sexta-feira, 11 de março de 2011

Uma revolução (ou reforminha) para chamar de “sua” (3)

Se você não leu as duas outras partes dessa trilogia (1, 2), não tem problema. Os texto podem ser lidos fora de ordem ou mesmo separadamente. Obviamente existe uma coesão e uma ligação entre eles mas que não anula a compreensão e propósito de cada um deles.


De 1985 a 1990, aliados do presidente Sarney ganharam lotes de tudo e juraram lealdade, como no velho esquema feudal. Assim como minérios do subsolo e rios, o espectro eletromagnético, por onde passam as ondas AM, FM, UHF e VHF, é um recurso natural finito, pois a quantidade de faixas de onda, que atravessam nossos corpos, é limitada. A distribuição do direito de exploração, concessão pública, desse recurso natural, o espectro eletromagnético, seguiu critérios políticos. Sarney, eleito por uma bactéria, e seu então ministro das Comunicações, o oligarca baiano Antônio Carlos Magalhães, do PFL (atual DEM), distribuíram concessões para aliados políticos. As próprias famílias Sarney e Magalhães controlam a Globo de seus estados. Existem verdadeiros “latifúndios eletromagnéticos”, de rádio e de TV no Brasil. Tudo isso em nome de apoio para que ele permanecesse um ano a mais na presidência e garantir que ele conseguisse lançar as bases do sistema que o manteriam no poder até hoje.

A “redemocratização” foi uma conquista histórica, mas deixou tanto por fazer que, com Constituição e tudo, não acabou com a concentração de riqueza, nem dos meios de produzi-la. Sob a tutela de Sarney e do PFL (que hoje teatralizam estar em lados opostos), agravou-se a concentração dos meios de produção de ideias.
O empresário Roberto Marinho caminha
de braços dados com Antônio Carlos
Magalhães (PFL) oligarca baiano que foi
ministro das comunicações de Sarney,
presidente do Senado, e etc
O loteamento também ocorre de outras formas. A criação de três novos estados nas zonas de influência de Sarney significou a criação de um aparato burocrático dispendioso, cargos, obras de palácios para empreiteiros se esbaldarem e, sobretudo, mais NOVE vagas no Senado. Seria lindo se isso rendesse maior representatividade para a população dos lugares, mas, com monopólio da informação e regras do jogo criadas para dificultar mudanças, o cabresto permanece. O próprio Sarney, do Maranhão, foi se sentar numa das cadeiras do recém-criado Amapá tão logo deixou o Planalto. Não se levantou até hoje. Durante quase todo esse tempo, ou esteve na presidência da Casa, ou teve um grande compadre/comparça/companheiro no trono (Renan, ACM, Lobão, Garibaldi...). Esse ano o próprio coronel eletrônico foi eleito presidente do Senado, pela quarta vez, com votos tanto do bloco de aliados do governo e da "oposição". A rede de suserania e vassalagem está acima de qualquer etiqueta de agremiação.
O que, por exemplo, justifica os planos de alagar 400 mil hectares de floresta, onde vivem 40 mil pessoas? A hidrelétrica de Belo Monte vai gerar refugiados de minorias étnicas que o resto do Brasil até esquece que existe porque a TV não os mostra. O impacto no ciclo de vida dos peixes no Rio Xingu ameaça a vida de povos milenares e o equilíbrio de todo o bioma amazônico.
1986: presidente José Sarney chega para inauguração
de expansão da planta industrial da Alumar, onde
constantemente acontecem acidentes de trabalho
não noticiados pelas TVs amigas do poderoso senador
As TVs dos amigos do Sarney repetem que “a usina terá capacidade para abastecer 35 milhões de brasileiros”, mas toda a Região Norte tem 15 milhões de habitantes! Belo Monte está no meio do caminho entre as jazidas de bauxita, no Amapá, e a indústria e porto da Alumar, no Maranhão. Só 10% do alumínio ali produzido fica no Brasil. E o lucro? A Alumar é um consórcio Alcoa, BHP Billiton e RioTintoAlcan (sim, a que destruiu Bougainville). Para transformar a bauxita, o insumo principal é energia elétrica. Em troca do que? Quem ganha? Fiquem à vontade para pesquisar sobre o assunto. Também sobre as demissões no Ibama e as indicações no setor elétrico.
É democracia quando as pessoas não são informadas sobre questões como essa, nem sobre como elas são decididas? De contratação no Senado ao deslocamento de populações inteiras para enriquecer gente em empreiteiras, na Eletronorte e na Alumar, o processo decisório no Brasil não parece ter legitimidade popular. Eleições de políticos “progressistas” dentro desse sistema e dessa cultura política não adianta grande coisa. Temas importantes não são debatidos nunca. “Eu vejo o futuro repetir o passado” gritava em 1988 o profético Cazuza, decepcionado com as limitações da “redemocratização”. Claro que, graças à democracia, o Brasil avançou em aspectos como controle da inflação, direitos humanos e acesso à alimentação, sobretudo nos últimos 16 anos, mas esse artigo é sobre as permanências estruturais, e não sobre as ainda não solidificadas melhorias conjunturais.
Representantes de povos que terão suas terras devastadas
pela barragem de Belo Monte protestam contra usina
de Belo Monte, que  beneficiará corporações extrangeiras
e aliados de Sarney
Eles estão longe e não nos ouvem. São punidos se obedecem os representados em vez de seus “líderes”. O Brasil precisa de transformação política para resolver os problemas da democracia com mais democracia. Pra que as pessoas é que definam o rumo do Estado, e não o contrário. Um debate plural e profundo precisa acontecer em toda a sociedade para exigir participação direta e legítima no processo.
No entrementes da publicação dessa “trilogia”, o Senado instaurou uma comissão para a “reforma política”. Adivinha quem a preside? Ele quer mais uma reforminha para chamar de sua.
No fim dos anos 80, o p(r)o(f)eta Cazuza grava "O Tempo Não Pára", música que retrata o clima de descontentamento e de frustração com os avanços que a "Redecratização Sarneyliana" não provocou: "Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro; Transformam o país inteiro em um puteiro, pois assim se ganha mais dinheiro (...) Eu vejo o futuro repetir o passado. Vejo um museu de grandes novidades"

Para quem quiser saber mais sobre a nefasta relação entre grande mídia (em especial a Rede Globo) e poder sugiro o documentário "Muito além de Cidadão Kane". O filme conta com ótimos depoimentos de Chico Buarque de Holanda, Lula, ACM, entre outros.
Roberto Marinho conseguiu na Justiça que o documentário não fosse exibido no Brasil (que belo fim de censura esse do Brasil, não?), mas o internauta pode assistir gratuitamente clicando nos links abaixo:
Parte 1Parte 2 - Parte 3 - Parte 4


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