terça-feira, 12 de outubro de 2010

Em nome da Mãe (ou "A epopéia do Sagrado Feminino")


No Brasil, um país historicamente agrícola,
 a virgem Aparecida se tornou padroeira
Os zen budistas celebram a Mãe Sabedoria, a Iluminação. Enquanto isso, flores e perfumes são ofertados à rainha do mar, Iemanjá, pelos filhos do candomblé e da umbanda. Os católicos cantam hinos em honra à virgem concebida imaculada. Lakshmi, bela e fértil, recebe o carinho e as danças dos hindus. Com nomes diferentes, o lado feminino do sagrado permanece vivo mesmo tendo sofrido milênios de adversidades.
Dana, uma deusa ceuta da fertilidade, desempenhava papeis femininos do Sagrado na Europa pagã

Na antiguidade (e ainda hoje em muitas culturas como na Índia) as pessoas seguiam religiões politeístas. Contudo, tendiam à monolatria, isto é, embora acreditassem na existência de vários deuses, cada cidade ou agrupamento tinha o seu deus protetor, a quem prestavam culto de modo único e especial. O historiador Lewis Mumford revolucionou nos anos 60 a maneira de entender a organização da sociedade antiga com seu trabalho “A cidade na história. Suas origens, transformações e perspectivas”. Mumford demonstra que, salvo raras exceções, sociedades guerreiras ou nômades tendem a eleger como protetor uma divindade masculina de seu panteão, geralmente ligada à virilidade, à guerra, à coragem, enquanto sociedades agrícolas tendem a eleger uma divindade feminina, com características ligadas à proteção e à fecundidade.
Isis, de origem egípcia, se tornou uma das deusas
 mais populares do mundo antigo, tendo seu
culto difundido para outras regiões do mundo 

Assim, Marte, Seth e Ogum (das religiões grega, egípcia e africanas, respectivamente) inspiravam e tinham mais bênçãos a oferecer aos grupos beligerantes, que entendiam de espada, mas não tanto de arado, como Esparta, por exemplo.
No entanto, para aqueles grupos e cidades em que a sabedoria era mais valiosa, onde era a terra (e não a guerra) que produzia frutos, em que o conhecimento sobre agricultura já era avançado, quem podia atender as preces e a quem as bonanças eram atribuídas eram deusas como Hera, Hator e Nana.

A CIDADE-MÃE

Mumford analisa as sociedades politeístas, mas se esqueceu (ou não se aventurou) de estudar onde foram parar os atributos femininos do sagrado na religião judaica, monoteísta. Judeus optaram por acreditar que havia um único Deus, e embora este não tivesse corpo, feições ou mesmo forma humana de qualquer sexo pôde ser considerado uma divindade masculina, uma vez que é chamada de “Pai”.

Iemanjá, rainha do mar na cultura
 Iorubá, foi associada pelos negros a
 N. S. dos Navegantes, afim de enganar
 os que reprimiam a religião dos escravo
Vênus, a deusa helênica
 da fertilidade representada
em pintura de Bouguereau
Só com a elevação de Davi à condição de rei de Israel e instalação da Arca da Aliança, juntamente com o trono real, em Jerusalém, verificou-se a volta à fidelidade dos judeus ao judaísmo, uma vez que a cidade passou a ser não capital política do reino, mas também capital religiosa, uma verdadeira cônjuge de Deus. Os israelitas passaram a canalizar para a cidade de Jerusalém o lado feminino do divino. E se Deus era Pai, Jerusalém e o monte Sião onde ela está será Mãe. Para provar isso basta analisar os salmos. Muitos deles não são de louvores a Deus, mas a Jerusalém. Adicione a isso o fato de que muito tempo depois ainda, no século 1, além dos sacrifícios a Deus, os judeus, mesmo aqueles residentes em colônias distantes, pagavam voluntariamente a oferta do didracma (duas dracmas) anualmente a Jerusalém para sua manutenção e embelezamento do templo e da cidade-mãe. De certa forma, da cidade deusa.

O DIVINO NO HUMANO

O monoteísmo (se é que alguma religião pode ser chamada de monoteísma, uma vez que mesmo o judaísmo e o islamismo, apesar de terem um Deus supremo, acreditam em outras entidades como anjos e demônios) nunca foi muito popular na antiguidade fora do círculo judaico. A primeira razão para isso é que sempre a crença monoteísta, tanto a judaica quanto a de Amenófis IV (Amenófis IV adotou o nome de Akenaton e tentou sem sucesso promover uma reforma monoteísta no Antigo Egito), criava um deus amorfo (sem forma), abstrato demais para as pessoas simples. Já Jesus, sendo uma pessoa, e sobretudo sendo uma pessoa comum, tornou o monoteísmo acessível, uma vez que ele próprio acabou identificado com o Deus que pregava. Deus agora tinha forma de gente, mais fácil de entender. Talvez tenha sido por isso que o evangelista João afirmou: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós”.

Todos os anos, no Pará, milhões de fiéis
 se reúnem para participar da procissão
 do Círio de Nossa Senhora de Nazaré.
É uma das maiores celebrações religiosas
ainda existentes em que o objeto de
 culto é uma figura feminina
Sendo Jesus um homem (e não uma mulher), o cristianismo correu o risco de sepultar o sagrado feminino para sempre, uma vez que Jerusalém foi destruída no ano 70 d.C. e não poderia preencher o espaço que outrora ocupou no judaísmo. Mas segundo a doutrina cristã, o sagrado, tanto o masculino quanto o feminino, podia agora se manifestar nas pessoas de fé. Aqueles chamados “santos” seriam pessoas que, tendo atingido certo grau de proximidade com Deus, podiam apresentar virtudes e proezas divinas pelo poder Dele.

Maria, mãe de Jesus, sendo a mais popular desses personagens, acabou se tornando para os cristãos uma “válvula de escape” onde encontrar as características femininas do sagrado. Acabou sendo chamada pelos seus fiéis de Mãe e adquirindo funções que outrora estavam confiadas às deusas da proteção, da saúde, da fertilidade, do amor, do lar.

Lakshmi, divindade hindu da beleza e da fartura
Outras mulheres também puderam romper as barreiras que os homens tentaram erigir entre elas e o sagrado. Um exemplo clássico é o da profetisa Ellen White, que no século 19 fundou a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Seus escritos e doutrinas lembram conselhos de uma mãe sábia, porém radical, que além de diretrizes religiosas fornecia conselhos sobre o cuidado com a saúde do corpo, a educação e a alimentação vegetariana.

Hoje, cada vez mais os homens tentam negar o sagrado feminino. Seitas recém-fundadas negam a possibilidade de as pessoas, principalmente mulheres, manifestarem dons divinos. Chegam a cometer insultos públicos àquela a quem muitos chamam de Mãe. Contudo, as mesmas seitas afirmam (e fazem disso sua publicidade) que perversos demônios podem se manifestar nas pessoas. Gozado... Demônios sim, divindades não?

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

    ResponderExcluir
  2. Mãe de Deus.

    O título de “Mãe de Deus” foi-lhe dado, pela primeira vez , por teólogos de Alexandria, no séc. IV. No século III, Nestório refuta essa doutrina como atentatória à dignidade de Deus, mas a reação da cristandade foi unânime e enérgica, até violenta. A fim de que não se expusesse mais tarde essa parte vulnerável da fé popular.
    O concílio convocado para debater a questão foi o de ´Éfeso (431). Por essa ocasião surgiu a oração que completa a Ave-Maria: “Santa Maria, mãe de Deus, etc.”.

    Igualmente data daí o costume de se ostentar a imagem da Virgem com o Menino, como símbolo de ortodoxia. Desse atributo, nasce o seu poder de intercessão junto a Deus em favor dos homens. Por isso, é cognominada de “onipotência suplicante”.

    As primeiras representações cristãs da Virgem com seu filho estão calcadas em imagens mais antigas da deusa egípcia Ísis, a Irmã-Noiva de Osíris, trazendo ao colo seu filho sagrado Hórus, Deus da Luz.
    Os poemas rituais de culto de Ísis e Osíris guardam semelhanças com o Cântico dos Cânticos, às vezes palavra por palavra. Nos rituais pagãos que cercam os mitos antigos, a deusa (a Irema-Noiva) vai ao túmulo no jardim para lamentar a morte de seu Noivo e se rejubila ao vê-lo ressuscitado.

    O Papa Pio XII oficializou em 1950 o dogma de que “a imaculada mãe de Deus, a sempre santa Virgem Maria, no término do curso de sua vida terrena, ascendeu à glória celeste, em corpo e alma”. De lá para os nossos tempos, não faltaram milagres onde as estátuas da Virgem , começaram a derramar lágrimas muitas vezes de sangue.

    E as escrituras e a Igreja Católica afirma e confirma em dogma sua virgindade antes, durante e depois do nascimento. “Era preciso que uma virgem, constituindo-se advogada (de todos que pecaram) de uma virgem (Eva), destruísse a desobediência de uma virgem pela obediência de uma virgem”. Entenderam?
    Esses milagres e crenças são um insulto a inteligência do ser humano. É para acreditar no Pai que decide, no Filho que salva e no Espírito Santo que inspira.
    Ou como perguntava o fundador da ética o filósofo Sócrates:
    “Que é isso?” “Que entendeis?”

    ResponderExcluir