domingo, 24 de outubro de 2010

500 anos embaixo da terra

A história  da exploração das minas e dos mineradores da América Latina
(Jornal do Povo - 23/10/2010)

por Leandro Cruz, historiador
Mario Gómes Heredia, 63 anos, passou a maior parte deles debaixo da terra
Ele aparece fotografado aqui por uma sonda, a 700 metros abaixo da superfície do
deserto, na ocasião em que ele passou mais tempo seguido sob o s
olo

Na semana passada o mundo inteiro ficou olhando para um buraco no chão, um buraco no meio do deserto. O resgate dos 33 mineiros chilenos foi um 11 de setembro às avessas. Se transformou num espetáculo televisivo internacional, mas em vez de perdas de vida em choques de aviões, desabamentos e saltos para a morte, víamos homens (que poderiam estar mortos e enterrados havia 70 dias) sendo trazidos de volta ao mundo dos viventes.

É claro que pessoas vão lucrar muito com essa história, como o presidente (que viu sua aprovação subir 15 pontos para 73%), editoras, estúdios e (esses merecidamente) os próprios resgatados.
Menina peruana trabalha na extração de ouro no Peru.
A Organização Internacional do trabalho estima que
1,5 milhão de crianças latinoamericanas trabalham em minas

A operação foi um sucesso incontestável. Os 33 estão vivos. Êxito da vontade de viver e do trabalho em equipe deles, da tecnologia e de um governo que enfrentava greves da população de origem indígena e via sua popularidade cair vertiginosamente. Caso morressem, entretanto, se juntariam a uma enorme multidão de homens que morreram ao longo da História na América Latina de forma anônima, buscando metais valiosos que jamais lhes pertenceriam.

Com gelo no Sul, deserto ao Norte, cordilheira a Leste e mar a Oeste, o território do Chile é geograficamente isolado do resto do mundo, o que, num mundo cheio de nações imperialistas, significa proteção. Até mesmo os Incas, um século antes da chegada dos europeus ao continente, haviam desistido de enfrentar as tribos autóctones daquela região e anexá-las aos seus domínios. Simplesmente, para eles, não valia a pena. Mas os espanhóis teriam uma maior sede por riquezas, uma maior determinação, cavalos e armas de fogo.

Acontece é que Francisco Pizarro, logo nas primeiras décadas do século XVI, já havia conquistado o Peru e saqueado os templos e palácios incas (pra não falar nas mulheres violadas e nos assassinatos). Desde então, não faltaram aventureiros em busca de metais valiosos, acreditando que pudessem também descobrir e subjugar outros impérios ricos, como os encontrados no Peru e no México.

Os indígenas entenderam o que os espanhóis queriam e, para que os espanhóis "dessem um pouco de sossego" aos seus povos, criaram a lenda do Eldorado. Diziam existir uma grande cidade em que até os palácios era feitos de ouro, em que o rei tinha o corpo besuntado de óleo e depois coberto de ouro em pó. As lendas exageradas iam se misturando com relatos cerimoniais sobre oferendas em ouro lançados em lagos profundos. A cada lugar que os espanhóis chegavam, os nativos indicavam um caminho diferente: mais ao sul, mais ao norte, no atual estado de Roraima, nas Guianas e no Chile (além do deserto e da montanha).

Mas durante essa busca pela cidade de ouro não deixaram de cometer seus saques e violências contra os nativos que encontravam. Enquanto não achavam o Eldorado, nativos eram forçados a trabalhar nas minas.

Até então, a única coisa que os brancos conheciam sobre o território protegido pela Patagônia, pelo Atacama e pelos Andes eram relatos sobre seu litoral, "descoberto" por Fernão de Magalhães (ainda falaremos mais desse cara outro dia). O primeiro a buscar o Eldorado no Chile foi Diego de Almagro, companheiro de Pizarro na aniquilação e saque dos Incas. Ele cruzou os Andes, andou centenas de quilômetros e só achou gelo, deserto e morte. Desistiu depois de perder muito dinheiro e homens na aventura.

Outros vieram depois e, depois de descobrir os caminhos para vencer a cordilheira e ou o deserto, não foi difícil vencer os nativos. E uma vez que não existia nenhum palácio de metais valiosos por ali, os indígenas tiveram que ir para as minas, para o fundo da terra, tirar ouro e cobre para os brancos.

A história se repetia de maneira parecida por toda a América. Muita coisa mudou ao longo dos últimos quatro séculos na América Latina, mas algumas coisas permaneceram iguais. A maior parte do ouro do subsolo sul-americano (a que já foi encontrada) embeleza hoje as catedrais europeias. O cobre garante a geração, transmissão e uso da energia elétrica de boa parte dos países industrializados do mundo. Mas os milhares de mineiros continuam anônimos.

Na porção portuguesa da América Latina colonial, a mão de obra
explorada na mineração era a de escravos africanos
No Chile, os mineiros, não só os 33, passam anos debaixo da terra (mas de tempo em tempo dão uma paradinha e voltam para a superfície). Morrem de doenças respiratórias e não enriquecem. Os operários da mina San José, por exemplo, estavam com seus salários atrasados. Os mineiros que ficaram de fora, inclusive fizeram piquetes para cobrar a mineradora com cartazes com dizeres como “não se esqueçam dos outros 250” e “também estamos com fome”.

Tanto quanto a saída da mina, os 33 podem comemorar sua saída do anonimato. Hoje o mundo sabe, por exemplo, que Mario Gómez Heredia, 63 anos, o mais velho do grupo, trabalhava debaixo da terra desde os 12, sofre de silicose e agora também de pneumonia. Sabemos que ele, apesar da idade e da doença e de já ter perdido três dedos da mão em acidentes de trabalho anteriores, continuava trabalhando.

O episódio deveria servir para levar à reflexão sobre quantos e quantos morreram anônimos e escravizados, até hoje, buscando riquezas para garantir a satisfação da insaciável ganância e luxúria dos homens.

Um comentário:

  1. Na Idade Média

    O maior escândalo do Vaticano, além do comportamento permissivo, era a venda das indulgências, isto é, do perdão dos pecados cometidos pelos fiéis em troca de pagamentos (Dízimos, Bízimos e Trízimos) a religiosos, incluindo o papa.
    Aqueles que contribuíssem para a construção da Catedral de São Pedro, em Roma, recebiam de Deus o perdão total dos pecados: Indulgências, passaporte carimbado com passagem grátis para o paraíso e o Reino dos Céus.
    Também saiu das minas dos Andes – Potosi - (atual Bolívia), a prata que os banqueiros alemães Fuggers, entregaram ao Vaticano para a construção da cúpula da Basílica de São Pedro.
    Comenta-se que, no Vaticano existe até uma "porta de ouro maciço" ...não duvide!

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