sábado, 8 de janeiro de 2011

Porque Cezar não deve dar Cesare ao "César"

Palermo, 5 de setembro de 1979, o juiz Cesare Terranova,
membro da Comissão Parlamentar Antimáfia, acabara de ser
morto por terroristas da direita mafiosa
"A justiça dos anos de chumbo recorreu regularmente à tortura. Foram denunciados treze casos só no primeiro processo coletivo dos PAC. (...) Os tribunais italianos, quase todos dirigidos por juízes associados ao governo de Democracia Cristã, condenaram 4.700 ativistas de extrema esquerda, e deixaram em paz todos os de extrema direita, embora estes tivessem causado muito mais mortes com seus atentados a bomba"
Frédérique Audoin-Rouzeau, historiadora

Roma, 2011, arredores da embaixada brasileira. Homem passa em frente a cartaz que defende a liberdade de Cesare Battisti. Eles traziam slogans como “a perseguição acabou” e agradeciam a “coragem” do Brasil. O cartaz está colado em cima de um outro de apologia ao neofascismo.




por Leandro Cruz (publicado originalmente em Jornal do Povo, 08/01/201
Países que tomam a Justiça e a Democracia entre seus valores não podem compactuar com a perseguição político-ideológica, devem dar asilo a dissidentes ameaçados em países onde não têm direito a defesa e a um julgamento justo, como os tibetanas perseguidos por Pequim, os dissidentes cubanos perseguidos pelos Castro e iranianos perseguidos pelos Aiatolás. Exemplos clássico de asilo político são dos intectuais e artistas judeus que fugiram do Nazismo para os EUA (Einstein, Freud, Fritz Lang...) que tanto enriqueceram em conhecimento e cultura o país que os acolheu.


Outro importante valor democrático é o livre acesso à informação, de todos os seus ângulos. Mas no Brasil a grande mídia que deveria defender a Democracia vem sendo ou covarde ou preguiçosa no que diz respeito ao caso do escritor italiano Cesare Battisti. Mesmo com documentos da Justiça e da História italiana tão à disposição para ser analisado e apresentado ao público, há editores que preferem comprar o discurso que vem pronto de Roma e repetem “crucifica-o!”. Reproduzem: “Terrorista”!


O hoje maduro e pai de família Battisti, era mais um jovem idealista nos anos 70, os anos de chumbo da Itália, um país que ainda não havia se encontrado no pós-guerra, em que milicias fascistas e mafiosos dominavam bairros inteiros, ocupavam cargos importantes na política e matavam seus opositores. A oposição ia para as ruas e os protestos eram repelidos com violência. Promotores e juízes que ameaçassem os interesses desses chefões eram vítimas de atentados da extrema Direita.


Diante disso, parte da esquerda se desiludia da luta pacífica e institucional. Battisti, como tantos outros daquela época, acreditava que o projeto político comunista (nos moldes russos) era uma alternativa viável àquela realidade púmblica. O trem da história ainda não havia passado para provar o que não e a “cortina de ferro” não deixava ver que do lado de lá também havia suas mazelas e autoritarismos.


Passou por diversas entidades trabalhistas, até ser convidado por Arrigo Cavallina (ideólogo e fundador) a ingressar na organização conhecida como Proletários Armados pelo Comunismo, que propunha ações de sabotagem e expropriação. Era um grupo pequeno e de ações bem menores se comparado às Brigadas Vermelhas. A principio a idéia era sabotar a Alfa Romeo e libertar presos políticos de carceragens. Mas em 1978, um carcereiro acusado de torturar presos é morto pelo grupo. Nessa primeira mancha de sangue, o PAC começa e perder seu foco. Cesare sugere a dissolução do grupo, mas é chamado de traidor e forçado a permanecer.


Em 16 de fevereiro de 1979, o dono de uma joalheria de Veneza e o de um grande açougue de Milão são mortos pelo PAC (impossível que um único militante tenha executado ambos disparos por obvias razões de distância geográfica). Os mortos, Lino Sabbadin e Pierluigi Torregiani pertenciam a grupos da extrema direita italiana e já tinham já matado militantes de esquerda, o que não justifica seu assassinado, mas precisa ser registrado aqui já que outros veículos omitem. Outra coisa omitida é que o próprio filho de  Dom Torregiani declarou que Battisti não estava presente na ocasião da troca de tiros que matou o pai.

Dois meses depois, um policial acusado de ser torturador e miliciano também é morto pelo grupo que não tardaria ser desarticulado.


Quando tem a chance, Battisti atravessa as Alpes a pé. Vai viver como refugiado na França, depois no México, depois na França de novo. Casou. Foi pai. Escreveu livros.


Enquanto isso Battisti teve procurações falsificadas (o que está comprovado por laudo anexo aos autos do STF) para que fosse julgado sem direito a se defender. Pietro Mutti e Cavalina, líderes do grupo que haviam dado outras versões, para receber o benefício de delação premiada, decidem emputar a Battisti, o peixe pequeno que estava em segurança em outro país, toda a culpa de todos os atos do grupo. Battisti deveria pagar, se um dia fosse pego, pelos pecados de todos os seus companheiros.


Contra ele se empenha Silvio Berlusconi, dono da Fininvest italiana e do maior grupo de TV e jornal do país do qual é primeiro-ministro (cargo para o qual as eleições não são diretas). Berlusconi é acusado de corrupção e envolvimento com a Máfia e até pedofilia, mas o Senado, que ele controla, o blindou com uma lei que impede que ele tenha de prestar à Justiça esclarecimento dos crimes dos quais é acusado. O capo é intocável.

É gritante a injustiça: um não pode se defender, outro está acima da Lei e não precisa se defender, como um “César” do velho Império.
Após ganhar voto de confiança no Parlamento, político
 beija a mão de Silvio Berlusconi, imune à lei e no poder
apesar da intença pressão popular
Enquanto viveu na França, onde intelectuais como Fred Vargas, Bernard-Henry Lévy, Daniel Pennac defendiam o escritor refugiado, a Itália respeitava a soberania daquele País. Quando Cesare veio para o Brasil e acabou detido, Roma achou que o Brasil agiria com a subserviência muda que eles sempre esperam do “Terceiro Mundo”, e se frustou quando no fim de 2010 o Presidente concedeu asilo ao escritor. Berlusconi não se conforma que o Brasil não tenha dado Battisti a ele como fez com Olga Benário a Hitler.

Mesmo assim, Battisti continua preso no Basil, por uma decisão antirepublicana do ministro Cezar Peluso. Sabemos que, se entregue, será dado a Cesare o que não é de Cesare. Não estou defendendo o projeto político nem os meios de atuação do extinto PAC, mas defendendo o direito à Justiça imparcial e à palavra para todo homem e também o direito da população brasileira de ser apresentada a uma verdade mais ampla. A grande mídia está negando a esse homem o mesmo que lhe foi negado no seu controverso julgamento. Lá a sentença (perpétua com privação da luz solar) já foi proferida de maneira arbitrária e é essa impossibilidade de defesa que torna Battisti um perseguido precisa de asilo.

Na mídia circulam mais fotos dos gatos pingados pedindo a extradição de Battisti em frente à nossa embaixada do que dos milhares que protestam contra o governo Berluconi no centro das principais cidades da Itália. Enquanto o Judiciário brasileiro parece mais sedento de vingança por 4 italianos mortos nos anos 70 do que por Justiça para os 19 mortos em Eldorado dos Carajás, os 8 da Candelária e os 21 de Vigário Geral.

Links interessantes para ir além na análise desse outro lado da história:

Ilustração da maneira como a maior formadora de opinião está sendo tendenciosa nos assuntos que dizem respeito ao governo italiano e ao escritor Cesare Battisti
Assista esse vídeo acima. É de dezembro de 2010, uma manifestação contra o governo Berlusconi, os crimes dos quais ele é acusado e à blindagem judicial que faz com que ele não seja obrigado a prestar contas à justiça sobre nada. Veja a real dimensão da manifestação publica que foi tratado pela grande imprensa brasileira como se fosse um tumulto de arruaceiros.
Compare com o tamanho das manifestações na mesma Roma, contra o asilo político dado pelo Brasil a Battisti ( no video abaixo). Agora responda: quem é o verdadeiro inimigo público?
O vídeo acima é a íntegra da matéria do jornal nacional sobre a reação italiana ao asilo político dado a Battisti.

1 - Notem como o enquadramento dos takes da manifestação são fechados para fazer que a concentração é maior, mas mesmo assim fica claro que causou uma indignação popular muito menos do que a corrupção do governo mostrado no outro vídeo.

2 - preste atenção no texto: "(...)nos anos 70, quando a democracia no país sofria ataques de grupos de extrema esquerda". A matéria omite que nos anos de chumbo grupos ligados à extrema direita (fascista), à mafiosa, cometiam atentados a bomba, assassinavam juízes, jornalistas e intelectuais. Havia tortura nos interrogatórios, o que questionável se o termos como "Democracia" ou "Estado Democrático de Direito" possa ser aplicado. Resumindo: a Globo mente, omitindo a maior parte da história

3 - Veja quanto tempo o ministro teve para falar na matéria. Quanto tempo Battisti falou? E a mulher e a filha dele, quanto tempo tiveram de voz na reportagem? E o comitê pela libertação de Battisti?  E OS HISTORIADORES????? Os advogados do escritor só foram citados indiretamente e de passagem no fim da matéria.

4 - Prestem atenção no texto por volta dos 2min5seg "Primeiro Ministro da Itália se encontrou com Alberto Torregiani que ficou paraplégico e perdeu o pai em um dos crimes atribuídos ao grupo integrado por Cesare Battisti". Mais uma vez note como o telespectador é induzido a uma interpretação errada. O ataque que mandou Alberto para a cadeira de rodas foi cometido por integrantes do PAC, mas o próprio Alberto já testemunho que Cesare não estava presente e que o tiro que o deixou paraplégico partiu da arma do pai dele, Pierluigi Torregiani, militante da direita que trocou tiros com os membros do PAC em sua loja.

5 comentários:

  1. Prezado Leandro,
    Seu artigo é formidável. Parabéns. Estou seguro que o STF, ao final, não dará ao Cesare o que não é dele.
    Saudações desde o Peru,
    Renzo Cavani Brain

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  2. pra um governo que já deu status de refugiado a um guerrilheiro como o Medina, não me surpreende não extraditar o terrorista do Battisti, aliás não ficaria surpreso nem se ele recebesse uma pensão como os nosso terroristas aqui recebem, ou até mesmo um ministério. É isso bandidos do mundo , aqui no Brasil tem muito mas pelo visto sempre cabe mais um, podem vim que o Brasil tá trazendo bandido de fora agora, e serão bem acolhidos, olha aqui um blog de alguém que vai adorar ter vocês por aqui... Tudo pelos "camaradas", engraçados que os boxeadores cubanos foram devolvidos rapidinho pra cuba ne...
    olhe eu até não me importaria de ficar com o Battisti, mas em troca levem o LULA, a DILMA e todos os PTralhas...

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  3. Por 86 a 1, Parlamento Europeu pede extradição de Battisti

    http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/por-86-a-1-parlamento-europeu-pede-extradicao-de-battisti/

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  4. Acho que alguns nao entenderam seu excelente texto...

    Se vc diminuir a foto do alto talvez desempastele o texto. Lá no Teia consegui desempastelar (era excesso de palavras-chave) abs

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