Setembro de 2010, garoto posa para foto durante confrontos entre as pessoas e as forças do governo em Maputo, Moçambique. |
Moçambique fez o primeiro levante convocado por SMS da História, e foi em bom português
Meus dedos pulam no teclado enquanto a História acontece. Egito, Tunísia, Iêmen, Jordânia, Argália, Gabão... Pessoas estão enfrentando e na maioria dos casos vencendo, derrubando gabinetes, primeiros-ministro e até chefes de Estado. Um processo histórico já em andamento há algum tempo, mas que só agora vêm à tona, de uma vez, numa espécie de Zeitgeist (em alemão o “Espírito de uma época”, conceito cunhado por Johann Gottfried von Herder). Na virada do ano escrevi que “o verdadeiro embate da próxima década não será entre ocidente e oriente, entre esquerda e direita, mas entre o autoritarismo centralizador e a liberdade do homem” (Jornal do Povo, 31.12.2010/01.01.2011). Num planeta em que, segundo a ONU, dois terços da população mundial não se sente representados por seus governos e as pessoas começam a descobrir que não estão sozinhas, uma hora a verdade aparece.
Mas que ninguém se engane achando que o que se passa ali é um fenômeno regional.
Não tem a ver com religião nem geografia, simplesmente. É uma mudança de paradigmas da maneira como as pessoas se relacionam entre elas e com os seus governos. Ou alguém acha que foi só depois de 30 anos que as pessoas passaram a não gostar do bem Ali, do Mubarak e etc?
Culpa da Internet? Sim e não. A internet é uma invenção humana e foram os humanos que construíram coletivamente esse espaço. Logo, quem está fazendo revoluções são as pessoas, que USAM as novas tecnologias de informação.
A polícia e o Exército de Moçambique foram mobilizadas para reprimir as manifestações dos famintos |
São as contradições gritantes do modelo liberal globalizado. Os números do mercado dizem que o Moçambique vai bem, mais que quintuplicou seu PIB na década passada graças a investimentos estrangeiros na exploração do alumínio e na Agricultura voltada para a exportação.
Eis a questão: os dados do Mercado Financeiro NUNCA refletem a verdade da Economia de um País. Economia, por definição é a maneira como se produz, distribui e utiliza bens materiais e imateriais. A economia saudável é harmônica entre as partes: trabalho, pessoas, meios de produção, geração de resíduo, etc. É como uma pessoa, uma criança;a, que cresce rápido demais (seja pra cima ou pros lados), mas tem problemas de circulação e os pés começam a se deteriorar por não são nutridos, mesmo que o corpo tenha bastante sangue. Essa pessoa que cresce, pode ser chamada de saudável?
Moçambique é um grande produtor de algodão e cana de açúcar voltado para o mercado externo. Mas, depende do trigo importado. E, quando secas atingem a Rússia e enchentes atingem a Austrália, afetando a produção mundial de trigo aumenta. E sim, a culpa é dos governos e corporações que não se preocuparam com a segurança alimentar da Nação.
Todo mundo que depende de comida importada se dá mal. E sempre que falta alguma coisa no Mercado mundial, a alta dos preços e o desabastecimento atingem sempre de maneira mais dura, os países da África.
Da mesma maneira, quando algo está sobrando, despeja-se na África (inclusive lixo). Andei pesquisando sobre a telefonia movel no mercado Moçambicano e achei duas páginas de 2009 que podem ser ser chamadas de documentos Histórico: o anuncio da operadora anglo-germânica Vodafone anunciando a chegada de novos modelos de celulares, incluindo a tecnologia 3G, que desaguariam no país, com preços bem abaixo do mercado internacional. Tratavam-se de parelhos com serviços de SMS e correio de voz, fabricados em países asiáticos (por isso exportar o excedente para a costa leste da África) já “superados” no exigente mercado ocidental sempre sedento de novidade. Os "restos” de celulares da “civilização” chegaram ao Moçambique ao preço de US$15. O milagre acontecia graças também ao apoio do Estado às empresas estrangeiras.
Mas como sempre, a ajuda dos governos liberais ao grande Capital estrangeiro, sempre vêm acompanhado de cortes ou no apoio à agricultura familiar, ou a serviços públicos. No caso, em 2010 cortou o subsídio da água. Além disso e tinha sido irresponsável na sua política cambial tornando mais cara a farinha de trigo vindo da África do Sul, justamente quando este produto estava altamente valorizado nas bolsas de mercadoria do mundo, já que dois grandes produtores enfrentavam quebra da produção devido a catástrofes ambientais. PERCEBE COMO ESTÁ TUDO CONECTADO?
O governo havia dito, respondido às eventuais críticas da oposição, que o aumento do preço dos produtos básicos era irreversível: Ninguém sabe se foi uma pessoa ou duas ou 100 que primeiro tiveram a ideia de, em vez de reclamar ao governo, reclamar umas às outras. Mas no começo de setembro as ruas estavam tomadas por pessoas famintas com uma bandeira vermelha na mão e um celular na outra. O governo tenta conter a população com o exército a atira, e a TV a dizer que o mercado é que dita as regras, infelizmente, mas não tem jeito.
“Moçambicanos, o Guebuza (Armando Guebuza, presidente) e seus lacaios estão a mentir como sempre mentiram. Não paremos com a greve até que o governo adote medidas para a redução do custo de vida. A luta continua” animavam novos SMS. No dia 7 de setembro, após uma semana de protestos que o governo tornou violentos (quando os números oficiais apontavam 13 mortos, 500 feridos e 300 presos) o pão voltou a seu preço de 14 cents, o preço da água baixou, graças a subsídios do Governo que anunciou que aumentará a produção nacional de trigo no país (que hoje produz apenas 30% do que consome, já que a terra é ocupada por cana e algodão). Em outubro do mesmo 2010, o governo começou a implantar políticas de controle de informação e regulamentação do uso de celulares.
O episódio já foi batizado de A Revolta do Pão, a primeira da Históri organizada via SMS, mais um capítulo da briga para saber se governos devem controlar as pessoas ou se são as pessoas que devem controlar seus governos.
Muito bom e interessante seu texto... Só espero q ninguém tenha esperança que aconteça algo do tipo no Brasil.
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