Publicado em Jornal do Povo, dia 22/05/2010
Leandro Cruz
Há seis milhões de anos, nossos ancestrais curtiam comer umas raízes, umas frutinhas, umas folhas. Esses hominídeos conseguiam tirar todos os nutrientes de que precisavam da natureza sem precisar matar. O problema é que havia uns bichos bem maiores do que nós naquela época, e na dieta deles, nós éramos o prato principal. Depois de um tempo, quando já éramos um grupinho maior, não dava para ficar andando pra lá e pra cá toda hora atrás de frutas. Afinal, o mundo era bastante perigoso.
Adaptação. Este é o segredo da sobrevivência no mundo. O mundo muda e a espécie que não se adapta é extinta invariavelmente. Não existe progresso ou grau de competência. O fato é que se a espécie existe é porque ela está adaptada. Quando ela perde essa capacidade, babau! Essa mudança de ambiente pode acontecer quando, por exemplo, um meteoro gigante cai na terra e levanta poeira ou quando uma espécie resolve usar suas penas para enfeitar chapéus ou ainda quando o seu alimento fica escasso.
O ser humano tem uma capacidade de adaptação tremenda. Não depende exclusivamente do acaso das mutações e da seleção natural de genes. Se precisamos de asas, nós mesmos as construímos. Se precisa de velocidade, não espera que seus descendentes desenvolvam pernas mais velozes; em vez disso, criamos veículos. Naquele tempo remoto, usamos nosso cérebro para aprender a caçar. Na carne dos animais, já encontrávamos uma série de nutrientes e proteínas concentradas. Nosso organismo, entretanto, não está preparado naturalmente para a digestão desse tipo de alimento (basta olhar nosso estômago, nossa arcada dentária, nosso intestino).
Mas a gente era um macaco pelado bem inteligente. Logo, logo a gente domesticou o fogo. Assando, queimando bem, ficava mais fácil de digerir. Mas, amiguinhos, de repente a gente entrou numa fria. Ou melhor: numa era glacial. A vegetação ficou coberta de neve e as baixas temperaturas teriam acabado com a humanidade se ela, mais uma vez, não usasse a inteligência para conseguir alimentos e peles para barracas e roupas. Acredito que a ponta de lança de pedra polida foi a maior invenção da humanidade. Se ela não houvesse sido criada, teríamos fatalmente deixado de existir.
Mas o sol voltou a brilhar. A era do gelo chegou ao fim. A terra voltou a dar seus frutos em abundância. Sim! Comida de verdade! Não precisávamos mais da degeneração de comer carne de outras espécies. Não precisaríamos nos culpar por termos comido cadáveres nos tempos da neve, afinal, era questão de sobrevivência. Mas agora não! Boa parte de nossos predadores havia deixado de existir e nós descobrimos como cultivar nossas próprias verduras e frutas.
Era sem dúvida um mundo mais saudável, mais bonito, mais gostoso, mais fácil de se viver. Estávamos em casa. Sério. Há duas experiências a se fazer para testar a teoria de que a gente era mais feliz nos campos férteis:
Primeira delas: tranque uma criança numa sala com uma maçã e um coelhinho. Observe se a criança vai comer a maçã e brincar com o coelho ou se ela vai caçar, matar e comer o coelho e depois brincar com a maçã.
Segunda: vá a um matadouro de bois. Sinta o cheiro, escute o barulho, olhe as cores. Depois vá a um pomar ou a uma horta e faça o mesmo processo sensorial: sentir o perfume, ouvir o som ambiente, contemplar a beleza. Em qual dos dois ambientes seu coração e seu corpo se sentiram melhor?
Naquele mundo pós-Era Glacial e pós-Revolução Agrícola, cara, dava pra gente ter construído uma História da Humanidade bem feliz e bonita. Tinha água, tinha terra fértil, tinha ar fresco. Não tinha tigre-dente-de-sabre querendo comer a gente como no passado, nem superbactérias querendo comer a gente como hoje. E além de tudo, a gente era o bicho mais esperto do planeta, capaz de criar coisas novas, fazer arte. Como a gente, cultivando a terra, estava na mais perfeita adaptação ao meio, não precisávamos mais nos preocupar com traçar estratégias para pegar mamutes. Nossa inteligência estava livre, com tempo para se divertir ou tentar responder certas perguntas como “quem sou?”, “de onde vim?”, “para onde vou?”. Enfim, o tipo de pergunta que você só pode se dar ao luxo de fazer depois de respondida a questão: “O que vou comer amanhã?” (continua).
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