domingo, 5 de fevereiro de 2012

São Paulo: estado de choque


Moradores fogem de suas casas durante reintegração de posse
pela PM; durante a ação, pessoas foram feridas, agredidas,
torturadas, violentadas sexualmente e mortas
Na noite anterior à reintegração do Pinheirinho dormi em uma praça interessante com outras dezenas de pessoas que atenderam ao chamado para mais uma não-televisionada ocupação-relâmpago do movimento antissistema paulistano Ocupa Sampa. As ruínas do Carandiru são talvez as mais sórdidas da Terra. Por uma razão simples: não são ruínas do passado. São ruínas de algo que anda existe e continua a crescer assustadoramente. O Governo demoliu os pavilhões, deixou umas paredes de pé, construiu um parquinho e uma biblioteca. A grande atração do Parque da Juventude (como passou a chamar-se o local da antiga casa de detenção onde ocorreu o massacre de 1992) são as ruínas ao lado das crianças brincando. Uma propaganda falsa do Palácio dos Bandeirantes e do “sonho paulista” (a versão bandeirante do “sonho americano” e da “promessa brasileira”). O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo (só perde para China e EUA) e dobra a cada década. O Governo paulista encarcera cerca de dois quintos do meio milhão de presos declarados do Brasil. Dezenas de novos Carandirus foram inaugurados por todo interior e mais de 40 outros estão para sair do papel. São Paulo tem mais de 150 unidades prisionais, o que é ótimo para o PCC, já que a cadeia é o Facebook e a universidade do Primeiro Comando.
O criminoso Naji Nahas, "dono" do terreno
do Pinheirinho
A população carcerária só não cresce mais por uma razão simples: em São Paulo, a Polícia mata uma parcela substancial de suas vítimas. A cada cinco pessoas mortas em São Paulo em 2011, uma foi vítima da PM. Isso sem contar aqueles que não entram nas contas, aqueles que ninguém reclama ou que são simplesmente “desaparecidos”. A Polícia de São Paulo é de dar medo por uma série de razões: se ela não vai com a sua cara, você pode apanhar, morrer ou, pior, ser preso. Hoje em dia, 44% dos presos em São Paulo não foram julgados, estão nos chamados CDPs (Centros de Detenção Provisórios), que em nada diferem do ambiente das penitenciárias comuns. Ali igualmente ocorre tortura, ali está igualmente superlotado, ali é igualmente controlado pelo Comando (PCC) das grades pra dentro, ali igualmente lucram máfias de empreiteiras e fornecedores diversos, ali igualmente se misturam assassinos psicóticos com acusados de pequenos delitos.
Uma coisa que contribui para essa situação é a nossa antiquada lei de drogas. Não é um juiz, mas o próprio policial quem determina se a quantidade de drogas que a pessoa porta a caracteriza como usuário ou traficante. Soma-se a isso o fato de que muitas vezes os flagrantes são forjados e pronto, qualquer um pode ser mandado para o inferno das prisões paulistas e passar, quem sabe, anos de sua vida ali dentro, sem mais nem menos, por puro preconceito de cor e classe, para o cumprimento de metas mensais, por perseguição político-ideológica ou simplesmente por engano. Quando sair, não sairá o mesmo.
Esse estado de terror é ainda maior quando percebe-se que muitas vezes essa força policial, que é maior que o Exército Brasileiro (e com licença para matar, bater e prender), é usada para defender sórdidos interesses privados e que a maioria esmagadora dos homens por trás das fardas está pronta para obedecer friamente sua cadeia de comando, sem questionar, em ações absurdas como as vistas no último dia 22, quando 2.000 homens da PM paulista com armas letais, cavalos e helicópteros tomaram o Bairro Pinheirinho, em São José dos Campos, cidade próspera e conhecida por sua indústria bélica e aeroespacial. Pinheirinho era um bairro onde viviam 1.700 famílias, erguido há anos em um terreno que pertence à massa falida de uma empresa de Naji Nahas - uma pesquisa no Google ou nas páginas dos noticiários econômico e policial da época poupam apresentações.
PARTE 2
Polícia expulsa moradores do Pinheirinho, em São José dos Campos
Entulho e fumaça. Cheiro de cadáveres em decomposição. Podem ser só os animais de estimação deixados para trás, mas o cheiro pode vir dos vários desaparecidos da tragédia. Impossível saber agora que as “autoridades” interditaram o acesso à área e que um incêndio misterioso (queima de arquivo) começou nos entulhos. Ninguém mais, mesmo que fosse autorizado, pode agora voltar ao que sobrou de suas casas para resgatar documentos, roupas ou lembranças. Tudo é lama, fumaça, destroços, tensão e desolação.
Não. Não foi um terremoto. Não foi furacão nem deslizamento. Foi o Estado que aconteceu naquele bairro em que viviam 1.700 famílias (seis mil pessoas, entre homens, mulheres e crianças). Pinheirinho é um bairro de São José dos Campos, um pedaço do interior de São Paulo.
Antigamente (ou ingenuamente por muitos ainda hoje) São Paulo era visto como um lugar de progresso, de horizontes, de lei. Em São Paulo, nossa patética prepotência paulista nos fazia ver outros lugares do Brasil (Norte, Nordeste e Centro-oeste, de modo especial) como território atrasado e violento. Infelizmente uma parte disso não é mentira, ainda me vêm à mente pistoleiros e matadores de aluguel (os famosos jagunços) quando penso no Mato Grosso (a postura dos ruralistas mato-grossenses e o genocídio guarani kaiowá só comprovam isso). Quando penso na Bahia, penso ainda em oligarquias centenárias de coronéis (o que a imortalidade de alguns sobrenomes no Congresso só ratificam). O que muda é que não tenho mais São Paulo. Um vendaval varreu o cenário do teatro. Pane na “Matrix”. Ou como diria o rapper Criolo: “Não existe amor em SP”.
Os rios em que brinquei não existem mais. Tampouco temos comida plantada aqui, tudo vem de fora. Do Pontal do Paranapanema ao Vale do Ribeira, do Litoral à Alta Mogiana, tudo é monocultura. Morei, amei, trabalhei e estudei e andei por muitas cidades de São Paulo. Pela janela do ônibus vejo um deserto verde, sempre. Cana e mais cana por vastas áreas maiores que muitos países europeus, tudo pertencente a pouquíssimos usineiros que, mesmo sendo milionários, ainda são clientes “estilo” de bancos públicos e conseguem as melhores taxas e perdões do mercado. Na maioria das cidades consolidam-se hegemonias políticas graças a alianças imorais.
As universidades públicas estão sendo privatizadas aos poucos. As pesquisas são cada vez mais direcionadas a gerar patentes para a iniciativa privada, não em gerar conhecimento e avanços para a sociedade que as financia. Que dizer das imorais parcerias da Monsanto com os campi de agronomia da Unesp? Ou da Andrade Gutierrez e a Votorantin ditando a formação dos alunos da Unicamp? Na USP o reitor, pela primeira vez em tempos de "democracia", não foi o eleito pela maioria da comunidade acadêmica, mas João Grandino Rodas, segundo colocado nas eleições, pois assim quis o governador (que em última instância é quem decide).
Durante ação da PM que consistia em comunicar a entidades
estudantes que eles "deveriam" desocupar sala usada pelos
Diretórios Acadêmicos, policial aproveitou para agredir e sacar
a arma para a cabeça de um aluno que ele julgou "não ser aluno"
pelo simples fato de ser negro
Nas três universidades paulistas quase não se tem mais como produzir conhecimento (razão de ser das universidades), mas apenas reproduzir um modelo e sobretudo uma visão de mundo que coloca o valor do dinheiro acima do valor das vidas das pessoas. Produz-se, com verba e estruturas públicas, apenas novos produtos (muitas vezes nocivos às pessoas e à Terra) que gerarão ainda mais riqueza a grandes corporações (muitas delas estrangeiras). Cursos de humanas sucateados. Os de exatas, desumanizados. Os de biológicas seguem formando professores mal pagos ou técnicos cujos relatórios e laudos de impacto, por exemplo, jamais serão levados em conta se o interesse do grande capital estiver acima disso.
Cabeças pensantes, pessoas que querem dar maior sentido às suas vidas, pessoas com sonhos e vontade de fazer algo de bom (e há muitos desses em universidades) obviamente se opõem a esse caminho. E o Estado (mero balcão de negócios dos grandes capitalistas) faz o que quanto a isso? Polícia. A imprensa bandeirante diz que a Polícia está ali para defender as pessoas de roubos e estupros e que os estudantes que contestam isso só querem saber de fumar maconha. A “opinião pública” acredita. Pouco tempo depois, e a mídia televisiva não mostra, mas alguém filma e põe na internet um aluno negro sendo espancado por um policial por puro racismo (e por participar de centro acadêmico).
A TV não mostra, a Folha e o Estadão também não dão bola, mas poucos dias depois uma aluna da USP é vítima de estupro. Autor do crime: Renato Guimarães da Silva, soldado da PM há 20 anos.
Penso no Pinheirinho. Nas crianças que nasceram e viveram e só conheciam aquele lugar como casa, agora estão em galpões que lembram campos de concentração, comendo comida estragada. Penso no Naji Nahas, especulador, golpista, milionário. Deve aos cofres públicos, mas é sempre mais fácil pagar as pessoas que guardam as chaves dos cofres públicos do que aos próprios cofres públicos. E então o Estado age como hunos, ou como os cavaleiros de Gengis Khan contra uma comunidade de seu próprio povo. Só para defender interesses privados de um canalha. Os jagunços daqui andam fardados.
No último dia 2 de Fevereiro, um predio no Centro de São Paulo
na Avenida São João, abandonado há anos, que passou a ser usado
como moradia por  230 famílias de baixa renda  foi desocupado.
As famílias, que não tinham p/ onde ir, acamparam em frente ao prédio.
desde então, a PM e a GCM vem realizando ações violentas
contra o grupo. Muitas crianças estão hospitalizadas.
Ano passado, o governo de São Paulo realizou 164 ações
de desalojamento similares a essa.
Não. Eu não posso me conformar. Não aceito que um bípede com polegares invertidos e telencéfalo altamente desenvolvido me diga: “Só estou cumprindo ordens”. Não. A culpa é sua também, cara pálida. É de quem aperta o verde na urna, de quem assina a ordem, mas sobretudo de quem puxa o gatilho. Os policiais e militares em geral têm que aprender a desobedecer ordens imorais. Lembrar que seu dever é defender as pessoas e a Terra, mas defendem o inimigo da Terra e das pessoas. Não. As pessoas podem aprender a fazer escolhas. Como não obedecer ou até parar de pagar impostos (diga não à nota fiscal!) para forçar uma mudança de postura.
São Paulo está sitiada. É refém de uma gangue que está muito acima dos partidos. É refém da violência. E não podemos chamar a Polícia.
Se pudesse gritar alguma coisa para o resto do Brasil seria: "Socorro!" e "não queiram esse 'progresso'".

MAIS
FAVELA MOINHO: uma favela fundada por catadores de material reciclável  foi víma de um incêndio no inicio do ano. Segundo a imprensa o incêndio foi acidental e morrenrem 2 pessoas. Segundo os moradores, morreram 40 e o incêndio foi criminoso, cometido deliberadamente pelas máfias de especulação imobiliária que controlam a prefeitura, com o intuito de desocupar o terreno pra depois empreiteiras construirem arranha-céus de luxo. Veja depoimento de morador.


Eu Queria matar a presidenta

Esse video acima, sobre o massacre de Pinheirinho foi feito pelo jornalista independente Pedro Rios, que inconformado com o silêncio da mídia oficial sobre o absurdo caso, iniciou uma greve de fome acorrentado em frente ao prédio da Rede Globo, no Rio. 
No Arquivo Viagem no Tempo
"Da Luz às Trevas" A verdade por trás da "cracolândia"

2 comentários:

  1. Parabéns pelo texto. De fato, o Carandiru não acabou. Ele "foi" para o interior.

    []'s

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  2. Os defensores dos direitos humanos encheram o saco com pinheirinhos onde não morreu ninguém.
    Na Bahia já morreram mais de 80 e não vejo o mesmo empenho em divulgar.

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