Antes de amar a bandeira, eu amo o irmão Tamanduá Bandeira,Myrmecophaga tridactyla, compatriota com seu habitat ameaçado |
Se tenho amor à bandeira? (Parte 1)
Se amo a bandeira?
Se eu sou patriota?
Que quer dizer isso?
Se eu amo e me sinto filho dessa terra? Como não?! Amo demais... Um amor além de linhas artificiais. Amo tanto tanto, que nem chamo de Brasil. Ficou meio pejorativo... Filho não chama pai e mãe de nome civil formal, ainda mais se for exodenominação. Qualquer bandeira que fira a face da mátria é uma bandeira estrangeira. Mas, ainda que chamem de Brasil, tudo bem... não importa, ainda amo. Você é Brasil? OK, então eu também sou Brasil. Então amo o Brasil. Acontece que esse querer bem já se expandiu e transcendeu... de modo que eu não chamo mais as pessoas que compartilham esse pedaço de Terra comigo de compatriota... Antes, eu chamo de irmão.
Irmão outro, e irmã outra. Irmão Beija-flor. Irmã Copaíba. Irmã Aroeira. Irmã Canela-de-ema. Irmã ela. Irmão leitor do JP. Irmão militar. Irmão com mais e com menos de 30... dentes e anos. Irmão indígena. Irmão em situação de rua. Irmão rio. Irmão Jacuí. Irmão Sapucaí. Irmão Tietê. Irmão Grande. Irmão Xingu. Irmão Amazonas.
Irmã água. A água é uma só. Não nascemos só na mesma Terra, também compartilhamos a água. De modo que não importa em que rio brincamos quando éramos crianças. De modo que não importa que de que rio veio a água que nos nutria enquanto crescíamos. Não importa qual água, por que a água é uma só. Desde os tempos antigos. A maior parte de nós é água. Eu já brinquei em você. Você já me lavou. Já brindamos o sangue dos dinossauros. Ou quem sabe tomamos o sangue de Cristo com café. O suor de algum Adão africano das cavernas com o pão com geleia. E se a água é uma só, qual é minha pátria? Água não é mais que sangue? O que evapora no Jordão pode chover no Ganges ou São Francisco. E vice-versa. E versa-vice, “visse”?
Também quando eu respiro. A cada tragada de ar eu não pergunto: “qual foi a árvore que lançou essa ou essa outra molécula de oxigênio que me enche de vida?”. Eu simplesmente agradeço e amo sem ver. E chamo de compatriota. E mais que isso chamo de irmã. Irmã brisa, irmã alga ou árvore desconhecida.
Então será que eu sou patriota.
Se somos compatriotas? Como não, se além de filhos de uma mesma terra sem limites somos filhos de uma mesma historia, digamos assim.. brasileira.
Ser patriota é amar a coisa ou os símbolos da coisa? O que é mais importante: a pessoa ou o nome da pessoa? Conteúdo ou rótulo? Significante ou significado?
O que é ser patriota. Amar a bandeira? Ou amar o Brasil? Que é amar o Brasil? É amar a bandeira? Ou é amar o que ela significa. O que ela significa mesmo? O verde é uma herança da cor da casa imperial de Bragança? Ou devo acreditar que o verde significa nossas matas virgens imaculadas, nossa riqueza natural? Nosso verde mais valioso que as verdinhas... sem preço, mas de valor imensurável?
Se o verde significa a vida da nossa Terra, sim, eu amo esse verde, em seu significado mais elevado, mais transcendental. O que torna tudo um épico, mais que uma mera discussão sobre a constitucionalidade do novo Código Florestal ou viabilidade de Belo Monte.
Sei que não sou o único “compatriota”, também “comMatriota”, que se sente assim... meio Arjuna Tupiniquim... Guarani, Tupinambá. Mesmo na satyagraha, como não se entristecer ao ver irmãos do outro lado do campo de batalha? Por puro engano. Essas coisas acontecem... é universal. Lucas 12:51-53, Mateus 10-34, Tomé 16 soam junto com os primeiros acordes da Gita, que ecoam sempre. Agora, ao som de maracás e flautas xinguanas.
Vamos lá... nosso verde e amarelo. Parecem estar em guerra hoje o verde contra o amarelo. Ou será que o amarelo já foi todo levado? Que isso então? Que sou eu então? Mesmo sabendo que as linhas reais são os rios (e que esses só unem, sem jamais dividir), segundo o mapa de linhas imaginárias políticas eu sou um brasileiro paulista parido e registrado na região de cerrado.
Ora! Como macaco sapiens curioso, sei que só resta 1% do cerrado paulista. Certo. E se o em nome do Brasil decidem matar o chão, toda a vida da terra, deixando tudo cinza na Terra e no Céu? Como não lutar contra o Brasil se o Brasil é contra o Brasil? Se é o único jeito de lutar pelo Brasil? Se em nome da bandeira verde querem matar o que resta de verde de verdade?
Se amo a bandeira? Antes disso, eu amo o irmão tamanduá bandeira. (continua).
A anta (Tapirus terrestris), juntamente com os índios
(Homo sapiens sapiens), era (é) um dos principais
dispersores de sementes e mantenedores da vida
em todos os biomas brasileiros.
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Se tenho amor à bandeira? (2)
O que eu amo existe antes de bandeiras e bandeirantes
O Brasil não conhece o Brasil. O Brasil nunca foi ao Brasil. O Brasil não vê nem ouve o Brasil por que está assistindo televisão. Reflito sobre essas coisas enquanto o p(r)o(f)eta João Nogueira está “Chorando Pela Natureza” da caixinha de som do meu computador, já onde estou não dá mais para ouvir os passarinhos.
Ah se o Brasil soubesse... Os sobreviventes de todas as épocas futuras (se houverem épocas futuras) desejariam mudar seu pretérito imperfeito se pudesse. Se houvesse como... se pudessem já teriam(ão) feito. Se Tivessem a tecnologia (que provavelmente jamais teremos) certamente nossos “compatriotas” ou algum outro herdeiro da condição humana já teria pego uma máquina do tempo e vindo para cá, para esse exato espaço-tempo em que estamos, para fazer alguma coisa. Ou antes.
Não quero ser estraga prazeres. Mas como numa ilha de náufragos, alguem uma hora deve perguntar: “e se o resgate não vier?”. Ninguém de nenhum outro tempo ou lugar chegará para assumir as responsabilidades históricas que cabem a nós, os vivos, os ocupantes da espaçonave Terra NESSE tempo... Talvez não devêssemos levar ao pé da letra a canção que diz que “um índio descerá de uma estrela colorida e brilhante”.
Então... “Talita cumi”. “C'mon, girl”. “Acorda, menina linda!”. “Despierta mi bien despierta”. “É nóis!”. “Debout, les damnés de la terre”.
Os do futuro desejariam poder tomar parte nesse processo, nessa luta, de hoje, de quando ainda “havia”(há) 4% da Mata Alântica; Essa luta de hoje quando ainda “dava” tempo de reflorestar (em vez de desmatar) as matas ciliares dos últimos rios dos pampas, evitando que secassem; Essa luta de hoje quando as hidrelétricas ainda não inundaram a Amazônia; Essa luta de hoje quando ainda a fumaça e as luzes artificiais não impedem as estrelas e outras coisas celestiais de serem vistas do meio da floresta.
Eles certamente gostariam de voltar... Não porque hoje ainda temos Capitalismo, mas por que ainda temos água.
Voltar para antes de o Estado Brasileiro, contra a Terra e as pessoas que diz representar, autorizar os mais gananciosos e frios homens dessa terra destruírem o que resta de vida e de segurança ambiental última. De tão prepotentes, se acham os “donos” da Terra; de tão mentirosos, convenceram quase todo mundo disso. E dessa mentira e consequente apatia, resulta muito sofrimento e morte.
Mas o que poderiam fazer se voltassem, essa gente de outro tempo (do futuro ou do passado)? Levantar cartazes? Admoestar pessoas gritando na esplanada em Jerusalém? Ou num palanque na Rússia? Que poderiam fazer? Fundar escolas filosóficas? Votar? Usar “combustível verde”? Pff... O que poderiam fazer? Separar seus restos de embalagens de seus restos de coisas mais aparentemente nojentas e ficar com a consciência tranquila? O que poderiam fazer? Escrever um artigo no jornal tentando argumentar sobre por que a água é importante para a vida (o que de fato até plantas e amebas sabem)? Ou sobre como jogar veneno no aquífero é ruim? Sobre como sem árvores nascentes secam e ocorre assoreamento de margens? Que fariam? Replicaria mais uma vez nas redes sociais infográfico sobre as alterações do código florestal? Implorariam de joelhos pra cada vivente parar e refletir um pouco? O que viajantes no tempo fariam para evitar o colapso da Biosfera? Uma grevezinha por melhores salários?
Dentre as mentiras inventam para cobrir outras mentiras, a última do nosso tempo é: “O mundo passa por uma crise econômica conjuntural, mas o Brasil está 'bombando' e no fim vai ficar tudo certo com o mundo e a gente ainda vai estar por cima da carne seca... E consumindo!”.
Não. Não é uma crise econômica. Não é nem mesmo uma crise do Sistêmica. A questão é bem mais que Capitalismo X Comunismo, o FlaFlu geopolítico do século passado. Tudo isso há de ser ruína pois a crise não é CIVILIZATÓRIA (ou mais grave ainda).
O que emerge de um mundo pós-industrial, pós-globalização? Ora algo assim, dessa dimensão, jamais aconteceu antes. Pelo menos não que a História se lembre...
Sei que já vivemos sem petróleo. Já vivemos sem muita muita coisa. Mas nunca vivemos sem água.
Há desertos que nem sempre foram desertos. Não falo só dos grandes jardins abundantes em vida que haviam às margens dos irmãos Tigre, Eufrates, Fison e Geon. Mas eu, com pouco menos de 30, lembro de ver cerrado, córrego, vagalume, seriema... onde hoje só resta 1% do bioma original. Pareço alguem já muito idoso falando.
E não é só o bairro, só uma região. Pela janela de ônibus e caronas, por centenas e centenas de quilômetros, até aonde a vista alcança é pura cana-de-açúcar. Lugares por onde já passei, onde já vivi. E sei: Havia um cerrado ali. Havia um riozinho ali. Plantavam comida ali. Agora há monocultura. Para que as pessoas possam ir para seus trabalhos de carro, para ganhar dinheiro, para pagarem o carro, para irem ao trabalho... Num falso eterno presente. Numa morte em vida em que o sujeito vive todos os dias o mesmo dia... Desejando e sofrendo por coisas que não as tornarão felizes... Numa roda de hamster com uma cenoura amarrada à frente da vista tal qual um pangaré de desenho animado.
Talvez a pergunta do momento não seja então “Tens amor à bandeira?”. A bandeira é um objeto. Ou talvez seja um desenho. Tanto buda quanto Hitler adoravam uma suástica. Tanto o Vlad III histórico quanto Francisco de Assis adoravam uma cruz. A pergunta então deveria ser: Em verdade, “de que lado você samba?”
E então, Nelson Cavaquinho começa a cantar que “O sol há de brilhar mais uma vez; a luz há de chegar aos corações...”
legenda: Os Homo sapiens (foto) chegaram ao continente Sulamericano há pelo menos 40 mil anos e se desenvolveram por milênios de maneira completamente harmônica com o meio ambiente e os outros seres até o século XVI.
Se tenho amor à bandeira (3)
Amor é justamente o que está faltando nela
O patriotismo se tornou o argumento preferido dos covardes. Esse principio é evocado com cinismo quando se quer justificar o injustificável. É a maneira mais barata de evitar o debate, de desqualificar o interlocutor e manipular a opinião pública. Diz-se “é melhor para a nação” e pronto, justifica-se tudo, sem se questionar se a tal pauta é mesmo melhor pra a nação, nem o que e nem quem é a Nação. E fim de papo.
Nos EUA, sempre que os aristocratas do petróleo ou os grandes acionistas da indústria bélica querem fazer mais uma guerra sem sentido apelam para o nacionalismo. Usam propaganda, manipulação de mídia e chamam quem questione a guerra de traidor ou antipatriota. Aconteceu no Vietnã, aconteceu nas Guerras Búshicas dos anos 2000.
No Brasil, o apelo ao nacionalismo burro tem aparecido bastante no discurso de quem quer justificar todos os absurdos e abusos como a proposta de mudança do Código Florestal. Dizem que o novo Código vai ser bom para todos pois “o Brasil vai exportar mais”. Dizem ainda que quem é contra mudar o código é contra o país e estaria trabalhando pelo interesse de estrangeiros. Ora, mas até onde se sabe, “de fora” não são a pessoas que estão lutando contra o código, mas sim a Bunge, a Cargil, a Monsanto e outras empresas de transgenia e veneno aliadas dos ruralistas.
E de qualquer modo, se “o Brasil exporta mais”, quem está exportando é o monocultor, não o Brasil. Esse dinheiro não vai ser distribuído a todos. Quanto ao oxigênio que as florestas liberam na atmosfera, esse sim, beneficia a todos.
Não, não é bom para Brasil permitir que destruam as Áreas de Preservação Permanente. Se estiver mesmo faltando espaço para plantarmos alimentos, é por que tem muito latifúndio, não muita floresta. As grandes propriedades são apenas 15,6% dos imóveis mas ocupam 75,7% das terras agricultáveis. Ainda assim, são os agricultores familiares (donos das menores propriedades) que produzem a maior parte do alimento e mais empregam no campo. O brasileiro não come cana e soja com eucalipto no almoço e jantar.
Contradições não são novidade por aqui.
Imagino o que se passou pela cabeça de Dom Pedro II, e de sua filha Isabel quando, no navio Alagoas (que os levou para o exílio na Europa após a proclamação da República em 1889), viram ser hasteada na embarcação a nova bandeira. Quanta falta de imaginação e criatividade! A bandeira era exatamente igual à bandeira dos Estados Unidos, mas com as 13 listras horizontais nas cores verde e amarelo. Os deportados devem ter achado interessante que os militares e fazendeiros que depuseram a monarquia tivessem escolhido manter as cores que representavam na bandeira do Império, as famílias de Bragança e Habsburgo.
Poucos chegaram a hastear essa bandeira que o Barbosa inventou (plagiou). Em vez disso, nas províncias, conforme chegava a notícia da queda da monarquia, bandeiras locais era hasteadas, bandeiras que muitas vezes representavam antigas lutas e eram, afinal, os únicos símbolos republicanos que os brasileiros de cada região conheciam.
Acontece que os grandes artífices da proclamação da República, não eram republicanos que havia tempo lutavam por ideais republicanos. Quem proclamou a República eram antigos monarquistas (como Deodoro da Fonseca), que sempre defenderam a velha forma de governo, uma vez que ela os privilegiava. O Exército e os fazendeiros só resolveram proclamar a República depois da abolição da escravidão pela princesa Isabel, herdeira do trono.
As elites agrárias temiam o que poderia acontecer quando essa mulher assumisse de vez o trono (o que não tardaria, já que Dom Pedro II já estava idoso e doente). De fato, comprova a historiografia, Isabel desejava redistribuir terras, assentar ex-escravos (em vez de abandoná-los como indigentes). A princesa era a favor do voto universal, estendido a mulheres e pobres, que também passariam a ser elegíveis até mesmo para o Senado. A República Velha não propunha nada disso.
Poucos dias depois abandonaram a bandeira de listras e, em vez disso, fazer um grande remendo na bandeira do Império. Manteria-se assim o fundo verde e o losango amarelo, mas por cima do brasão dos príncipes costuraria-se uma bola azul.
Como todo bom maçom das antigas, os arquitetos da república tinham um fetiche por astronomia e resolveram retratar no círculo o suposto céu do Rio de Janeiro no dia da Proclamação. Mas na prática eles não sabiam nada das coisas do alto (só de armas, cavalos e agiotagem), por isso até hoje nossa bandeira carrega grotescas distorções de proporção, forma e localização das constelações retratadas.
Como a moda na elite era o positivismo mal lido (pois excluía os imperativos comteanos de “viver às claras” e “viver para os outros”) resolveram escrever na “nova” bandeira o lema dessa escola filosófica europeia (já em decadência por lá): AMOR, ORDEM E PROGRESSO.
Mas os fazendeiros e militares que planejaram essa república pelo jeito não gostavam de amor. Tiraram o amor dabandeira.
Aos 18 anos, somos obrigados a fazer o “juramento à bandeira”. Mas parece que é a bandeira e o estado que não estão cumprindo aquilo que nos prometem.
Nossa bandeira é vazia de sentido se não nos vemos como povo; se ela só nos une nos jogos de futebol; se não torcemos uns pelos outros, se não nos preocupamos uns com os outros. Assim, nada pode ser mais patriótico do que lutar contra o próprio estado se esse estado é inimigo das pessoas. Portanto antes de responder se tenho amorà bandeira, tenho que perguntar o que ela representa para quem pergunta. Aí sim posso dizer se amo ou não.