberdade" e "Os anarquistas exigem a liberação das prisões do socialismo". Quando o féretro e os mais de cem mil presos que o passaram em frente à prisão, foi aplaudido por presos comuns e políticos.
O funeral de Kropotkin, em 1921, reuniu cerca de
100 mil admiradores e amigos; foi a última manifestação
pública  anarquista na União Soviética; depois disso a vida
sob a ditadura do PC não foi fácil para os libertários
O enterro de um dos maiores intelectuais de todos os tempos (que permanece desconhecido pela maioria, já que nem estados capitalistas nem socialistas estão interessados que os jovens leiam essas coisas em suas universidades) foi a última manifestação pública massiva de anarquistas na União Soviética. Depois disso, a maioria deles foi parar na Sibéria, no sistema carcerário que permanecia igual ao dos tempos do kzarismo.




EBOOKS DE GRAÇA
O Apoio Mútuo - uma questão de evolução
A Lei e a autoridade
- O princípio Anarquista e outros ensaios



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