terça-feira, 15 de novembro de 2011

A Rua do Muro

Jornal do Povo - 15/10/2011

Óleo sobre tela de Leon Tantillo mostra a cidadela de Nova Amsterdã (atual Nova York) em meados do século XVII. Ao fundo vê-se a muralha que deu nome à Wall Street

No século XVII a América do Norte era um território selvagem, em disputa pelas potências mercantilistas. Os indígenas, verdadeiros donos da terra, eram caçados, mas resistiam bravamente contra franceses, espanhóis, ingleses e holandeses. Esses últimos fundaram um povoado ao qual chamaram Nova Amsterdã num interessante porto natural que fica no nordeste dos atuais Estados Unidos. Em 1640 contava com quase 300 habitantes, contingente insuficiente para resistir às investidas dos índios de Lenape. A solução foi construir uma muralha no melhor (pior) estilo medieval ao redor do povoado. Além de não deixar os índios entrarem, o muro servia para não deixar os escravos saírem. O muro de madeira e terra era impenetrável para as lanças e flechas dos nativos, mas não seria o suficiente para conter os ingleses, que chegaram pelo mar com armas de fogo tão poderosas ou mais que a dos mercadores de Nova Amsterdã. Expulsos os holandeses, os ingleses criaram uma nova vila em cima e ao redor da cidadela e rebatizaram o lugar com o nome de Nova Iorque.

"A Queda de Nova Amsterdã" do artista J.L.G. Ferris
Junto à muralha, abriram uma importante via que desde aquela época tinha por vocação ser centro de trocas e negociações, a Rua do Muro, em inglês Wall Street. Como os indígenas já tinham sido pacificados (isso é, expulsos e exterminados), o muro foi derrubado e a rua ficou e ao longo dos séculos foi palco de importantes acontecimentos históricos.
No fim do século XVIII, quando os descendentes dos colonos resolveram se libertar dos grilhões (e dos impostos, principalmente) pagos à coroa britânica, fundando a independente confederação a qual chamaram Estados Unidos da América (que à época eram apenas 13 colônias na costa leste do atual império), Nova Iorque se tornou a primeira capital do jovem e inspirador país. Na Rua do Muro, número 26, George Washington (o tiozinho de peruca na nota de um dólar) toma posse como primeiro presidente dos EUA em 1789.
Wall Street era o centro da política e dos negócios do novo país. Ali, no meio da rua mesmo, os homens se juntavam para combinar novas empreitadas e investimentos conjuntos, além de vender e comprar participações em empresas de negócios diversos. Era uma efervescência. Três anos depois da posse de Washington, de baixo de uma árvore que ficava em frente ao número 68 da Rua do Muro, 24 homens de negócios resolveram organizar as coisas por ali, redigindo tarifas e regras para os negócios de parcelas de empresas. Nascia a Bolsa de Valores de Nova Iorque, que em pouco tempo ganharia um edifício sede na mesma rua, onde até hoje é o endereço preferido dos principais bancos americanos.
George Washington toma posse como primeiro]
presidente dos EUA em Wall Street
Os estadunidenses construíram posteriormente uma outra cidade, Washington, para ser a sede do seu governo, mas, de fato, Wall Street nunca deixou de ser a sede do poder daquele país. As decisões de deputados, senadores, juízes e presidentes em Washington sempre estiveram submetidas aos interesses dos bancos e dos capitalistas mais ricos da famosa rua de Nova Iorque. O sistema político permitiu que o poder econômico permanecesse sendo o poder de fato, tanto via financiamento de campanha, quanto por meio de lobby, chantagem e especulação.
Outra fonte de poder de Wall Street sempre foi a manipulação da informação. Até hoje, o jornal mais influente no mundo é o The Wall Street Journal, fundado pelos jornalistas Charles Dow, Eduard Jones e Charles Bergstresser. Os três provaram ser muito mais homens de negócios do que jornalistas, pois no mundo dos negócios que se tornava cada vez mais complicado, abstrato e especulativo, informação é poder. Foram os três que criaram o índice Dow Jones, que calcula a oscilação média do valor das ações das 30 maiores empresas negociadas na Rua do Muro, que até hoje determina como será o dia (e a vida) de boa parte do mundo que vive com medo do mercado, um dragão imaginário que não deveria ter o poder de devorar o destino de africanos, gregos, brasileiros e japoneses. A fertilidade da terra, a chuva, o trabalho das pessoas, as relações sociais, as necessidades reais das pessoas e a capacidade de cada povo se organizar para supri-las deveriam ser mais importantes do que o que diz Dow Jones.
Muitos ficaram ricos e muitos mais perderam tudo em Wall Street.
Em choque, americanos vão para a frente da Bolsa
de Valores de Nova York acompanhar o pregão de 21
de outubro de 1929
Nos anos 20 os americanos se empolgaram tanto com o lucro fácil advindo da valorização constante das ações que tomaram um grande tombo. Muitos se endividaram junto a bancos para comprar ações, vender com lucro, pagar o empréstimo e ainda assim sair ganhando. Mas numa quinta-feira do outono de 1929, quando a artificialidade dos preços atingiu seu ápice e começou a cair vertiginosamente, ações que valiam 30 dólares no começo do dia, valiam três no fim do pregão. De uma hora para outra, milionários se viram falidos e endividados. Muitos se suicidaram no mesmo dia do início do período conhecido como Grande Depressão, da qual os EUA só se recuperariam graças à II Guerra Mundial. A farra de Wall Street recomeçou.
Em 2011, americanos ocuparam Wall Street
para questionar a ordem vigente
Nos fim dos anos 2000, a máscara da especulação começou a rachar novamente e o país começou a entrar em recessão. Hoje, há milhares de americanos acampados nas cercanias da bolsa com a firme intenção de desmontar esse sistema. Não sabemos para onde vai o movimento nem o que será da bolsa inaugurada sob uma árvore. A história está em marcha, mas uma mudança significativa de postura, crença e comportamento já é verificada. E sem isso talvez o muro etéreo do capital não se sustente.

3 comentários:

  1. olhaa segundo a leitura é muito bom ressaltar os conhecimentos historicos do que acorreu no mundo passado ...mas ao analisar em frente ao bolsao ...isso vale ate os dias de hoje ...coompreensao maxima na leitua do texto acima ...gostei ...e de fato é bom lembrar e serve de visao ate os dias de hoje !!!
    protestar sempre e vao pensando que o U.S.A é um pais perfetio
    estao enganados ..e la tbm ha protesto participativo .

    bravo !!!!

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