domingo, 28 de outubro de 2012

Os últimos paí-tavyterã

Ninguém devia aceitar que crimes de tamanha proporção fossem cometidos em seu nome
Crianças guarani-kaiowá brincam em rio no Mato Grosso do Sul. Nos últimos anos, dezenas de paí-tavyterã foram assassinados por capangas de fazendeiros da região.

Recebemos esta informação de que nós comunidades logo seremos atacadas, violentadas e expulsas da margem do rio pela própria Justiça Federal de Navirai-MS. Assim, fica evidente para nós que a própria ação da Justiça Federal gera e aumenta as violências contra as nossas vidas, ignorando os nossos direitos de sobreviver na margem de um rio e próximo de nosso território tradicional Pyelito Kue/Mbarakay.
Assim, entendemos claramente que esta decisão da Justiça Federal de Navirai-MS é parte da ação de genocídio/extermínio histórico de povo indígena/nativo/autóctone do MS/Brasil, isto é, a própria ação da Justiça Federal está violentando e exterminando as nossas vidas. Queremos deixar evidente ao governo e Justiça Federal que por fim já perdemos a esperança de sobreviver dignamente e sem violência em nosso território antigo, não acreditamos mais na Justiça Brasileira.
A quem vamos denunciar as violências praticadas contra nossas vidas?? Para qual Justiça do Brasil?? Se a própria Justiça Federal está gerando e alimentando violências contra nós. Nós já avaliamos a nossa situação atual e concluímos que vamos morrer todos mesmo em pouco tempo, não temos e nem teremos perspectiva de vida digna e justa tanto aqui na margem do rio quanto longe daqui”. (SIC)
trecho da carta da comunidade Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay-Iguatemi-MS para o Governo e Justiça do Brasil


O Estado decretou a extinção dos paí-tavyterã. Em meu nome, não. O governo e a “Justiça” do Brasil não me representam. Se alguma bala ou bomba eu ajudo a pagar, é porque me extorquem e me arrancam impostos à força. Os princípios, a lógica do Estado Brasileiro não correspondem a meus valores.
O povo que se autodenomina paí-tavyterã é classificado pelos antropólogos brancos (amarelos e pretos da cultura hegemônica) dentro da etnia guarani. Como há (havia) diversos povos guaranis no subcontinente que há poucos séculos é chamado de América do Sul, se referiam a esse grupo que está prestes a ser extinto como os guarani kaiowá. Grupos guarani estão sendo dizimados por que teve contato com brancos pela primeira vez só no século XIX
Sinceramente, não vejo algo como o que está a fazer o Estado Brasileiro (e os “políticos”, jogadores e negociantes que brincam nesse lamaçal cheio de sangue) desde Slobodan Milosevic nos anos 90. Não me lembre de ver nem mesmo o Estado de Israel sendo frio, hipócrita e assassino com os palestinos como o Estado Brasileiro está sendo com os guarani.
O “Governo e Justiça do Brasil” são uma farsa completa. O “Governo e Justiça do Brasil” diz por aí que é democrático, livre, que representa a todo. O “Governo e Justiça do Brasil” fala tanta coisa na sua publicidade...
Não é verdade nada do que dizem. Não exite o país que passa nos programas políticos, na novela, nos prospectos de turismo que vendem para os gringos, nos telejornais do establishment. O “Governo e Justiça do Brasil” são instrumentos de um grupo muito pequeno de pessoas.
Se condenam alguns personagens da novela do Mensalão é porque esse grupo já não tem mais poder político na mesa dos jogadores. É como chutar cachorro morto, enquanto tubarões mais competentes no oficio da canalhice seguem na ativa. Entra partido sai partido, entra ator sai ator, o grande jogo continua. Os verdadeiros mandatários são os mesmos: os muito muito ricos, entre eles, de modo muito especial, os fazendeiros.
Não temos um Milosevic, uma figura para focar. Srebrenica é fichinha com o que aconteceu com os kaiowá. Isso porque ninguém observou os milhares de kaiowás que habitavam vastas florestas nas sendo reduzidos a uns punhadinhos em beiras das rodovias.
Um grupo de 50 homens, 50 mulheres e 70 crianças estão agora ocupando uma área do tamanho de uma chácara: 5 mil metros quadrado, na fazenda Cambará, um pedaço da Terra de 700 hectares que o Estado reconhece como sendo do homosapiens Osmar Bonamigo. Essa fazenda é na verdade ó um pedaço do antigo território chamado de Mbarakay, de 30 mil hectares que essa comunidade kaiowá ocupava. Políticos e “artistas” de TV são alguns dos invasores recentes de terra indígena que o Estado reconhece como donos.
Eu não aceito que façam isso em meu nome. Penso que nenhum ser humano dessa Terra Brasilis devia aceitar calado legitimando essa violência que está prestes a acontecer. E cada militar que for chamado para cumprir a “reintegração” de posse devia ter a dignidade de não obedecer. Não importa o que diz o comandante ou o Judiciário. A Lei não deve valer mais que a Justiça (agora se aspas). Ninguém devia se prestar ao papel de ser pistoleiro (com farda ou sem).
Sinto que deveria fazer alguma coisa. Não sei o que fazer diante de tamanha injustiça e terror. Não sei o que fazer, como Las Casas e tantos outras testemunhas do genocídio do começo a esse fim não souberam o que fazer. Mas mesmo assim, algo eu tento fazer.
Tento escrever mais um texto. Tento até apelar àquele que os guarani chamam Nhanderu. Atitudes como fazer ativismo presencial e virtual também são válidas. Andar menos de carro e colaborar menos com a monocultura da cana é muito válido. Deixar de comer carne também conta. A pecuária (principal atividade para a qual os índios perdem terra e o mundo perde florestas e rios) produz pouca comida por hectare se comparada à agricultura e SAFs. O brasileiro come em média 40 quilos de cadáver de vaca por ano, o que equivale a uma quantidade semanal quase três vezes maior do que aquilo que o organismo é capaz de absorver. Resumidamente, mantendo nossos hábitos alimentares e posturas políticos, o que fazemos é matar floresta, matar índio, matar vaca e matar a democracia para produzir cocô.

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MAIS
 O cineasta gonzo Pedro Rios está no Mato Grosso, sendo o único jornalista e único branco entre os indígenas que estão diante dessa iminente expulsão.
Abaixo o último video postado por ele no Facebook:


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