domingo, 28 de outubro de 2012

Os últimos paí-tavyterã

Ninguém devia aceitar que crimes de tamanha proporção fossem cometidos em seu nome
Crianças guarani-kaiowá brincam em rio no Mato Grosso do Sul. Nos últimos anos, dezenas de paí-tavyterã foram assassinados por capangas de fazendeiros da região.

Recebemos esta informação de que nós comunidades logo seremos atacadas, violentadas e expulsas da margem do rio pela própria Justiça Federal de Navirai-MS. Assim, fica evidente para nós que a própria ação da Justiça Federal gera e aumenta as violências contra as nossas vidas, ignorando os nossos direitos de sobreviver na margem de um rio e próximo de nosso território tradicional Pyelito Kue/Mbarakay.
Assim, entendemos claramente que esta decisão da Justiça Federal de Navirai-MS é parte da ação de genocídio/extermínio histórico de povo indígena/nativo/autóctone do MS/Brasil, isto é, a própria ação da Justiça Federal está violentando e exterminando as nossas vidas. Queremos deixar evidente ao governo e Justiça Federal que por fim já perdemos a esperança de sobreviver dignamente e sem violência em nosso território antigo, não acreditamos mais na Justiça Brasileira.
A quem vamos denunciar as violências praticadas contra nossas vidas?? Para qual Justiça do Brasil?? Se a própria Justiça Federal está gerando e alimentando violências contra nós. Nós já avaliamos a nossa situação atual e concluímos que vamos morrer todos mesmo em pouco tempo, não temos e nem teremos perspectiva de vida digna e justa tanto aqui na margem do rio quanto longe daqui”. (SIC)
trecho da carta da comunidade Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay-Iguatemi-MS para o Governo e Justiça do Brasil


O Estado decretou a extinção dos paí-tavyterã. Em meu nome, não. O governo e a “Justiça” do Brasil não me representam. Se alguma bala ou bomba eu ajudo a pagar, é porque me extorquem e me arrancam impostos à força. Os princípios, a lógica do Estado Brasileiro não correspondem a meus valores.
O povo que se autodenomina paí-tavyterã é classificado pelos antropólogos brancos (amarelos e pretos da cultura hegemônica) dentro da etnia guarani. Como há (havia) diversos povos guaranis no subcontinente que há poucos séculos é chamado de América do Sul, se referiam a esse grupo que está prestes a ser extinto como os guarani kaiowá. Grupos guarani estão sendo dizimados por que teve contato com brancos pela primeira vez só no século XIX
Sinceramente, não vejo algo como o que está a fazer o Estado Brasileiro (e os “políticos”, jogadores e negociantes que brincam nesse lamaçal cheio de sangue) desde Slobodan Milosevic nos anos 90. Não me lembre de ver nem mesmo o Estado de Israel sendo frio, hipócrita e assassino com os palestinos como o Estado Brasileiro está sendo com os guarani.
O “Governo e Justiça do Brasil” são uma farsa completa. O “Governo e Justiça do Brasil” diz por aí que é democrático, livre, que representa a todo. O “Governo e Justiça do Brasil” fala tanta coisa na sua publicidade...
Não é verdade nada do que dizem. Não exite o país que passa nos programas políticos, na novela, nos prospectos de turismo que vendem para os gringos, nos telejornais do establishment. O “Governo e Justiça do Brasil” são instrumentos de um grupo muito pequeno de pessoas.
Se condenam alguns personagens da novela do Mensalão é porque esse grupo já não tem mais poder político na mesa dos jogadores. É como chutar cachorro morto, enquanto tubarões mais competentes no oficio da canalhice seguem na ativa. Entra partido sai partido, entra ator sai ator, o grande jogo continua. Os verdadeiros mandatários são os mesmos: os muito muito ricos, entre eles, de modo muito especial, os fazendeiros.
Não temos um Milosevic, uma figura para focar. Srebrenica é fichinha com o que aconteceu com os kaiowá. Isso porque ninguém observou os milhares de kaiowás que habitavam vastas florestas nas sendo reduzidos a uns punhadinhos em beiras das rodovias.
Um grupo de 50 homens, 50 mulheres e 70 crianças estão agora ocupando uma área do tamanho de uma chácara: 5 mil metros quadrado, na fazenda Cambará, um pedaço da Terra de 700 hectares que o Estado reconhece como sendo do homosapiens Osmar Bonamigo. Essa fazenda é na verdade ó um pedaço do antigo território chamado de Mbarakay, de 30 mil hectares que essa comunidade kaiowá ocupava. Políticos e “artistas” de TV são alguns dos invasores recentes de terra indígena que o Estado reconhece como donos.
Eu não aceito que façam isso em meu nome. Penso que nenhum ser humano dessa Terra Brasilis devia aceitar calado legitimando essa violência que está prestes a acontecer. E cada militar que for chamado para cumprir a “reintegração” de posse devia ter a dignidade de não obedecer. Não importa o que diz o comandante ou o Judiciário. A Lei não deve valer mais que a Justiça (agora se aspas). Ninguém devia se prestar ao papel de ser pistoleiro (com farda ou sem).
Sinto que deveria fazer alguma coisa. Não sei o que fazer diante de tamanha injustiça e terror. Não sei o que fazer, como Las Casas e tantos outras testemunhas do genocídio do começo a esse fim não souberam o que fazer. Mas mesmo assim, algo eu tento fazer.
Tento escrever mais um texto. Tento até apelar àquele que os guarani chamam Nhanderu. Atitudes como fazer ativismo presencial e virtual também são válidas. Andar menos de carro e colaborar menos com a monocultura da cana é muito válido. Deixar de comer carne também conta. A pecuária (principal atividade para a qual os índios perdem terra e o mundo perde florestas e rios) produz pouca comida por hectare se comparada à agricultura e SAFs. O brasileiro come em média 40 quilos de cadáver de vaca por ano, o que equivale a uma quantidade semanal quase três vezes maior do que aquilo que o organismo é capaz de absorver. Resumidamente, mantendo nossos hábitos alimentares e posturas políticos, o que fazemos é matar floresta, matar índio, matar vaca e matar a democracia para produzir cocô.

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MAIS
 O cineasta gonzo Pedro Rios está no Mato Grosso, sendo o único jornalista e único branco entre os indígenas que estão diante dessa iminente expulsão.
Abaixo o último video postado por ele no Facebook:


sábado, 13 de outubro de 2012

Marx, São Francisco, os pobres e o amanhecer (Serie de artigos)


Texto 1 - 22/09/12 - Espantalhos, devotos e aquilo que ainda não tem nome

-- A madame quer que a Polícia limpe a praça suja de pessoas para que ela possa levar sua cachorrinha para fazer cocô --
Estudantes de Direito fazem "sentaço" durante
vigília em apoio à população de rua no Largo São
Francisco na madrugada de 17/18 de setembro.
Nessa noite, pessoas de mundos diferentes
dançaram e dormiram juntos e ninguém foi
acordado com água ou gás de pimenta
"Trabalhadores do mundo, univos"
Karl Marx

Que os devotos mais fundamentalistas de guru Marx (que a paz esteja com ele) não se sintam ofendidos. Por favor, amados “ortodoxos”, vocês não precisam começar a bater no peito chorando e gritando “Marx akbar” ou “La Ilaha illa Marx”. Mas temos que estar prontos a abandonar alguns dogmas de vez em quando. Reconheço que o profeta de vossa crença muito nos ajuda a entender o mundo, a pensar o capitalismo. De fato, ele nos deu instrumentos teóricos excelentes. Mas, bem... Até o sistema solar ou o mapa mundi são atualizado de vez em quando. Não devemos ser tão apegados ao sentido literal dos livros que consideramos sagrados. Temos que entender que, embora nossos ancestrais, teóricos, poetas e profetas antigos tenham nos legado tesouros de sabedoria, eles escreviam cada qual à sua época. No Século XIX ninguém imaginava mesmo o Brasil no centro do capitalismo global, por exemplo. Ele sabia que estava no Século XIX e sabia que era uma das maiores mentes do seu tempo.
No entanto, há algo que a história está demonstrando ao vivo, a cores e em 3D diante dos olhos desse observador do século XXI que Karl (que a Paz esteja com ele) não previu com exatidão: a questão do suposto protagonismo da classe operária no processo histórico de superação do Capitalismo.
Não. Não está sendo assim. O capitalismo continua devorando mundo e meio e não se vê sequer classe operária se entendendo como tal. Não serão os trabalhadores quem começarão a revolução, mas sim os “vagabundos” (ou pelo menos aqueles que assim são chamados pelas classes dominantes). O trabalhadores estão viciados em TV e ocupados demais em querer ser burgueses. Egoístas e individualistas, sem sentimento de solidariedade ou fraternidade, cada um deles parece acreditar que um dia será uma Cinderela social (seja via Mega-sena, via concurso público ou sorte na edição seguinte do Big Brother Brasil). Outros acreditam no jogo, acham que, se quem sabe o candidato Seis ou o candidato Meia Dúzia ganhar as eleições aqui ou acolá, será o ajuste suficiente para os problemas do sistema predador. Um tipo de otimismo que de nada ajuda.
A favela Moinho voltou a pegar fogo. Claro que a Polícia e a TV iam botar a culpa em um homossexual pobre usuário de drogas. E ponto final. A Polícia é usada para retirar moradores, impedir o retorno dos que fugiram das chamas e a reconstrução dos barracos. Assim, o Estado de certa forma assina que os incêndios em favelas são mesmo crimes premeditados pela especulação imobiliária e que os braços armados das coisas públicas são usados em favor dos criminosos e contra a população.
Em São Paulo proíbem dar sopa para quem tem fome, proíbem cantores de cantarem nas ruas. É proibido plantar frutíferas no Centro. Cavaletes de campanha ocupam espaço público, praças e calçadas. Mas se um ser humano ocupar no mundo o espaço de seu corpo simplesmente para existir, parece algo absurdo se o ser humano em questão for pobre. Pessoas somem por aqui. O capital é absolutista por aqui.
A burguesinha quer que a Polícia limpe a praça suja de pessoas para que ela possa levar sua cachorrinha de estimação para fazer cocô.
Na noite de quarta-feira, 19, pouco antes do fechamento do metrô, a viatura 40627 da Guarda Civil Metropolitana de São Paulo, com apoio de pelo menos mais cinco outros agentes que atuam no centro da capital paulista, encurralam duas crianças no calçadão escuro que passa ao lado da Sé. O jovens, que já não tinham para onde ir, naquele momento não tinham para onde fugir. Não sei se estão vivos.
No dia 9/9, a Operação Espantalho ( http://youtu.be/3TiPLNud7Lw ) expulsa com violência pessoas em situação de rua da frente da histórica Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da USP... Ah, a USP... Em muitos sentidos um reino da fantasia tão alienante quanto as novelas.
Muitos dos refugiados que estavam dormindo em frente à faculdade (que já foi convento) eram sobreviventes do primeiro incêndio da favela do Moinho no começo do ano. Há mulheres e crianças nessa área do centro de São Paulo.
Agora, todas as noites, muitas viaturas da GCM ficam paradas cercando o Largo São Francisco para intimidar e agredir a população em situação de rua que dali se aproximar durante a noite. Pouco antes de amanhecer, todos os dias. Um caminhão-pipa passa jogando violentos jatos d'água nas pessoas que dormem nas imediações. São centenas de pessoas. As câmeras nunca estão filmando quando a carrocinha pega e some com alguém.
Penso que as paredes da Faculdade de Direito, bem como as do grande templo da Sé podiam ser ótimas fortalezas, campos de refugiados para essa gente que está sendo morta nessa guerra social, essa guerra que o capital promove contra o ser humano e a vida em si, essa guerra em que quem não dá lucro é tratado como sujeira e inimigo. (continua)


Texto 2 - 29/09/12 - Debates, palavras, conceitos... AÇÕES!

-- Guerra territorial a paus, pedras e fogo é travada no centro da metrópole longe da TV --


"O fogo não destrói somente madeira e bens materiais. Destrói o esforço do trabalho sangrado. Destrói os planos. Destrói os sonhos. Destrói os espaços de convívio. Enfim, toda uma história de trabalhadores quase sempre pretos, excluídos, sofridos, varridos. Mas, lutadores, persistentes, indestrutíveis! É isso mesmo! Porém... o fogo é uma das muitas táticas utilizadas pelos empresários das desgraças (construtoras, prefeitos, vereadores, bancos, polícia, GCM,...) para ganhar mais dinheiro! É pisando, prendendo, queimando, matando, mentindo que eles obtêm o lucro que os faz cada dia mais dominadores sobre nós.
Mas o fogo não é só deles. É nosso. Vamo aí! "FOGO NA BABILÔNIA”"
do fanzine intitulado Incêndios de Inspiração Capitalista, que tem circulado em São Paulo e na internet.


Moradores tentam resgatar pertences e reconstruir barracos
destruídos pelo último incêndio na Favela do Moinho, que
deixou mais 80 famílias sem teto em São Paulo
Finalmente a palavra “Levante” foi mencionada. Na verdade eu gosto até mais dessa palavra do que de “Revolução”. A última teve seu sentido banalizado e hoje é usada até mesmo por operadoras de celular em sua publicidade. “Levante” ainda não soa tão banal, nem tão apocalíptico-religioso-messiânico-ortodoxomarxista.
Um “Levante” não precisa esperar a maioria. Um “Levante” não precisa esperar a popularidade da presidenta e da novela baixarem. Existe uma galera falando em “Não Violência”... Mas quem pode garantir? Eu acredito Satyagraha, em Ahimsa, acho que o Sermão da Montanha é uma via válida de luta contra o Capitalismo, que é a mais assombrosa, totalitária e alienante experiência de sociedade humana já existente desde que os Homo sapiens surgiram na Terra. Mas quem pode deter a fúria de lombos açoitados há tantos séculos e gerações, e que agora se veem no limite?
A palavra “Levante” já foi dita. Acontece que a palavra “extermínio”, “gentrificação”, “genocídio” também já foram ditas faz tempo. Então desejo que seja satyagrahi! Ocupações, negações, redes de solidariedade. “Levante”... Mas quem garante?
Não posso negar que um carro incendiado (sem ninguém dentro, por favor) não é de forma alguma um processo mais violento que o próprio processo de fabricação desse carro. E definitivamente, um carro pegando fogo não é de forma nenhuma algo mais violento que um barraco pegando fogo.
Até o momento foram 34 favelas incendiadas em São Paulo. Numa “coincidência” incrível: as favelas incendiadas estão justamente nas regiões que mais se valorizaram na metrópole. Há de fato uma guerra por território em São Paulo travada entre o Capital e as pessoas. O Estado está sempre do lado do dinheiro. Isso acontece por que empreiteiras e o ramo imobiliário em geral são as maiores financiadoras de campanha de todos os principais partidos.
Sobram imóveis prontos, vazios, fechados em São Paulo, são centenas de milhares. Mesmo assim os “empreendimentos” imobiliários são os que mais dão dinheiro. Especulação, pura e simples. Construindo-se mais, ganha-se mais dinheiro. Muitos gringos têm comprado pedaços de São Paulo, construído torres de escritórios corporativos.
O capitalismo e os capitalistas olham para o Brasil (e também para a Índia e a África do Sul, um pouco menos) como seu bote salva-vidas. Depois que a Europa estiver em chamas, os arquitetos da destruição vêm ganhar dinheiro aqui, vêm escravizar aqui, vêm sugar a Terra aqui. Enquanto se revira a terra, os rios e a floresta para corporações transnacionais terem minério a baixo custo (pois não se contabiliza sangue nem seiva alguma), os diretores querem ter escritórios em torres espelhadas na nova Manhattan.
Perdoam-se dívidas de grandes criminosos como Naji Nahas (“dono” do Pinheirinho), manipula-se o Judiciário, tudo por que os empreendimentos milionários podem render gordas caixinhas pra muita gente nesse processo. Mas isso envolve retirar os pobres do caminho. Aí entram os incêndios, as reintegrações de posse com ou sem base jurídica, com polícia ou com milícias.
Para aplacar os ânimos da “opinião pública” os vereadores criaram uma CPI para investigar o incêndio em favelas. Na última quarta-feira, 26, conforme as pessoas de diversas comunidades incendiadas e ameaçadas pelo Capital haviam deliberado em assembleia, manifestantes pacíficos, armados com cartazes e instrumentos musicais estavam na frente da Câmara de Vereadores. Mas, pela quinta vez, não aconteceu reunião da CPI por falta de quorum. Isso é: os vereadores não apareceram para trabalhar.
Isso de certa forma ajudou essas vítimas do Capital a enxergarem que, de fato, o sistema é uma farsa. O jogo das eleições, com horário político e votação, também faz tanta diferença quanto a escolha da Miss Universo ou do campeão de “A Fazenda” no canal do Macedão. Pois os caras simplesmente não vão trabalhar; e quando vão, o fazem para defender justamente os interesses dos inimigos das pessoas (aqueles que pagam as propinas e campanhas).
Então se ouve falar em “Levante”, à boca pequena e também no microfone.
Não sei bem o que isso pode querer dizer a curto prazo. O fato é que essas pessoas estão lutando pelas suas existências. E isso é muito justo.
(Continua)



Texto 3 - 06/10/12 - A, B, C da mentira sociológica

-- Classificar a sociedade pelo consumo na situação conjuntural e não sua relação com os bens de produção e poder político produz graves distorções analíticas --


Vivemos hoje novas formas de vida, novos regimes precisam criar identidades que se adaptem a eles. Daí que é comum hoje governos e meios de comunicação inventarem um passado. Como dizia George Orwell, estamos em uma idade em que o presente controla o passado. Altera-se a história para servir aos interesses de alguns poucos grupos. (...) É vital o historiador lutar contra a mentira. O historiador não pode inventar nada, e sim revelar o passado que controla o presente às ocultas”.
Eric Hobsbawn (Alexandria, junho de 1917 – Londres, outubro de 2012)

Moinho sitiada: Guarda Civil Metropolitana impede
que moradores das mais de 80 casas destruídas pelo
último incêndio retornassem para recuperar pertences
e iniciar a reconstrução de suas vidas
Pode apostar: puxar um carrinho de sucata com algumas centenas de quilos ou toneladas debaixo de um sol de rachar (ou na madrugada gelada) não é fácil e não enriquece. Dessa maneira, recolhendo papel e metal para reciclagem, uma multidão tenta conseguir a sobrevivência, fazendo um bem danado para todo mundo que compartilha essa sociedade e esse planeta. No entanto, em São Paulo, essas pessoas são tratadas como marginais; são por muitas vezes chamados de “vagabundos” ou coisas piores.
Os povos indígenas, que conseguiam construir sociedades mais igualitárias e equilibradas com a Terra, produzindo alimento e construindo ocas em abundância para todos (além de terem democraticamente soluções medicinais para todas as doenças conhecidas em seu mundo antes da invasão), também foram chamados assim, “vagabundos”, desde que se recusaram a ser escravos quando os portugueses chegaram chegando aqui nos anos 1500.
Não tenho dúvida de que esse trabalho, o de recolher material para reciclagem, é mais limpo e digno que o dos policiais de hoje em dia (só de hoje em dia?), de modo especial os da Guarda Civil Metropolitana em São Paulo. Além disso, recolher o lixo do capitalismo demanda bem mais esforço físico e é bem mais útil para a sociedade do que bater em mendigo, desfazer rodinhas de jovens sentados na grama do Anhangabaú ou ficar parado o dia inteiro igual a uma estátua do lado das estátuas para “proteger o patrimônio”.
A Favela do Moinho, entre o centro da capital paulista e os centros de reciclagem da Barra Funda, foi fundada por catadores de papel, que ocuparam terrenos vagos e as ruínas do Moinho Matarazzo (há décadas desativado). Ali foi o refúgio seguro para centenas de famílias até começarem as reviravoltas que levaram o Brasil para o centro do capitalismo global (crise de 2008, descoberta do pré-sal, escolha do país para sediar grandes eventos esportivos) e todas as peraltices especulativas e golpes econômicos que acompanharam esse processo.
O Brasil pensa estar crescendo. Entretanto, o que ocorre é só o capital avançando por esse território (a custos altíssimos). Mas o que se passa é que uma parcela da população passou a ter mais facilidade para se endividar e consumir. A chamada classe C anda de carro (mas os carros são dos bancos) e comemora que agora pode deixar de pagar aluguel para sempre e pode pagar “aluguel” só pelos próximos 30 anos, morando nos 3x3 do "Minha Casa, Minha Dívida”.
É inegável que os programas de transferência de renda e o acesso ao crédito tiraram (conjunturalmente) uma parcela da população de uma situação ainda mais precária. Isso está longe de ser uma transformação estrutural e é uma situação bastante precária, sem garantias de que essas pessoas sigam pelos próximos anos tendo o padrão de vida (ah, sim, as dívidas persistirão...).
E as classes D e E? Hã???
Sim, elas existem, e são milhões de pessoas. Mesmo que a novela, o noticiário e os programas políticos digam o contrário, há quem não esteja compartilhando desse sonho fake de Cinderela (ou “empreguete pop star”).
Existe o Brasil fora da estatística. Aqueles que morrem como indigente, aqueles que o Censo não conta. Fazem parte desse grupo as toneladas de crianças que nascem com poucos gramas e morrem antes de serem registradas nos grotões de miséria do país, de modo que sequer pesam nas estatísticas de mortalidade infantil.
Então só sobra o Brasil Maravilha, o Brasil da novela.
Classes A, B, C... Bobagem. A distorção começa por aí. Começa com o uso desses conceitos alfabéticos cretinos. De repente, a sociedade é classificada por letras, baseado unicamente no padrão de consumo atual, em coisas como quantos televisores a família tem.
Eric Hobsbawn, o cara que melhor entendeu o Século XX, morreu, deixando um grande legado historiográfico, mas se pudesse nos deixar alguma forma de deixar um conselho póstomo seria: “Não deixem de analisar a sociedade baseando-se em que posição o sujeito está localizado frente aos meios de produção, não de consumo”.
Nesse sentido, existem aqueles que detêm os meios de produção (terra, máquinas, etc.) e aqueles que não têm nada mais o que vender senão a si próprios. Dentre esses últimos, existem os que mansamente aceitam ser roubados (mais valia) e encontram alguém pra quem se vender, e também há aqueles que são “vagabundos”, uns por convicção ideológica, outros por falta de escolha (como os catadores impedidos de trabalhar pelos senhores de metrópolis, que, além de tudo, botam fogo nas favelas).
E quem de fato sustenta esse estado geral do sistema é o “trabalhador”, que hoje não se enxerga enquanto tal. Ele se enxerga enquanto consumidor C, D ou E; ele se enxerga enquanto corintiano, palmeirense, gremista ou colorado; ele se enxerga enquanto petista, tucano ou evangélico; ele se enxerga enquanto “cidadão de bem”, mesmo que seus bens estejam alienados ao banco.
(Conclui semana que vem)



Texto 4 - 13/10/12 - É sempre mais escuro antes de amanhecer

-- Há cada dia há de se aumentar a descrença no sistema, enquanto se cresce a fé na solidariedade e na autogestão --


Olho por Olho, e a humanidade acabará cega”.
Gandhi

Padre Julio Lancelotti conversa com estudantes,
ativistas e sem-teto durante vigília no Largo S.Francisco

Depois de uns dias, eu volto ao Largo São Francisco. Está quase anoitecendo o 4 de outubro, dia do rebelde de Assis. Um som de violão e música cristã; uns jovens em trajes franciscanos cantam e dançam com alguns sem-teto, apesar da chuva fina. Pelo menos em frente à faculdade de Direito da USP, a GCM não está esculachando mais. Basta um policial se aproximar para “tocar” um sem-teto por ali que logo aparecem estudantes para defendê-lo. Eles sabem que uma violação ali gerará uma nova vigília, uma inflação do movimento, com mais estudantes e militantes despertos oriundos também da chamada “classe média”. Mas na periferia o massacre continua.
A escalada de violência é vertiginosa. A Rota e outro grupos de extermínio têm matado dezenas de civis. O PCC responde e mata policiais. O Estado responde e mata mais um monte: sete para cada um, pegos aleatoriamente nas ruas. Desse jeito isso não vai ter fim. O Estado não chora. O Estado não liga que morram policiais. Para ele, é só contratar mais. Sempre (ou não) vai ter uns coitados de cérebro comido dispostos a morrer por governos e governantes assassinos em troca de um salário mensal.
Essa não pode ser a Única resposta possível. De nada adianta. Só “legitima” ante a opinião pública, viciada em programas de violência- espetáculo travestida de jornalismo. E esses que morrem não são todos “vagabundos”, no sentido que a TV dá a essa palavra. Não são todos “marginais”. São pobres, em sua maioria negros e nordestinos, que moram em bairros pobres.
As tropas de elite das forças policiais são formadas geralmente por psicopatas, oriundos também da tal “classe média” já carregados ideologicamente de preconceitos e ódios. Não são poucos os jovens desses grupos de intolerância de caráter fascistoide (do tipo que espanca guei na Paulista) que entram para a Polícia para simplesmente poderem se divertir. Esses obtêm mais sucesso na carreira militar que o honesto (pelo menos no início) policial oriundo da periferia, que entra na Polícia para defender o pão de cada dia ou por acreditar ingenuamente que na corporação estará necessariamente servindo a Justiça.
O amanhecer do dia 18 de setembro foi um atentado à metrópole. Para muitos, foi uma brisa refrescante no inferno. Ninguém foi chutado nem acordado com gás de pimenta. O caminhão-pipa não passou expulsando as pessoas com jato d'água sob o pretexto de “lavar a calçada”, como vinha fazendo. Isso porque estavam todos juntos, unidos... Circunstâncias que deviam ser mais permanentes e generalizadas. Tinha tocado Bob Marley, Racionais e Michael Jackson e a galera tinha dançado muito. Mas depois o som foi desligado, muitos conversaram bastante. Rolaram rodas de conversa e uma grande roda. Todos os que estavam cansados puderam dormir em paz. Um cara com traje de franciscano propôs uma oração. Mas oração profunda aconteceu no momento seguinte no silêncio. Ouvimos os passarinhos. Até o sabiá deu graças pelo dia que se levantava e todo mundo parou para escutar.
O amanhecer daquele dia foi lindo no largo... Mas toda a cidade, todo o mundo, cada pessoa precisa amanhecer.
A tal “classe média” não detém os meios de produção de riqueza. Ela não é a elite global. Mas tem televisão e medo de proletarização. Medo de ficar pobre. Tem fobia de pobre e de pobreza. Por isso aprova a violência do Estado (cão de guarda do capital).
Nalguns lugares do mundo, a tal “classe média” acordou... Talvez tarde demais. Depois da farra vem a ressaca. Como eu sempre faço questão de lembrar: a Espanha estava “bombando” nos anos 90, fazendo até Olimpíadas; a Grécia estava bombando nos anos 2000, fazendo até Olimpíadas. Elas também viveram seu “espetáculo do crescimento”, com gente se endividando e consumindo mais supérfluos na maior empolgação. A quebra, a proletarização pode acontecer com qualquer um. Por isso talvez a tal “classe média” não devia tratar com tanta indiferença a violência que os mais pobres sofrem hoje.
Aconteceram eleições na maior cidade do hemisfério. Nalgum filme alguém disse que “é sempre mais escuro antes de amanhecer”. Então, se por um lado é assombroso que o coronel Telhada tenha sido eleito vereador e André Caramante, repórter da Folha de S. Paulo, que assinou a matéria título “Ex-chefe da Rota vira político e prega a violência no Facebook”, tenha que ter deixado o país devido às ameaças que vinha recebendo de policiais criminosos e simpatizantes, por outro lado talvez deva se comemorar a vitória da negação ao sistema nas eleições municipais.
O não voto (brancos+ nulos+ abstenções) chegou em primeiro lugar nas eleições para prefeito, com 28,9%, na frente do Candidato A (21,87%) e do Candidato B (20,61%). O não voto não é fruto de uma alienação política; ao contrário, é reflexo de um desejo consciente de parte considerável da população de deslegitimar esse sistema.
É justo que a legitimidade do Estado e o seu próprio reconhecimento venha a ser problematizado, quando o direito à própria existência da pessoa humana vem sendo negado por esse sistema político que diz representar as pessoas.
No entanto, é necessário ir além ainda da negação e de todos os filósofos materialistas. É preciso ir além da consciência de “consumidor”, mas depois é também preciso ainda transcendente o entendimento sociológico de classe social e começar a enxergar um ao outro, todas as pessoas, como irmãos. E, a partir de então, criar formas mais autônomas e livres de vida baseada na colaboração, e não na violência e competição. Então amanhece, e toda favela vira um quilombo de felicidade invejável.








quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Bolívia123


Milícia age nos Jardins, ataca movimentos sociais, expulsa famílias de suas casas e agride criança de 3 anos com golpe de enxada na cabeça
Foto realizada sem equipamento profissional, por pessoas solidárias às famílias despejadas (uma vez que a imprensa não apareceu), retrata a situação das famílias agredidas pela milícia e abandonadas pelo Estado.

Famílias e um grupo de artistas de rua moravam na casa do número 123 há 6 meses. A mansão estava abandonada havia cerca de 15 anos, segundo informações de ativistas do movimento por moradia. Que sentimento, ideia ou força bestial movia os homens que entraram na casa expulsando as pessoas, revirando tudo, disparando armas de fogo, agredindo até mesmo as crianças? Sem mandato, sem identificação, sem ética, sem honra, sem razão, sem piedade, sem misericórdia, sem humanidade... Eram seis cavaleiros.
Até mesmo uma criança de três anos tomou um golpe de enxada na cabeça. Não deixaram os moradores da Rua Bolívia número 123, no bairro conhecido como Jardins, na terceira maior cidade do mundo capitalista, São Paulo, onde dizem haver um “Estado Democrático de Direito” chamado República Federativa do Brasil, mas eu não acredito mais.
Ameaças. Porrada. A desocupação não tinha nenhuma base legal, nenhum documento jurídico. Não foi uma reintegração de posse, foi uma ação de pistolagem, de banditismo, de bang-bang. A brutalidade aconteceu na quarta-feira da “Semana da Pátria”.
A polícia é chamada. Ela não vem. De certa forma ela já tinha vindo. Dois dos 6 a 8 milicianos, que estavam agindo em nome do “dono do Imóvel” se disseram policiais civis para “legitimar a invasão”. C.A.N.S, um Homo sapiens que trabalha na Força Tática da PM paulista foi identificado na 78 DP Jardins como um dos agressores.
Não deixaram os moradores do 123 sequer pegarem suas coisas, nem mesmo o leite das crianças e a comida.
Quando a PM finalmente chegou, foi mais para terminar o serviço de despejo. Se recusaram a registrar as ocorrência de agressão. Disseram, mesmo diante do crime evidente, o que incluía crianças feridas de sangue, quem se sentisse prejudicado, que se dirigisse à Delegacia e lá prestassem queixa. Na delegacia, alguns dos sem-teto, sobretudo os pais das crianças feridas também não conseguiram registrar a ocorrência, tendo sido negado a eles qualquer papel ou registro.
No entanto, alguns outros poucos representantes da humanidade, em contato em redes caóticas e descentralizadas não-piramidais formadas nas ruas, na internet e de outras formas invisíveis, se organizaram para arrecadar fraudas, alimento, apoio jurídico, câmeras para registrar os acontecimentos do dia e da noite, internet móvel para transmitir ao vivo caso a milícia (ou outra força irregular ou oficial de repressão) viesse fazer mal àquelas pessoas.
Então, o delegado Rogério de Camargo Nader apareceu no local. Houveram algumas atitudes que, a meu ver (talvez não seja uma impressão apenas minha|), pareciam intimidação, como recolher R.G.s para identificar quase todo mundo que estava no local, seguida da recusa a devolver os documentos. A pressão constituiu em dizer que só devolveria os documentos dos sem-teto que comparecessem à 78a DP. O que se passa é que muitos sem-teto temem... temem muitas coisas que acontecem em delegacias, albergues e na calada da noite dessa cidade em que as crianças de rua estão desaparecendo tão misteriosamente quanto favelas pegam fogo.
Só na alta madrugada, com a presença de advogados voluntários e Agentes Sociais da área de Direitos Humanos, alguns dos boletins de ocorrência de agressão foram feitos, no entanto alguns dos exames de corpo de delito deixaram de ser realizados por medo. Apenas três da vítimas se submeteram. A criança atingida na cabela não está entre elas, pois os pais se sentiram intimidados.
Enquanto uma parte dos moradores estava na delegacia, o grupo maior permaneceu acampado em frente ao imóvel. Sem assistência oficial alguma.
O delegado prometeu que deixaria os moradores despejados da ocupação retirarem seus pertences e alimentos após a perícia. O que de fato foi feito depois de mais de 24 horas que as pessoas estavam na rua, entre elas muitas crianças (uma delas de apenas 11 dias). Mas a perícia, que só aconteceu no fim da tarde de quinta-feira (6), não teria constatado disparos de arma de fogo , nem encontrado as cápsulas dos projeteis (embora ex-ocupantes da Bolívia 123) relatam que era nítido o buraco de bala deixado numa das paredes do fundo da casa principal.
A mansão que tinha duas casas grandes, teria sido escolhida por que ali havia espaço para acolher famílias e instalar um espaço de cultural. “E outra, cara... não vamos tomar de pobre que já está todo mundo sofrendo com esse sistema de exclusão e opressão. A gente quer é moradia e nós temos é que tomar desses milionários que tem sobrando mesmo”, disse um dos moradores,
É... Milícia agindo abertamente à luz do dia nos Jardins é algo novo, mas, de fato coisas estranhas têm acontecido na cidade em que as subprefeituras foram todas entregues a militares. Nem mesmo as farsas jurídicas institucionais como as que “legitimaram” Pinheirinho são necessárias mais... Forças irregulares sem identificação já fazem o serviço sujo com ou sem farda. É fogo... mas uma hora o vento vira...



quarta-feira, 18 de julho de 2012

Avião de seda e bambu


Parte 1 - Acorrentaram Prometeu ou censuraram Dédalos e Ícaro?

Não tem nada a ver com patriotismo ingênuo. O leitor também sabe que eu não sou desses que ficam enaltecendo “heróis”, mas desse cara eu sou um fã: Santos Dumont. Um dos maiores gênios que a humanidade já teve. O cara voava, simples assim. Ia visitar amigos usando os aviões e dirigíveis que ele mesmo fazia, tomava um chá e voltava. Não se trata aqui de discutir mais uma vez se ele foi o primeiro ou não. O maior mérito dele, a meu ver, está não simplesmente na originalidade de suas máquinas geniais, mas em como ele lidou com a sua propriedade intelectual, sobretudo sobre seu mais perfeito invento.
Mas eu acho meio irônico que o homem tenha desistido de voar justamente no século em que ele aprendeu a voar.
A máquina criada por Clement Ader, de 1890
A literatura indiana milenar até fala das máquinas voadoras, as vimanas. Acredito que haja um pouco de otimismo somado a sensacionalismo na teoria de que elas de fato existiram. Mas aprendi a não chamar ninguém de “maluco”, pois muitas das melhores pessoas que conheci na vida assim são chamadas, bem como o foram as pessoas que sempre mudaram as coisas ao longo de nossa aventura sobre a Terra, que já dura milênios... Milênios esquecidos.
Bem, como historiador devo dizer que é improvável, no sentido radical da palavra “improvável”; no sentido radical da palavra “radical”. Vale salientar que “improvável” e “muitíssimo pouco possível, na minha opinião”, é diferente de impossível. Sei que talvez, daqui a milênios, se houver sobreviventes ou descendentes de nós que contem histórias, talvez as pessoas achem não muito provável que no nosso tempo nós fazíamos o que fazemos.
Acho, entretanto, que eles, os supostos herdeiros da Terra daqui a milênios, se chocariam com a maneira como nós vivemos e lidamos com esse saber, da mesma maneira que às vezes nos chocamos ao observar, por exemplo, o que entendemos ter sido civilização do antigo Egito. Essa coisa de escrita sagrada, reservada a sacerdotes. O saber censurado... Pesado isso, não?
Saberes secretos... A imensa maioria dos saberes secretos sempre foi secreta por puro egoísmo dos que se apropriaram dos saberes e querem manter estruturas de poder que os beneficiassem. Castas. Saber como poder, como forma de exercer opressão sobre outras pessoas, isso aconteceu pra caramba ao longo da aventura humana na Terra (escrita ou não) e nunca foi bom pra gente, manos humanos... E nem para outros seres... Bem, talvez para as baratas.
Mas acho interessante que tenham adolescentes sonhando com isso e compartilhando na internet desenhos e textos (antigos e novos) seus sobre vimanas. Acho que se não conseguirem fazer o que acreditam que os indianos faziam de verdade (máquinas circulares voadoras), pelo menos surgirão bons modelos de motores magnéticos caseiros (excelente alternativa potencial de autonomia, limpeza e economia energética para várias tarefas domésticas ou não). A novidade maior sobretudo está em como se está construindo (e reconstruído) o conhecimento sobre essas coisas de voar sobre energia magnética. Tudo colaborativo e compartilhado, pra quem quiser.
Se não voarem, baterão vitaminas saudáveis ou até farão computadores funcionar sem pagar conta de luz.
Levanta a mão quem sabe fazer um computador! Levanta a mão quem sabe emitir imagem, som e interpretação do mundo e pode falar em um altar retangular em cada lar até calar tudo que destoe da mera repetição! Levanta a mão quem pode voar para onde quiser!
Há algo errado com a maneira como a nossa geração está produzindo e distribuindo conhecimento. Quando domesticamos (do sentido radical e não-violento da palavra domesticar), o fogo não foi pra todo mundo? O fogo foi pra todo mundo assim como o frio e a escuridão eram para todo mundo. Nossos bandos não teriam sobrevivido a certos perrengues (inclusive glaciais) se isso fosse diferente.
É triste que no tempo do touchscreen haja muitos homo sapiens que não sapiens fazer uma fogueira, que não se apague nem incendeie tudo, para se salvar do frio se um dia precisarem.
Ainda bem que de tempos em tempos há certos ventos. Que limpam nuvens escuras e facilitam a decolagem, além de, para nossa alegria, avivar as brasas das fogueiras. Ventos estes que trazem junto sonhos antigos e a antiga paixão pela beleza do céu.
Os gregos também desejaram desobedecer a gravíssima lei da gravidade e criaram até o mito de Ícaro, que se tornou o símbolo desse antigo sonho humano. Os chineses antigos, loucos para descobrir maneiras de voar, fizeram pipas gigantes e chegaram a fazer voos tripulados com condenados e prisioneiros como cobaias, que acabavam na maioria das vezes se espatifando no chão; a intenção era conseguir criar uma maneira de observar os exércitos inimigos lá do alto e usar a tecnologia para a arte da guerra.
Planta do Avion, do Exército Francês. Clique para ampliar
E foi precisamente para a guerra que o “Avion”, a máquina mais pesada que o ar, voou 50 metros à altura de 20 centímetros. Foi inventado por Clement Ader e decolou em 1890. Seu projeto sempre foi financiado pelas Forças Armadas. O resultado dele, quando terminasse, seria de propriedade do Exército francês.
Mas nem o Avion I, nem o II, nem o III corresponderam às expectativas. A coisa até voava, cada vez um pouquinho mais. Até decolava por meios próprios, mas era instável e incontrolável. Não dava para fazer uma curva sem se esborrachar. Mas, dependendo do que se chama de voar, ele voou. Dependendo do que se chama de “avião”, ele inventou o avião, pois, no sentido radical da palavra, foi ele que inventou essa palavra. Mas só é reconhecido assim por franceses.
(Continua)


Parte 2 - Nem por governo, nem por dinheiro. Apenas voar

O Avion de Clement Ader, no século XIX, foi um experimento secreto do Exército francês que não deu muito certo. Só depois de muito tempo o mundo soube do voo (ou “suposto voo”?) a incríveis 20 centímetros de altura que teria ocorrido em 1890. Oficialmente o Avion de Ader não serviu para o Exército porque não dava para controlar e porque não voava muito alto. Mas há quem duvide que ele sequer tenha saído do chão, já que não há registros de imagens nem testemunhas que não sejam ligadas ao Exército francês, que tinha óbvios interesses na questão do pioneirismo.
O Flyer, criado pelos irmão Wright, voou em 1909. Mas
seus criadores e financiadores afirmavam que o primeiro
voo ocorreu em 1903
Testemunhas tiveram os irmãos Orville e Wilbur Wright, estadunidenses engenhosos, donos de uma oficina de bicicleta, quando fizeram sua engenhoca chamada Flyer deslizar no ar. Voou? Depende... O que é voar? Uma flecha voa? Ela se move suspensa no ar, não se move? Se isso bastar, os Wright voaram, mas, antes deles, qualquer um que fosse arremessado por uma catapulta. Pois assim decolou o Flyer em 17 de dezembro de 1903, impulsionado por uma espécie de estilingue, de modo que o aeroplano (airplane), como chamavam o invento, só podia decolar de lugares específicos e precisava ser resgatado dependendo de onde pousasse.
Quem eram as testemunhas? O presidente do banco da cidade e alguns funcionários públicos. Rá! Mais uma vez não há registro do voo. Existe uma série de interesses financeiros por trás dessa patente. Logo, como historiador, devo lançar sobre o Flyer o mesmo olhar crítico (cético?) com o qual eu olho para as vimanas indianas. De omnibus dubitandum. Vimanas há sete mil anos é algo improvável. Não há provas do voo dos irmãos Wright. Nada é impossível. Nada pessoal... É que no presidente do banco não dá pra confiar.
Os americanos chamam avião de “airplane” e foram os Wright que inventaram de chamar assim as aladas máquinas voadoras mais pesadas que o ar. Então eles inventaram o “airplane”, mesmo que o deles não decolasse?
Antes de o Flyer decolar, Santos Dumont, do alto de seu 1,62 metro de altura, já era uma celebridade mundial, uma espécie de herói na França e mito no Brasil. Era sempre visto nos céus de Paris nalguma de suas invenções.
Não era para nenhum Exército. Não era para nenhuma empresa. Ele queria voar... E dar isso à humanidade. Sozinho, lá no céu, nos balões que ele mesmo projetava, ele meditava sobre a humanidade. Ele via o mundo de outro ângulo.
Inventava coisas e fazia ele mesmo. Foi para a Europa estudar, mas mais ensinou do que aprendeu. Sabia aproveitar a grana que tinha. Era rico, mas não esbanjava. Tinha hábitos simples e manias extravagantes.
Para fazer balões mais leves, Resolveu usar bambu e seda em vez de madeira e panos pesados. Inventou o relógio de pulso, amarrando um relógio de bolso com uma correia, para poder olhar as horas e o cronômetro com mais facilidade lá de cima, sem ter que largar o controle do dirigível.
Planta do Flyer, clique para ampliar
Foi ele quem inventou a porta de correr, hoje tão comum. É que ele tinha acabado de inventar o hangar (galpão grande e alto para guardar aeronaves), pois queria guardar seus dirigíveis sem precisar esvaziá-los, já que o gás hidrogênio era muito caro. Portas comuns naquele tamanho seriam muito pesadas para abrir. Mais tarde, sabendo que hidrogênio é fácil de conseguir se trabalhada corretamente a reação do ácido sulfúrico raspa de ferro, veio a montar sua própria planta de produção de hidrogênio.
Mas ele queria mais. Compartilhava o sonho de Da Vinci e Ícaro. Queria voar em algo mais pesado que o ar. Como as aves fazem ou como as vimanas supostamente faziam.
Desenhar. Experimentar. Errar. Tentar de novo. Estudar trabalhos de outras grandes mentes. Ir a bibliotecas. Conversar. Observar a natureza. Meditar. Meditar. Meditar. Escutar o silêncio. Fazer miniaturas. Testar. Desenhar. Trocar ideia. Cair. Levantar. Remendar. Redesenhar. Quase se explodir. Consertar. Arriscar mais uma vez.
Conseguir.
Em 1906, esse pesquisador independente e popular figura, diante de câmeras e testemunhas, decola com seu 14 Bis. Seda e bambu e um motor à explosão. Imitando o voo dos patos selvagens que Alberto contemplava, o 14 Bis tinha as asas atrás e um longo bico à frente. Ao contrário do Avion, era controlável. Ao contrário do Flyer, não precisava de estilingue gigante.
Mas essa ainda não foi a obra prima de Santos Dumont. Poucos anos mais tarde ele construiria algo ainda mais especial. E seu sonho não era só que ele próprio voasse: ele queria mudar o mundo com a aviação.


Parte 3 - Pode ser muito difícil, mas quem diz “impossível” é que não voa mesmo

Onde estão os gênios de nossa época?
Gênios das artes encontro nas ruas. Ou então nos fins de semana, quando eles não têm que apertar parafusos nem vender celulares. Ou, ainda, alguns esqueceram-se que eram gênios e venderam sua genialidade para a indústria cultural, e deixarão de produzir coisas eternas para o espírito humano e/ou importantes para a presente época. Uns no anonimato, outros fora dele porque abriram mão de seu maior bem.
Mas e os gênios da ciência? Onde estão nossos Da Vincis? Nossos Santos Dumonts? Estão todos alugados?
Cadê o menino que queria ser inventor? É inspetor de uma fábrica de motores de carro.
Santos Dumont voa numa de suas Demoiselle, o ágil avião pessoal
que deu origem ao desenho dos aviões modernos e cuja patente ele
doou para toda a humanidade
Cadê a menina apaixonada por química e biologia? Pelos animaizinhos e o segredo das substancias da vida? Está testando cosméticos nos olhos de coelhos.
Ele poderia ter nos libertado da dependência dos combustíveis fósseis. Ela podia ter descoberto na natureza uma molécula plantável que salvasse vidas de doenças terríveis.
Nossos filósofos vendem trufas de chocolate ou DVDs piratas. Nossos astrônomos passaram em concursos públicos e não podem observar os corpos celestes por que têm que acordar cedo.
Algumas pessoas, que eram verdadeiros Pessoas, foram internadas ou pularam da ponte. Outras tomaram Ritalina desde a infância e outras drogas legalizadas recomendadas e impostas e hoje escrevem jingles para vereadores e estão superfelizes com seus novos phones, que são mais smart do que eles próprios.
Para que serve o conhecimento deles? Para que serve o conhecimento de cada um? Ou melhor seria perguntar: “A quem serve seu conhecimento, talento e todo o seu potencial humano, criativo, realizador?”.
Será que o trabalho, o esforço e a dedicação de cada dia que o corpo e a mente do humano fazem estão harmonizados com aquilo que eles desejam e sonham lá no fundo do coração?
Por que penso que talvez não existam gênios? Talvez a coisa esteja no coração. Quanto seu coração se rende para que permitas que seu cérebro seja amordaçado? A diferença é que uns se deixam idiotizar mais, outros menos. Mas, antes, uns vendem seus corações, por medo ou desejo implantado.
A quem estão servindo as universidades públicas hoje? Estão gerando conhecimento para a humanidade, para o país, para as pessoas? Ou será que cada vez é mais comum ver todo o equipamento público, verbas de pesquisa inclusive, cada vez mais produzindo patentes para setores privados? Gera-se dinheiro para poucos e soluções científicas para quem pode pagar.
A questão que se coloca hoje é "de quem é o conhecimento"? E, por conseguinte, é inevitável que se pergunte: De quem é tudo?
A roda, o motor, o tecido oriental impermeabilizado com cera natural, o tratamento do bambu, o sonho de voar, o fogo, o ar, as leis da física e as brechas na lei, de quem são? Fizemos juntos. Nossos ancestrais. Talvez nossos ancestrais tenham sido ajudados pelo conhecimento sublime do design das aves, saber e obra perfeitas por trás da qual também se deu a formação da nossa inquietude, inteligência e sonhos. Por isso Santos Dumont sabia que não tinha inventado o avião sozinho. Inventou com os ancestrais e com quem pesquisou antes. Inventou com quem domesticou o fogo. Inventou com a chinesa que há milhares de anos desenrolou pela primeira Vez, por curiosidade, o casulo do bicho da seda que caiu na sua xícara de chá... E viu que tudo era bom. Foi com todos que observaram as aves antes dele.
Todo conhecimento é colaborativo, porque estamos acumulando juntos já há alguns milhares de anos, colaborando e atrapalhando umas gerações às outras. Todo conhecimento é de todos. Não interessa se dois anos depois de Santos Dumont decolar, voar e pousar os Wright patentearam o avião e disseram ter voado três anos antes dele. Não interessa o que diz o Exército francês.
Depois do desengonçado, mas pioneiro, voo do 14Bis, que tinha o “rabo pra frente”, Dumont continuou inventando. Até chegar à Demoiselle, carinhosamente apelidada de “A libélula”. Esse pequeno avião foi o melhor e mais ágil de sua época. Versátil, portátil. Ele sonhava com um mundo em que todas as pessoas poderiam ter seus aviõezinhos, poderiam até fazer o próprio. E não patenteou. Ele doou os direitos sobre a Libélula para a humanidade. O desenho dela inspirou os aviões pessoais que vieram depois.
Planta da Libélula, clique para ampliar
Na época, várias oficinas começaram a fazer Libélulas na França. Mas veio também a Guerra Mundial e, em vez de dar liberdade e abolir as fronteiras e diferenças, como sonhou Alberto, as máquinas voadoras foram usadas por seres humanos para matar semelhantes.
Em 1932, no Guarujá, interior de São Paulo, durante a Revolução Constitucionalista, um dos maiores gênios da história da humanidade viu aviões do Exército Brasileiro indo bombardear cidades paulistas. Pelo jeito, ele se suicidou, mas há quem negue isso até hoje e dizem que foi o coração.
Vieram outras guerras. Veio a monopolização do ar e do conhecimento sobre voar. Bem como de todo conhecimento humano, roubado pelo capitalismo, que saiu triunfante do Século XX.
Mesmo que o Século XXI tenha começado com aviões sendo jogados em torres e aviões jogando bombas em aldeias afegãs, tenho motivos para acreditar que o espírito humano está vivo. Renasce e voa, tipo fênix. Afinal, tem meninos que ainda sonham conversando ao redor do mundo e somando conhecimento sobre fazer “discos voadores”. Eu não duvido que um dia (em meses ou décadas) uma esquadrilha independente levante voo. Não sei qual a relação disso com o tempo, mas sei que a planta ainda sabe crescer, a larva ainda sabe fiar e as crianças ainda são curiosas e estão perdendo o preconceito de pedir ajuda para o conhecimento do passado. Já as vejo bombardeando a Terra... Com sementes, para restaurar tudo.



sábado, 30 de junho de 2012

Reich de mentiras e ignorância (completa e com links)

A intenção do texto, que a principio pensei em encerar em apenas duas partes, era apresentar a tese do Totalitarismo Liberal, da privatização do Estado à mercantilização da Vida, em alguns pontos, inclusive, comparando com outras formas de totalitarismo que a humanidade já amargou.
Uma coisa interessante, entretanto, ocorreu ao longo da publicação de "Reich de mentiras e ignorância" na minha coluna semanal do Jornal do Povo. Acontece que os fatos que iam acontecendo ao longo das semanas em que era escrita a série comprovavam por si só aquilo que o texto se propunha a provar, sobretudo nos eventos Rio+20, Cúpula dos Povos e Xingu+23.
*Leandro Cruz

Coluna de 09/06/2012

- 78% dos brasileiros não sabem o que é a Rio+20, 77% aprovam governo Dilma - 


Em meados de 1944, as tropas soviéticas que avançavam pelo front oriental libertaram o campo de extermínio de Maidanek, na Polônia, onde, no auge da sua “produção”, atingiu a marca de 20 mil mortos por dia. O jornalista Alexander Werth, correspondente da BBC que acompanhava as tropas soviéticas, escreveu uma matéria sobre aquela primeira fábrica da morte encontrada. Ele descrevia a situação dos poucos sobreviventes, as instalações (câmara de gás, depósitos de detentos, crematórios) e contava como os nazistas haviam tentado incendiar o local. Werth telegrafou a matéria sobre o campo de Maidanek, mas seu editor preferiu não publicar, achou que se tratava de mera "proeza da propaganda russa". De tão brutal e absurdo, parecia inverossímil. Até então, fora do eixo, acreditava-se que as histórias sobre locais como esse era exagero, mas depois americanos, britânicos e soviéticos desmantelariam dezenas de locais semelhantes.
Que espécie de monstro poderia fazer aquilo? Eis a nossa grande catástrofe: quem fez isso eram “pessoas normais”. Depois de cremar, matar, torturar, fazer experiências científicas bizarras usando gente como cobaia, os funcionários da máquina nazista voltavam para casa normalmente, jantavam com suas famílias e dormiam para descansar de mais um dia de trabalho qualquer. Tudo havia sido naturalizado (sobre a banalidade do mal ver também: BOWMAN, Sigmund: Modernidade e Holocausto. e também ARENDT, Hannah: Eichmann em Jerusalém)
Estavam absortos nessa atmosfera. A comunicação impressa, rádios e os cinejornais se encarregaram da lavagem cerebral (e moral). Seus defensores eram violentos e passionais contra as vozes divergentes do regime que começou a se instalar em 1933 e que nos primeiros anos trouxe emprego e desenvolvimento da indústria do país. O nacionalismo cegou a todos.
Sob o risco de parecer “exagerado”, sob o risco de dizerem que minhas letras não são mais que “proeza da propaganda”: sim, em muitos aspectos (muitos mesmo) eu comparo o “nosso Estado” ao Terceiro Reich. E não é só porque o partido de Hitler também se chamava “dos Trabalhadores” (Partido Nacional Socialista dos Tralhadores Alemães - Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei, “Nazi” era apelido). E também não é pelo fato de que à sua época Hitler era tão popular e amado como Lula o é atualmente.
Estou falando de genocídio mesmo. Estou falando de assassinato de dissidentes. Estou falando de estado policial. Estou falando de censura e perseguição a intelectuais em universidades. Estou falando sobre pessoas presas sem julgamento durante meses (enquanto os verdadeiros bandidos ficam soltos, sem julgamento e frequentando Brasília). Estou falando de discriminação de minorias enquanto política oficial.
Por favor, fanáticos, pessoas que amam esse governo com paixão futebolística... Antes de começarem a “trollar” nos comentários, respondam primeiro: quem matou José Cláudio Ribeiro da Silva? E o cacique Nísio Guarani-Kaiowá e os outros 147 indígenas assassinados ano passado? Esse ano a chacina no campo continua: três camponeses em Minas num dia, mais dois no Pernambuco noutro dia, mais um par no Paraná... E assim, em doses homeopáticas e diárias, nosso conflito social (massacre) não é televisionado.
Crianças e adultos sem-teto desaparecem misteriosamente nas ruas das grandes cidades, que estão se preparando para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. A empolgação é a mesma com a qual os alemães organizaram os jogos de 1936, do qual sairiam vencedores absolutos do quadro de medalhas. Os jogos de Berlim foram os mais grandiosos (e politicamente explorados) até então. Ah... A Alemanha Nazista... Tecnologia! Desenvolvimento! Progresso!
CRESCIMENTO!
E o povo mudo. O povo burro. O povo cego. O povo desumanizado pela mídia. O povo aprendendo a odiar cada vez mais, ou pelo menos ser indiferente (o que é tão violento quanto). Hoje vejo gente odiando pobre, odiando índio e outras minorias com naturalidade assustadora. Gente que apoia a Rota e outros grupos de extermínio paulistas. E geralmente o ódio está acompanhado de ignorância.
Andei viajando pelo Brasil por uns meses de forma ainda mais intensa recentemente e descobri uma coisa sobre o Brasil: o Brasil não conhece o Brasil. Se em vez disso eu visse televisão, talvez eu também acreditasse nesse país que passa nas novelas e nos telejornais. Talvez eu até acreditasse que nós devemos muito aos ruralistas. Talvez eu até acreditasse que nós precisamos de uma hidrelétrica na Amazônia. Talvez eu até mesmo acreditasse que eu preciso de um carro novo para não desaparecer. Talvez acreditasse que sem um I-phone eu sou um perdedor. Talvez eu acreditasse em Papai Noel e nas mentiras que andam contando sobre “desenvolvimento sustentável”.
Se eu não tivesse visto e olhado nos olhos de famílias que plantavam alimentos e perderam o emprego para a colheitadeira, ou a terra para o banco; se eu não tivesse visto esse mesmo banco perdoando dívidas de latifundiário “quebrado” que anda de caminhonete importada a diesel... Talvez eu acreditasse, por exemplo, no etanol, que transformou o Cerrado num deserto de gramínea transgênica regado a veneno.
Dilma vai aparecer na Rio+20 se sentindo a “dona da festa”, paladina do “desenvolvimento”. Talvez ela até troque vermelho por um vestidinho verde. Mas mais de 78% dos brasileiros não sabem o que é a Rio+20 (segundo o próprio Ministério do Meio Ambiente). Assim fica fácil. É resultado da mesma máquina de fazer ignorância que garante aprovação de 77% desse governo (CNI/Ibope).
A máquina é forte. Nenhum colunista, jornalista ou ativista consegue fazer frente sozinho. Por isso precisamos conversar... Conversar sério, nós e a minoria que sabe que não está no “País das maravilhas” (e isso inclui menos jornalistas profissionais e mais adolescentes atrevidos). E talvez para vencer uma máquina nós não precisemos de outra. Talvez o que valha mesmo seja a sabotagem, ou uma invasão de formigas.
(Continua)




Coluna de 16/06/2012

O jogo político-partidário como espetáculo que ofusca o totalitarismo de fato - 




Jeremias Vunjanhe chega ao aeroporto. Jornalista e defensor dos direitos humanos em seu país, o Moçambique, jamais colocou bomba em lugar algum, nem atentou contra a vida de ninguém. Mesmo assim, ele descobre que figura na lista de procurados do Sistema Nacional de Impedidos e Procurados do país em que acaba de desembarcar. Foi deportado sem maiores explicações. Foi em Cuba? Na Síria? Nos EUA? Não, foi no Brasil.
De que forma Jeremias ameaçava nosso país? Quem ele mais incomodava? De modo especial os shEikes da mineração, que juntamente com empreiteiras, latifundiários e outros grupos políticos empresariais e criminosos controlam de fato o Brasil por trás da máscara de “democracia”. Ele participaria da Cúpula dos Povos e do III Encontro Internacional dos Atingidos pela Vale, para expor o polêmico caso da Vale em Moçambique nesses eventos paralelos à Rio+20.
Sim, a Vale. Aquela que foi privatizada a preço de banana no Governo FHC e cujos novos donos controladores ganharam a Amazônia privatizada de presente na era petista. Sim, a transnacional privada Vale, de Murilo Ferreira e outros S/A ("sinhôzinhos anônimos"). A Vale, aquela que é uma das mais lucrativas empresas do mundo e mesmo assim ganhou do STF, no dia 9 de maio, o perdão de R$ 24 Bilhões em impostos . A Vale, que ganhou de um Juiz do Pará o direito de não pagar aos governos estaduais taxas cobradas da mineradora para operarem nessas unidades federativas.
Quem está no poder continua no poder e está cada vez mais no poder, a ponto de decidir quem não entra aqui. Olhai a política partidária brasileira, com que se pode comparar? A briga política oficial é semelhante a uma luta de telecatch. El Rino versus Ted Boy Marino. Eles vão nas cordas, eles saltam, castigam, dão tesoura voadora, pontapé, joelhada. Mas todos sabem que as lutas não são de verdade, que é tudo combinado. São amigos. Não são gladiadores, são artistas de circo. Tanto é que o inesquecível Ted Boy (o sósia do filho atropelador do shEike), depois de abandonar os ringues, virou figurante dos Trapalhões. No Brasil é comum carreiras terem reviravoltas: hoje se é ministro da Justiça, amanhã se é advogado de bicheiro que aluga estado.
Nos bastidores do ringue ficam os shEikes. Os sheikes financiam tanto a campanha demotucana quanto da coalizão Sarney-petista. Os sheikes também mandam nas televisões, que colaboram com o mito de “oposição x situação”.
Ainda é a mesma civilização industrial. Em seus aspectos centrais ainda é o mesmo modo de produção. Mas o totalitarismo se apresenta de formas diferentes no nacional socialismo e no global liberalismo. O primeiro já foi julgado pela história. O segundo e mais moderno se apresenta ainda como ideologia dominante, depositária da esperança ingênua na modernidade. A crueldade não é menos, mas a sofisticação do atual regime é maior. A sofisticação se dá pelo espetáculo mais distanciado da realidade e pela arquitetura dos feixes de poder que não se concentram numa única aresta.
O nacional socialismo alemão também dependia do espetáculo, dos filmes-propaganda, dos desfiles, do rádio, das exposições de arte cujas obras eram escolhidas pessoalmente pelo führer. Hitler desenhou uniformes, prédios oficiais, símbolos (documentário: "Arquitetura da destruição", de Peter Cohen) . Ele também definia a guerra e a economia. Ele era principalmente o garoto-propaganda do regime e, de fato, parece muito simpático e confiável nos filmes produzidos pelo Reich. O Reich precisa de mentiras e ignorância para viver.
O Brasil, que vive o seu chamado “bom momento” na era liberal, assiste ingênuo à consolidação do novo totalitarismo acreditando que vive o auge da democracia, no modelo dos sonhos. Assim também o pensavam os Alemães, que nos primeiros anos desde a chegada dos nazistas ao poder (pelo voto, não por golpe), quando experimentavam pleno emprego, industrialização e o país se convertera num grande canteiro de obras. Até ampliaram vagas nas escolas... Mas que escolas? E que serviam a que propósito? Isso é que eu chamo de cavar a própria cova sorrindo.
Os judeus eram só 1%, então ninguém se importou quando começaram os deslocamentos de populações. As primeiras perseguições. Como hoje, os guarani kaiowá permanecem insepultos. E ninguém se importa que, enquanto felizes nos endividando e consumindo bem mais do que precisamos, os índios morrem e a Terra vai virando deserto de monocultura e veneno.
Outros países como Espanha e Grécia já tiveram seu “carnaval” liberal bem recentemente, com Olimpíada e tudo. Vários países do mundo “desenvolvido” já amargam a crise manifesta, com as pessoas sem empregos perdendo suas casas e se submetendo a planos que arrancam cada vez mais a soberania dos povos e a transfere diretamente aos bancos e demais credores. Então se acorda do sonho para viver outro pesadelo: as fábricas, campos, ilhas e minas e portos, que mesmo fechados nunca deixaram de estar lá, reabrirão, com salários e relações de trabalho e seguranças sociais precarizados. Assim pode seguir a Grécia (e boa parte do mundo, como um dominó), com todos os cidadãos reduzidos, de uma hora para outra, em empregados de seus credores, que também acumulam o poder político. E assim morreria a democracia, onde ela nasceu, todos vassalos da Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional). Mas há pessoas nas ruas da polis tentando evitar isso.
No Brasil, o capital experimenta algo novo. Esse processo de acumulação de poder de fato pelo poder econômico rumo ao totalitarismo global de corporações e bancos precisa ser aprovado. Para isso é preciso um personagem popular. Que acumule o poder de imagem como Hitler, de modo a criar a ilusão de que o povo está no poder. O sistema precisa disso, sobretudo para engessar movimentos sociais e sindicais: é aí que entra Lula.
Ele não é 100% igual a Hitler. Ele não desenha os uniformes da Polícia, por exemplo. Nem manda mais que os shEikes. Assumiu esse papel de "símbolo". De ser o rosto amado que permite que essa putaria toda role. É chave que garante a aprovação popular desse projeto. E obviamente ele é recompensado, enriquece a si e a seu filho e premiando companheiros.
A crítica não é só a esse governo. O outro lutador de catch não faria diferente. Na floresta e nos bancos, o tucanato agiria igual, conforme os verdadeiros soberanos mandassem. A diferença certamente estaria na reação do povo a esses abusos.
(Continua)




Coluna de 23/06/2012

Estado instrumento do imperialismo corporativo; povo e terra colonizados - 

No totalitarismo liberal ocorrem coisas assim... Assustadoramente, já nem me surpreendo quando leio coisas como “O juiz federal Paulo Augusto Moreira Lima, que comandava a Operação Monte Carlo e pediu afastamento do caso, relata que sofreu ameaças de morte e revela que homicídios podem ter sido cometidos por integrantes do esquema do bicheiro Carlinhos Cachoeira”. O juiz substituto também abdicou, até que um terceiro magistrado assumiu o caso. O mafioso que praticava tráfico de influência em níveis estadual e federal (operando com diversos partidos), além de ter como advogado o ex-ministro da Justiça do Governo Lula, de indicar quem é promovido na Secretaria de Segurança Pública de Goiás, também escolhe quem o julga.
Essas coisas acontecem no Brasil, no nosso estado de fachada. Ou se mata, ou se demite, ou se ameaça, ou se corrompe qualquer um que, exercendo função pública, se colocar no meio do caminho dos interesses dos donos do poder de fato. As instituições são grandes farsas para dar algum verniz de legitimidade.
Olhemos o Ibama: o órgão do governo que em tese seria responsável pela preservação e conservação do patrimônio natural não pode exercer na prática suas funções de controle e fiscalização. Não importa o que os estudos apontem, nem o quão injusto um empreendimento ou medida seja, se for da vontade dos donos do poder de fato, é implementado. Os shEikes da mineração e das empreiteiras bem como toda gangue do “coronel eletrônico” do Maranhão derrubaram dois presidentes do Ibama até colocarem lá alguém desprovido de escrúpulos o bastante para autorizar a Hidrelétrica de Belo Monte.
Essa é a diferença do totalitarismo presente. O poder de fato ainda mantém a existência da teatralização de democracia. As instituições existem, mas não funcionam como deveriam. Soma-se a isso a televisão, também disfarçada de imprensa livre. Controlada pela mesma gente que controla o Senado e as indicações do governo para órgãos como Funai, Ibama e STF. A TV é responsável pela irreflexão, pelo vazio de pensamento, pela aceitação.
Nessa nova modalidade de dominação, a direita tem agido com maestria. Enquanto no Paraguai os latifundiários (inclusive muitos brasileiros) pretendem dar um golpe de estado para por fim à luta por reforma agrária (o golpe foi levado a cabo no mesmo dia em que o texto foi escrito) . No Brasil, essa mesma classe dominante simplesmente deu um golpe de mestre ao chegar ao poder fazendo o povo acreditar que está no poder. Assim, o “amado líder” mantém a resistência entretida com migalhas enquanto, em vez de fazer reforma agrária, se entrega mais terras aos latifundiários (que antes eram florestas e contribuíam para a existência e bem-estar de todos). Esse é o Brasil moderno, que exporta matéria-prima vinda de monocultura ecocida e mineração, exatamente como no período colonial, exatamente como no Império.
O Brasil nunca deixou de ser colônia; o estado brasileiro e as oligarquias que o controlam jamais deixaram de ser imperialistas. Me choca a incoerência de parte da militância petista (essa futebolística, religiosa) que fala mal da postura de Israel com relação aos palestinos, mas se cala ante o genocídio indígena que o governo avaliza para agradar seus financiadores. Digo mais: nem o mais sanguinário dos governos sionistas jamais cogitou construir uma hidrelétrica no Jordão e alagar a Cisjordânia. Petistas criticaram as mentiras da Casa Branca e a “banana” que Bush deu para o Conselho de Segurança da ONU para promover a invasão do Iraque, mas são omissos com relação às mentiras de nosso governo para realizar Belo Monte e a “banana” que Dilma deu à OEA.
Só caras como Hitler e o nossos sheikes das sombras são capazes de coisas assim. Hitler pretendia construir uma barragem que faria submergir e desaparecer para sempre a cidade de Moscou, do mesmo modo como deve acontecer com parte da cidade de Altamira (PA), com a Volta Grande do Xingu e uma grande área do território da nação Caiapó e outro povos indígenas se usina de Belo Monte não for parada.
Mesmo que os caciques petistas tenham se aliado a Sarney, Maluf, Collor, Barbalho, Renan, Caiado, Kassab e Kátia Abreu, os mais ingênuos dentre os petistas ainda creem que seu governo é “de esquerda”. É assim que aprenderam e não questionam mais.
É como nos livros da escola em que a Amazônia é um pedação monocromático verde que “pertence” ao Brasil. Não dizem que tem gente, que têm povos que vivem lá que aquele lugar é um universo não uma casa de um tabuleiro. A televisão invisibiliza a existência desses povos. No Brasil da telinha todos querem (e têm) os mesmos desejos e modo de vida. Essa invisibilização, essa mentira sobre um Brasil padrão é de uma perversidade tamanha que não existe palavra para defini-la em nenhuma das mais de 180 línguas brasileiras.
Os alemães do período também achavam normal eles invadirem a Áustria, a Polônia, amplos territórios da França, fonte de recursos para sua indústria. Acham legítimo. Criam que aqueles territórios rico em carvão e minério eram seus por direito e que podiam fazer o que bem entendessem. Do mesmo modo, tem gente que não vê problema em destruir o Xingu.
Que o leitor entenda: o atual colonialismo não é nacional, é corporativo. Não somos protagonistas, mas vítimas desse processo. Nosso governo tem sido usado para isso, em nosso nome. A maior parte da energia gerada em Belo Monte será usada pelas multinacionais que criam verdadeiras crateras na Amazônia para retirar ferro e bauxita e fabricar alumínio. Acontece que não precisamos de tanto minério nesse ritmo. Só 10% do alumínio fica no Brasil. O lucro dos outros 90% também não fica com o povo brasileiro, mas com gente como Ratan Tata. Estamos traindo e exterminando o Xingu e seus povos para alimentar a indústria de armas e para manter um estilo de vida que devíamos abolir: baseado em trocar de carro todo ano e descartar 15 gramas de alumínio a cada 350 ml de Coca-Cola consumido.
O Brasil (ou melhor, o pequeno grupo de brasileiros e gringos que o controla) é império em ascensão. E como se não bastasse, nosso estado começa a exportar sua canalhice, numa feira de negócios chamada Rio+20.
(Continua) 

Coluna de 30/06/2012

A ONU e polícias estão sendo privatizadas aos poucos, tais como governos e os bens naturais comuns - 

O documento final da Rio+20 é uma tragédia cínica, sádica. Seu texto esconde suas intenções reais num primeiro nível de leitura. No entanto, tem a aplicação prática e pragmática que seus verdadeiros autores desejaram. Nenhuma limitação prática, real aos abusos do capital contra a Terra.
O documento final da Cúpula dos Povos é uma comédia, linda, esperançosa. Seu texto revela sonhos e boas intenções realmente existentes no fundo do coração de muitos dos indivíduos que participaram. No entanto, não se aplica, não é levado em conta de fato. É um amistoso e só não avisaram para os jogadores que não vale ponto. O texto é um rascunho que não sairá do papel se não entendermos de fato o que foi a Cúpula dos Povos e romper com o embuste. A cúpula “paralela” era controlada por governistas e empresas patrocinadoras; só podia ir até certo ponto. A Dilma não passou nem perto.
Olha a Cúpula dos Povos, no Aterro do Flamengo, distante dezenas de quilômetros da conferência que acontecia no Rio Centro. Com o que se pode comparar? É semelhante a uma varinha de brincar com cachorro (pode ser uma bolinha de tênis também) que o adestrador ou dono faz o cão acreditar ser importante. Então o cara atira a varinha pra bem longe, pra onde talvez o cão nem possa achar. Então, enquanto o animal se perde nessa busca sem sentido, o cara faz o que realmente importa.
Cúpula dos Povos: movimentos sociais, alguns grupos indígenas (outros preferiram se organizar de outras formas), intelectuais, políticos governistas passeando por um ambiente que mais lembra uma feira de negócios. Ninguém delibera nada, só vão escrever uma redaçãozinha bem bonita em grupo como trabalho final da turminha. Catarse. Válvula de escape. Contenção da dissidência, nada mais.
Quem não está satisfeito com o mundo pode ao menos se divertir nesse verdadeiro parque de diverões temático ou visitar estandes de alguma mineradora e deixá-la tentar te convencer de que eles não são tão ruins assim: afinal, mesmo detonando terra e povos da Amazônia e a África, eles imprimem seu panfleto em papel reciclado. Marketing é verde.
Se um insatisfeito quisesse mais teria mais: GCM, Exército, Bope. Rio de Janeiro, cidade sitiada.
Uma mulher é atropelada em frente à Cúpula dos Povos. O caminhão foge. Amigos e marido se desesperam. Polícia e resgate demoram duas horas, quando a artista e ativista Marília já estava morta. Dia seguinte: uma pequena manifestação do lado de fora da cúpula, em memória da porto-alegrense (e no fundo também pedindo um mundo diferente, menos violento e indiferente ao sofrimento dos outros) grita: “Menos motor, mais amor!”. Rapidamente até o famoso “caveirão” chega, pois a manifestação não estava prevista, não estava autorizada, não estava, portanto, “cooptada” nem domada. Os homens de preto dão banho de spray de pimenta, encharcando até as genitálias de manifestantes meninas caídas no chão. Acho que nem a Gestapo fazia isso.
É nosso Estado mostrando sua verdadeira face. No Brasil, embora muitos não saibam, polícias estão sendo privatizadas, lenta e discretamente. E os patrocinadores da violência são os mesmos da Cúpula dos Povos e da Rio+20. Eike Batista, por exemplo, não faz doações à Secretaria de Segurança do Rio por estar preocupado que jovens estejam estourando a cabeça uns dos outros. O medo dele é que as pessoas descubram os verdadeiros inimigos e mirem a direção certa. Agora, depois que o Estado entregou de bandeja o pré-sal a ele num processo nada transparente ou democrático, Eike faz questão de garantir o controle social, a “ordem e progresso” nas regiões próximas às reservas que lhe foram entregues. E ninguém nunca mais falou da Rosângela.
Do mesmo jeito, no Pará, a Norte Energia acabou de investir (comprar) R$ 7 milhões na Secretaria de Segurança, segurança da região onde se começou a construir Belo Monte. A solenidade de entrega ocorreu às 9h do último dia 6 de março, no 16º Batalhão da PM, em Altamira, na presença do secretário de Segurança Pública e Defesa Social do Pará, Luiz Fernandes Rocha, e do diretor de relações institucionais da Norte Energia S.A., João Pimentel.
Isso explica por que a “Justiça” pediu a prisão de 11 pessoas que participaram de um encontro em Altamira (nos mesmos dias da Rio+20) contra a construção de Belo Monte, entre eles pescadores, um jornalista, uma freira e até um padre que rezou uma missa no local.
Entidades defensoras dos direitos humanos denunciaram a perseguição e injustiça à ONU na última quinta-feira, 28 ( http://migre.me/9H6CX ), mas não vai adiantar. A ONU também está sendo privatizada, o dinheiro suplantou os valores expressos na Declaração Universal ( http://migre.me/9H6NW ) faz tempo. O grande outdoor na estrada da Rio+20, onde Raoni não podia entrar, mas Eike circulava livremente, prova isso: o símbolo da conferência ao lado da logomarca da Vale, e nada de logo da ONU (isso explica por que Jeremias Vunjanhe não pôde entrar no país).
Um novo totalitarismo se levanta, de bancos e corporações, que pode destruir a Terra e a vida. Dessa vez, se as pessoas não acreditarem, vai fazer muita diferença (ao contrário do fato de que nada mudava na forma da Terra só porque a maioria acreditava que ela era chata).
Não há nações estrangeiras que possam intervir dessa vez, pois a tirania é global e os estados estão todos submissos a essa nova ordem que quer se consolidar eternamente (tal como o projeto Nazi).
Se faz urgente que deixemos de ser enganados (ou de nos enganar), achando que o algoz nos dará a chave de nossos grilhões. Para derrotar essa tirania temos que derrotá-la também em nós mesmos. E já. O topo da pirâmide só está lá porque uma base a sustenta.

*LEANDRO CRUZ é jornalista e historiador formado pela Unesp. É professor de rua. Foi repórter, editor de Opinião, editor do noticiário internacional, editor de economia, editorialista e colunista do Jornal Comércio da Franca (SP). Escreve semanalmente no Jornal do Povo (RS) a coluna Viagem no Tempo desde 2008. Mantém o blog Viagem no Tempo ( www.viagemnotempo.com.br ) desde 2009. Nas horas livres faz bancos de jardim, dinossauros de lixo, poesias, samba e amor até mais tarde. Tem muito sono de manhã. Gosta de nadar pelado toda vez que pode. Parou de fumar tabaco desde o último Carnaval.