Nesse momento, a Polícia Militar do Estado de São Paulo, força estatal de repressão maior até mesmo que o Exército Brasileiro, ocupa a histórica região da Luz (+ Sta Ifigênia), que a imprensa e os governos passaram desde a década de 90 a chamar de “Cracolândia”. De fato, muitos prédios abandonados e ruas dali se tornaram espaços de consumo da destruidora droga e tudo de ruim que está relacionado a ela (violência, exploração sexual, etc.). A área foi abandonada, deliberadamente, segundo moradores da região. A própria grande imprensa contribuiu para tornar a área zona de abandono.
Abuso policial contra pessoas desarmadas marca ocupação da "Cracolândia" em São Paulo (foto Eduardo Enemoto) |
Ano passado conheci no Ocupa Sampa alguns sobreviventes, gente que contava histórias como a de Dona Cida que narrou-me certa vez como agentes da GCM (Guarda Civil Metropolitana) uma noite colocaram fogo dormindo. Outros explicavam por que estavam mancando ou com esparadrapo na testa, a explicação era quase sempre: PM ou GCM.
A “Cracolândia” foi fabricada. Era pra lá que o Sistema e o Estado (apenas mais um aparato que o Capital já tomou para si) varriam o seu “resto da equação”. Primeiro você varre um monte de gente para a miséria. Depois para a rua. Depois para o vício. Em seguida para a “Cracolândia”. E depois, para uma vala comum. Assim o crack vive uma falsa ilegalidade. Por um lado ele é oficialmente “proibido” pelo Estado. Por outro ele é permitido e altamente interessante para o modelo de Capitalismo vigente. É uma arma de destruição em massa contra aqueles que estão abaixo da base, na sola da pirâmide.
Pessoas sem condição de consumo podem contribuir com o giro da economia comprando pelo menos a pedra de seu vício, comas migalhas que conseguem vendendo o corpo ou roubando carteiras. Enquanto não morrem (sendo assim menos um nesse “resto de equação matemático-social”), não se rebelam, pois viciados não conseguem falar, ouvir, pensar mais elaboradamente, se articular, se unir contra o Sistema que os colocou na condição de miséria.
A segunda contribuição da imprensa paulista e nacional, pela maneira como tratou a situação na Luz nos últimos anos, foi o afastamento do resto da população. A criação do medo fez com que, em vez de que se buscasse alternativas e soluções para os problemas (das drogas, da cidade, da população nessa situação), ninguém quisesse passar nem perto daquela zona de exclusão.
Pessoas sem condição de consumo podem contribuir com o giro da economia comprando pelo menos a pedra de seu vício, comas migalhas que conseguem vendendo o corpo ou roubando carteiras. Enquanto não morrem (sendo assim menos um nesse “resto de equação matemático-social”), não se rebelam, pois viciados não conseguem falar, ouvir, pensar mais elaboradamente, se articular, se unir contra o Sistema que os colocou na condição de miséria.
População viciada da Luz não recebe apoio social, médico nem psicológico; muitas pessoas caem na marginalização por causa da droga; a maioria entra na droga por causa da marginalização |
Passados 20 anos, os especuladores imobiliários (o que inclui, mais uma vez, muitas empreiteiras e o setor de mineração - fornecedores de concreto, aço, etc.) podiam contemplar o que queriam. A área desvalorizada. Os programas governamentais para moradia não privilegiam recuperação de imóveis prontos, uma vez que o número de domicílios vagos supera em quase um milhão o déficit habitacional em todo o país (Censo 2010).
Assim, quem sonha em ter um teto tem que se endividar bem mais, e quem é dono de empreiteira ganha mais dinheiro. Soma-se a isso a valorização do metro quadrado em grandes cidades brasileiras com a aproximação da Copa do Mundo estão tendo e pronto: os controladores do poder viram que era hora de entregar a área desvalorizada aos tubarões da especulação; criou-se o projeto Nova Luz, que vai desapropriar mais de 30% da área construída para demolir e construir mais edifícios novos. Moradores antigos do bairro (que é bom que se saiba, muitos não têm qualquer relação com drogas) estão revoltados. A Prefeitura os expulsa com indenizações vergonhosas enquanto aos ocupantes viciados estão sendo expulsos a bala.
Assim, quem sonha em ter um teto tem que se endividar bem mais, e quem é dono de empreiteira ganha mais dinheiro. Soma-se a isso a valorização do metro quadrado em grandes cidades brasileiras com a aproximação da Copa do Mundo estão tendo e pronto: os controladores do poder viram que era hora de entregar a área desvalorizada aos tubarões da especulação; criou-se o projeto Nova Luz, que vai desapropriar mais de 30% da área construída para demolir e construir mais edifícios novos. Moradores antigos do bairro (que é bom que se saiba, muitos não têm qualquer relação com drogas) estão revoltados. A Prefeitura os expulsa com indenizações vergonhosas enquanto aos ocupantes viciados estão sendo expulsos a bala.
Não. As ações que a TV mostra da Polícia atuando na Cracolândia não são para oferecer tratamento de saúde nem enfrentar o crime, como gritam excitados os mesmos apresentadores que essa época do ano costumavam ser apenas narradores de enchente. O que está em jogo são os negócios. E a Polícia cegamente (ou não) está agindo como milícia privada de interesses particulares.
Segundo uma fonte do Movimento Nacional da População de Rua, outro negócio que estaria em jogo seria o lucrativo mercado de manicomialização, que quer voltar a receber rios de dinheiro do Estado para internar como louco qualquer viciado ou morador de rua ou miserável em geral com a chamada “internação compulsória”. Manicômios privados (sem qualquer preocupação com recuperação) receberiam boa parte dos catados pelas “carrocinhas humanas”, já que, sabidamente (e deliberadamente), o Estado não tem estrutura para dar tratamento a essas pessoas.
O que há é uma guerra aos pobres. O avanço do rolo compressor capitalista sobre os corpos de brasileiros. Pois nenhuma pessoa de boa-fé pode achar que prisões, espancamentos, bombas e assassinatos sejam um bom remédio para dependência química ou para nossas doenças sociais.
MAISMoradores da Luz falam sobre descaso e abuso de autoridade, desapropriações, e a vida no bairro
Em audiência pública, o sacerdote católico Julio Lancellotti denuncia torturas, intimidação e extermínio na "Cracolândia"
Raquel Rolnik urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada explica o projeto Nova Luz.
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