segunda-feira, 8 de março de 2010
O maior terremoto da história
Publicado no Jornal do Povo (Rio Grande do Sul), em 06/03/10
Leandro Cruz
As aves haviam sumido. As formigas infestavam a superfície como uma praga. Parecia que elas sabiam com antecedência que o pior estava por vir e resolveram sair todas de uma vez de debaixo da terra. Os relatos de sobreviventes de Concepción sobre os dias que antecederam o terremoto do Chile deixam claro o quão incapaz e insignificante é a humanidade diante da história da Terra. As placas tectônicas e as formigas estão aí há milhões de anos, bem antes de nós e dos dinossauros. A Terra e essas formas superiores de vida também continuarão soberanas, inabaláveis por muito tempo ainda depois que nós, imagem e semelhança dos macacos, tivermos sido extintos.
Mais que no Chile e no Haiti, há 250 anos, em Lisboa, a humanidade já deveria ter aprendido a lição sobre a sua fraqueza e ter se tornado mais humilde. No final de 1755 as aves também desapareceram e as formigas também abandonaram suas cidades subterrâneas.
Muitos portugueses estavam ainda nas igrejas orando a todos os santos (era dia deles) naquele 1º de novembro quando aconteceu o maior terremoto registrado na história da humanidade. A Terra foi sacudida violentamente por intermináveis seis minutos e continuou a tremer por cerca de duas horas ainda. O chão se abria em fissuras (ainda visíveis) de muitos metros. Padre Manuel Portal, soterrado nos escombros do Convento da Congregação do Oratório, sobrevivia ao lado de cadáveres e pedras para poder escrever mais tarde o dramático livro “História da ruina da cidade de Lisboa cauzada pello espantozo terramoto e incendio, que reduzio a pó e cinza a melhor e mayor parte desta infeliz cidade”.
Imagine um mundo onde as construções ainda usavam madeira em vez de concreto em suas estruturas. Imagine todo o conhecimento armazenado em livros de papel (altamente inflamável) em vez de discos rígidos de computador. Imagine a iluminação das casas, quartéis, bibliotecas e igrejas feitas por velas e lamparinas. Pense que um tremor que derruba torres derruba essas velas e lamparinas com facilidade ainda maior. Imagine as vigas de madeira que resistiram ao tremor sendo consumidas pelas chamas. A capital de um grande império em chamas. Gritos de dor e desespero que seriam abafados minutos depois por três tsunamis de 20 metros.
Exuberantes 55 palácios desmoronaram, bem como conventos e igrejas antiquíssimas. Em vez de socorrer os feridos e apagar o fogo o povo ficou inerte, rezando. Um estudante inglês de apelido Chase, que estava na capital portuguesa naquela ocasião, escreveu numa carta à família: “Porque o povo possuído da ideia de que era o dia do juízo, e querendo-se antes empregar em obras pias, tinha-se sobrecarregado de crucifixos e santos, e tanto os homens como as mulheres, durante os intervalos dos tremores, entoavam ladainhas ou atormentavam cruelmente os moribundos com cerimônias religiosas e cada vez que a terra tremia todos de joelhos bradavam misericórdia, com a voz mais angustiosa que imaginar se possa”.
As estimativas dão conta de um saldo de entre 10 mil e 20 mil mortos no dia em que o Tejo recuou e voltou com força bruta. E o fim da velha Lisboa, até então uma das mais belas cidades da Europa, com inigualável arquitetura renascentista ornada por influências mouras. O terremoto de 1755 teve grandes consequências políticas e econômicas em Portugal, que viu aí o inícil de seu declínio. Por outro lado, foi a partir de então que a humanidade começou a se preocupar com essa força da natureza, criando a ciência da sismologia.
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