sábado, 14 de maio de 2011

#FlorestaFazDiferenca : O espelho mágico e o #CódigoFlorestal

"Não podemos esperar mais. Por nossos ancestrais e por nossos descendentes, temos obrigação de não aceitar as mentiras do espelho. Só interessa a "eles" que você pense que nasceu na época errada. História é algo que você faz hoje"
Muro retrata ancestral mito brasileiro, nascido de amálgama de
lendas indígenas, africanas e européias, defendendo a floresta


Eu era criança quando a tia Madalena, primeira professora, me contou pela primeira vez sobre o “descobrimento” do Brasil, sobre como os colonizadores engambelaram os nativos daqui. Eles tinham maravilhas tecnológicas e pareciam bem-intencionados. Eles davam quinquilharias, como espelhos, e em troca tramavam sorrateiros a destruição da floresta para deixarem o Império ainda mais rico. Enquanto isso, iam inoculando doenças que começavam silenciosas, depois faziam um verdadeiro genocídio. Índios, depois, eram escravizados, expulsos de suas terras, mortos.
Quem não acha absurdo e lamenta a destruição das pessoas e da Terra quando escuta ou lê nossa triste história? Como foi possível? Nos perguntamos com a mesma perplexidade que demonstramos quando pensamos sobre a Alemanha dos anos 30: como puderam os alemães cair na conversa dos nazistas e ser tão hipnotizados e amansados pela propaganda, pela fábrica de visão de mundo de Hitler e Goebles?
A senadora ruralista Kátia Abreu (DEM-TO)
 "homenageada" em Cancún com a Motosserra
de Ouro. Honraria foi uma iniciativa de índios da
Amazônia, que sofrem com os desmatamentos
Lembrei disso essa semana. O Congresso Nacional debatia e ia votar a reforma do Código Florestal. Enquanto isso, a novela da Globo batia 43% de audiência, seu próprio recorde, mostrando um Brasil rico, limpinho, sem muita “gente diferenciada” para não estragar a paisagem.
O espelhinho que nos deram não reflete a realidade. A maioria das geradoras e retransmissoras de TV pertence aos mesmos que em Brasília querem aprovar o novo Código Florestal. Por quê? Por que, além das TVs e das cadeiras em Brasília, eles concentram a maior parte das terras do país. Muitos dos latifundiários que gritavam o nome de Aldo Rebelo nas galerias do Congresso essa semana têm o mesmo sobrenome dos sesmeiros que receberam terras brasileiras de presente do rei de Portugal.
A proposta de reforma do Código Florestal contraria os estudos e alertas de nossos cientistas quanto a suas consequências ambientais catastróficas (e já temos tido catástrofes o bastante). A SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e a ABC (Academia Brasileira de Ciência), que reúnem pesquisadores das universidades de todo o Brasil, pedem que essa reforma proposta pelos ruralistas não seja sequer votada. No entanto, estão a um passo de fazer isso na próxima terça (e quase fizeram na última quarta), já que os latifundiários, que contam com quadros tanto da “oposição” quanto dentre os aliados da base do governo (o que prova que a questão não é partidária), prometem travar a pauta do Congresso e não votar mais nada enquanto o “código da vergonha” não for votado e aprovado.
Para se ter ideia de apenas alguns pontos, a proposta ruralista cria o conceito de "área rural consolidada", que legaliza áreas de floresta invadidas por grileiros (sim, daqueles que matam freira, índio e seringueiro sindicalizado), dá autorização para desmatar as áreas de preservação hoje existentes acima de 1.800 metros de altitude, diminui pela metade a faixa de mata ciliar a ser preservada ao longo dos rios, os ecossistemas de mangues deixam de contar com a proteção legal e elimina a obrigatoriedade de recuperação de 600 hectares de Floresta Amazônica, devastada ilegalmente.
Então, o espelho mágico, antes da novela, está sempre fingindo isenção. Ele mostra que o atual Código Florestal deixa pequenos agricultores prejudicados, pois têm pouca terra e muitos estão em situação de irregularidade, e, por isso, a lei deve ser modificada. Sim, é verdade que os agricultores familiares têm pouca terra, mas isso não é por culpa das florestas, mas dos latifúndios que, esses sim, são grandes demais.
Roberto Marinho caminha ao lado do
patriarca do clã magalhães, dono de
boa parte da Bahia, que na figura de
Dom ACM III está representado no
Congresso Nacional
do 
O que o casal do espelhinho mágico não diz é que a proposta dos coronéis flexibiliza o conceito de “pequena propriedade”, de modo que eles possam desmembrar seus impérios em várias unidades fiscais para terem a anistia ambiental e até disputarem com os pequenos recursos do Pronaf. Além disso, os reis do gado que ocupam um quarto do território nacional e avançam sobre a Amazônia, os xeiques da cana que acabam com o Cerrado e o Pantanal para andarmos de carro e os emires dos vastos desertos de soja destinada à exportação (que não distribui renda nem alimento) poderiam arrendar a terra dos pequenos, que teriam menos acesso ao crédito para plantar alimento.
Sim, o código atual tem falhas, e quem produz alimento (como a cadeia do arroz, que não está participando da festa do “milagre brasileiro” como os usineiros) precisa ser protegido, incentivado, tirado da ilegalidade, mas não podemos deixar nos enganar. Essa proposta ruralista não resolve esse problema. Ao contrário, agride os pequenos e coloca em risco a sobrevivência da nossa e de outras espécies.
A proteção das florestas não é um problema só dos índios da Amazônia, diz respeito aos rios em que cada um de nós, brasileiros, brincamos quando éramos crianças ou nos nutrimos durante a vida.
Não podemos esperar mais. Por nossos ancestrais e por nossos descendentes, temos obrigação de não aceitar as mentiras do espelho. Só interessa a "eles" que você pense que nasceu na época errada. História é algo que você faz hoje. Temos três dias para nos comportarmos como sacis, tramar planos.
Será uma vergonhosa covardia histórica se a juventude de hoje, com tantos recursos, não se movimentar nem infernizar seus representantes para que recusem essa reforma. Infâmia eterna sobre nosso tempo se não tentarmos impedir nem mudarmos nossos atos, se os professores não debaterem na escola, se os líderes religiosos não forem enfáticos na defesa da “criação”, propondo rupturas verdadeiras com estilo de vida insaciável da sociedade de consumo que derruba a mata e derrama sangue sem sujar as mãos.

Autorizo a reprodução, impressão e distribuição desse texto.- LC

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