domingo, 8 de maio de 2011

Quem precisa dele agora?

 
Stencil atribuído ao artista Banksy em South Lake City, EUA
(Jornal do Povo, Cachoeira do Sul-RS 07/05/2011)


Quanto menor a transparência dos governos, maior o número de teorias da conspiração que surgirão a cada notícia envolvendo negócios e militares. Principalmente quando a questão envolver os EUA, país com longo histórico de atividades ilegais de espionagem e interferência na política externa de outros países. Tão certo quanto um adolescente que esconde dos pais o hábito de fumar se banha de perfume antes de chegar em casa e inventa história (“era do meu amigo”), o governo dos EUA é o campeão em fraudar realidades e forjar histórias para disfarçar seu fedor. A indústria do espetáculo, que envolve tanto o cinema quanto os “noticiários” televisivos, estão sempre prontos a ajudar a política oficial a construir a realidade conveniente.
Hamid Karzai, ex-alto executivo da Halliburton,
eleito presidente do Afeganistão (numa eleição
fraudada após a invasão do país) cumprimenta
o então vice-presidente americano Dick Cheney,
seu (eterno) patrão na gigante do petróleo
Por isso, a morte (ou não) de Bin Laden continuará cercada de tantos mistérios quanto à sua vida. Em setembro de 2010, publiquei um artigo em duas partes com o título “Al Qaeda: cobra criada”, em que contei a história do milionário Osama Bin Mohammad Bin Awad Bin Laden, herdeiro da rede de empreiteiras que construiu alguns dos mais importantes aeroportos do mundo árabe que se tornou o homem mais procurado do planeta. Osama trabalhava para os EUA nos anos 80, quando Washington armou e treinou mujahedines no Afeganistão para combater os soviéticos.
O rompimento entre Bin Laden e os EUA ocorreu durante a guerra do Iraque, no início dos anos 90, quando o próprio Osama ofereceu ajuda para combater Saddam Hussein, outro ex-aliado dos EUA que acabara de se tornar oficialmente “bad guy” por atrapalhar os interesses das multinacionais americanas e da família real saudita sobre o petróleo do Kwait, mas foi preterido por “infiéis”.
Soldado invasor estadunidense aborda jovem afegão
Agora que o corpo (segundo dizem) está frio, ainda não temos tanta certeza sobre o tamanho e formato da Al Qaeda (nome que Bin Laden sequer usava). A estrutura se tornou cada vez mais fragmentária e o “modus operandi” se replicou por centenas de organizações. O que se percebe é que a ideologia do grupo fez muitos simpatizantes no mundo islâmico (incluindo os guetos de imigrantes vindos de ex-colônias europeias nas grandes cidades do Ocidente). Al Qaeda perdeu importância enquanto instituição e se tornou mais relevante enquanto ideia, fortalecendo-se com o a invasão do Iraque e o apoio americano a regimes que oprimem povos islâmicos. Washington não apenas criou como também nutriu seu “monstro”.
Mas Bin Laden tombou justamente num momento em que a Al Qaeda, ideologicamente, entra em um princípio de crise, de decadência, como todas as demais construções de realidade e formulações ideológicas criadas pelo capitalismo ocidental.
É preciso relembrar que Osama, mesmo depois de virar inimigo, foi muito útil para a política de Washington. O milionário tinha abandonado o Sudão após uma tentativa de assassinar o ditador egípcio Hosni Mubarak (outro aliado dos EUA até 2011) e fugido para o Afeganistão. Como ele estava lá onde tudo começou, depois do 11 de setembro os americanos tiveram o motivo diante da opinião pública e a liberação de verba para a indústria bélica que sempre precisaram para invadir e tomar o Afeganistão.
O milionário Salem Bin Laden,
irmão de Osama e sócio dos Bush
nos anos 70 na Arbusto Energy
O Afeganistão fica no meio do caminho entre as reservas de gás natural do mar Cáspio e os Tigres Asiáticos, com sua insaciável fome de energia. Quem explora essas fontes de gás são grandes corporações americanas, com tentáculos no Congresso, nas Forças Armadas e até na suprema corte daquele estado privatizado por lobistas. Foi somente com a invasão do Afeganistão que os americanos conseguiram construir o gasoduto que passa pelo meio do país. Afinal, o presidente que colocaram lá era ninguém menos que Hamid Karzai, executivo da Halliburton Petróleo, que tem entre os sócios mais poderosos Dick Cheney, vice do ex-presidente George Walker Bush (que por sua vez foi sócio de Salem Bin Laden, irmão de Osama, na empresa Arbusto Energy).
Para vender o gás natural do Már Cáspio para os "Tigres
Asiáticos", as corporações norte americanas tinham só dois
caminhos possíveis: Passar pelo Irã (o que está fora de
questão) ou tomar o Afeganistão, mas para isso era preciso
um bom pretesto
Com duto pronto para vender gás à indústria do sudeste asiático, Bin Laden pôde morrer. Foi encontrado no aliado Paquistão, do lado de uma base do Exército. Há quanto tempo ele estava lá? A fortaleza era para protegê-lo ou prendê-lo? Na falta de transparência, sobretudo no último ato do espetáculo, restam especulações.
O que é inegável é que tanto a ideologia americana quanto a da Al Qaeda (que servia à primeira, ainda que como símbolo de antagonismo e justificativa para atos de guerra) estão em crise. A “versão” extremista do islã, que prega a violência como forma de libertar os países islâmicos de opressões exógenas, seguida pela Al Qaeda, nasceu com o filósofo e escritor egípcio Sayyid Qutb, membro da Irmandade Muçulmana. No entanto, o regime egípcio tirânico, aliado a Washington, que gerou essa reação ideológica, foi deposto. E não foi a Al Qaeda, nem a Irmandade Muçulmana quem derrubou o regime. Osama morre (se morreu mesmo) num momento em que já não era mais tão importante pra ninguém: nem para árabes, nem para americanos.
O “número 2” da Al Qaeda, novo “Most Wanted”, Ayman Al-Zawahiri, também é egípcio e sua agenda, discurso e fama se fizeram apresentando o terror como saída para a derrubada de Mubarak, discurso esse que já está com prazo de validade vencido

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