Foi gentil e simpático com toda a família. Como de costume, preferiu o leite de cabra e escolheu beber no pires, como os indianos faziam. O público, outros convidados e o rei certamente esperavam que Gandhi fosse aproveitar a visita para falar com o rei sobre a independência da Índia, cobrar alguma coisa ou algo parecido. George V certamente esperava que o assunto fosse levado pelo peculiar visitante da corte. A resposta do rei, sem dúvida, estava preparada (um comunicado de fachada para acalmar as coisas para a opinião pública? Reformas? Um acordo meia-boca?). Mas não. Gandhi não tocou no assunto que todos esperavam que ele fosse tocar.
Foi ao chá com o rei, educado e respeitoso, como faria na casa de qualquer homem. Ele próprio foi a mensagem. Sua visita a Londres desnudou a monarquia.
Nos anos anteriores, sua vida e seu comportamento, além de suas palavras em discursos, conversas e jornaizinhos que fazia, vinham conscientizando o povo indiano a opor-se às injustiças do Império Britânico. A Satyagraha (poder/força da verdade) foi posta em prática em 1928, quando em Bardoli toda a população parou de pagar impostos quando os dominadores ingleses elevaram as taxas em 22%. A Polícia prendeu centenas, confiscou terras, foi violenta contra o movimento. Mas simplesmente não adiantava. A população não pagava impostos, permanecia firme, mas não revidava a violência com violência. Não era possível prender todo mundo. A imagem do governo só se desgastava mais a cada retaliação. Ao fim, todos os presos foram libertados, as terras devolvidas e o aumento de impostos cancelado.
Gandhi lidera a famosa "Marcha do Sal" em 1930; Quando ele desobedece a lei e sibolicamente toca o sal à beira mar, a revolução sathiagrahi começa |
Em 1930, os indianos já se vestiam novamente como indianos. O trabalho nos teares manuais tradicionais inseriu a mulher no movimento político. Ao mesmo tempo, a negação da moda ocidental e da industrialização capitalista dava orgulho próprio aos indianos. Chegava a hora de a evolução ética, posta em prática na forma de transgressão comportamental do povo, destruir o pior e mais aprisionante dos vícios: a obediência a leis injustas.
A lei símbolo a ser atacada era a Lei do Sal, que garantia o monopólio da produção de sal a empresas inglesas, o que prejudicava justamente a população mais pobre que anteriormente fazia a extração. Gandhi foi caminhar. Anunciou que faria sal e começou uma caminhada de 200 km até a costa. Logo as pessoas caminhando, sem pressa e com panelas na mão, eram dezenas, centenas, milhares, centenas de milhares. No dia em que o Mahatma (grande alma, como ficou conhecido) chegou à beira do oceano, multidões repetiram o gesto de pegar água no mar e esperar o sol secar tudo, deixando apenas o sal.
Ele e mais 60 mil foram presos. Ninguém resistiu à prisão ou revidou a agressão da Polícia. O estado teve de libertar os subversivos e abolir as leis sálicas ou haveria uma tragédia humanitária sem precedentes dentro e fora das prisões, tamanha quantidade de mortes haveria se o homem que a essa altura o mundo considerava santo e sua multidão de irmãos continuassem, sem violência, fazendo sal e greve de fome durante tantos dias.
Por isso, o tiozinho de tanga na casa do trisavô do Willian (o rapaz que casou sexta-feira de veludo vermelho, cheio de adornos de ouro) não precisava falar sobre a independência da Índia, porque ela já estava acontecendo, era questão de tempo.
Vendo um velhinho seminu bebendo leite de cabra no pires no Palácio de Buckingham, George V viu quem é que manda de verdade.
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Pra quem quer +
EBOOK DE GRAÇA: A Desobediência Civil - Henry David Thoreau
EBOOK DE GRAÇA: O Reino de Deus Está em Vós - Liev Tolstoi
AUDIOBOOK: "A roupa nova do rei" gravação da coleção Disquinho (1965), com um muito sábio conto infantil
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Minha nossa!... que matéria! Mas é do caramba! Leandro, per favore, manda expedir minha carteirinha, agora sou tua fá em primeiro grau!
ResponderExcluirBesos estupefatos!
Texto incrível!
ResponderExcluirO poder do ser sobrepujando o poder do ter, no nosso mundo isso é raro de se ver, bom ter nos brindado com tal relato.
Beijos!
Excelente matéria; nos leva a refletir sobre a essência, e notar que a verdadeira fortuna está na força moral. A famosa resistência pacífica empreendida por Gandhi superou a estratégia bélica britânica. Não é sem razão o espanto da poeta brasileira Carmem Regina.
ResponderExcluirAbraços, Leandro.
Pensando nos 30 milhões de indianos que morreram de fome durante a dominação britânica, foi mesmo muita coragem do Gandhi protestar fazendo greve de fome.
ResponderExcluirPoxa, pessoal! obrigadão aí pelos comentários todos.
ResponderExcluirFico até ruborizado, Carmem, de receber elogios assim! Muito obrigado, poeta jardineira.
beijão
Olha... Isto aqui nem é um blog, devia-se poder
ResponderExcluirencaderná-lo e colocá-lo no acervo de documentos da História da Humanidade.
Vou repassar o link para todos os meus amigos.