sábado, 26 de fevereiro de 2011

Uma revolução (ou reforminha) para chamar de “sua” (2)

Se você perdeu a parte 1, não tem problema é só clicar aqui. Ler fora de ordem também não tem problema. Semana que vem termino a "trilogia". Para ler a terceira parte, clique aqui.


  • no dia 15 de janeiro de 1985, Cazuza se apresentava como vocalista do Barão Vermelho no Rock'n Rio para uma plateia em festa pela vitória do primeiro presidente civil em 20 anos. No colégio eleitoral, o bloco dos que haviam defendido as diretas e indicara Tancredo se aliou ao grupo de José Sarney, que havia sido aliado do Regime militar até seu último suspiro, para vencerem Paulo Maluf, o candidato indicado pelos generais. Havia um grande clima de expectativa com o processo de transição. 


Em vários momentos da nossa história, transições institucionais não significaram mudanças estruturais na sociedade brasileira. Pior, muitas dessas “transições” foram fruto da engenharia política daqueles que já estavam no poder de modo a evitar que o povo protagonizasse a história. A manutenção dos graves problemas e injustiças do país sempre foi garantida pela manipulação da informação, troca de favores políticos e violência.
Obviamente houve resistência, sempre. Essa resistência, que passa pelos quilombos, por revoltas do período regencial, pelo abolicionismo, pelas greves dos operários paulistas de matizes anarquistas da primeira metade do século passado, pela oposição armada e desarmada aos regimes ditatoriais, por pastorais, sindicatos e até, em certa medida, partidos políticos.
O sociólogo Fernando Henrique Cardoso e o
sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva distribuem
 jornais a favor de eleições livres e democráticas.
O movimento pelas Diretas tomou conta do país
em 1984, mas acabou derrotado.
A redemocratização do Brasil nos anos 80 trouxe inegáveis avanços políticos e sociais ao Brasil. Mas chamar a atenção para graves questões estruturais que permaneceram inalteradas não é desqualificar o que foi conquistado. É, ao contrário, lembrar o que ainda está por fazer dando continuidade e profundidade ao processo. Além do mais, esse artigo não pretende encerrar nenhuma questão, mas, ao contrário, reabrir algumas que estavam mal fechadas.
Temos que lembrar que em meados dos anos 80 o povo foi às ruas pedindo eleições diretas para presidente da República. Mas os militares que a serviço de setores abastados da sociedade haviam tomado o poder à força 20 anos antes queriam uma transição “lenta e gradual”, e no fim o povo se contentou com eleições indiretas para a escolha do primeiro presidente civil em 20 anos. O povo elegeu deputados que por sua vez elegeriam o presidente.
Em princípio os militares queriam a vitória do candidato Paulo Maluf, impopular até mesmo entre os outros aliados do regime e que não tinha vitória nenhum pouco garantida. O oligarca maranhense José Sarney, na política desde os anos 50, que havia sido governador do Maranhão pela graça de Castelo Branco, costura então um acordo. Ele funda o Partido da Frente Liberal (PFL) - atual DEM - e leva consigo outros aliados da ditadura também insatisfeitos com a indicação de Maluf. O PFL propõe ao PMDB, o partido que acolhia a oposição institucional, um balaio de gato. Sarney seria vice de Tancredo de Almeida Neves, do PMDB, numa aliança que derrotaria Maluf no colégio eleitoral.
Naquela noite de 1985 o jovem Agenor Araújo Neto se apresentava como vocalista do Barão Vermelho no histórico Rock in Rio 1. Feliz com a vitória de Tancredo, o poeta conhecido como Cazuza comemorava cantando abraçado a uma bandeira do Brasil a eleição de Tancredo, o primeiro presidente civil em décadas. “Que o dia nasça lindo pra todo mundo amanhã, pra um Brasil novo, pra uma rapaziada esperta!”, gritou ao fim de “Pro dia nascer feliz”.
O oligarca maranhense José Sarney, ao lado de militares
em Janeiro de 85 na sua posse como presidente civil
que realizaria a transição; Sarney havia sido eleito
vice-presidente de maneira indireta e, na véspera da
posse, Tancredo Neves, o "titular" adoeceu misteriosamente
Mas misteriosamente em 14 de janeiro de 1985, véspera da posse, Tancredo adoece subitamente e é internado às pressas. Complicações cirúrgicas viriam a agravar seu estado. José Sarney, representante das velhas oligarquias do Nordeste, é quem toma posse em seu lugar. No feriado de Tiradentes do mesmo ano, Tancredo morre, segundo as fontes oficiais da época, vítima de uma bactéria no estômago. Uma bactéria ou forças ainda mais asquerosas atuando no destino do Brasil de modo a fazer com que aquele que conduziria a redemocratização não fosse eleito por voto direto nem indireto. Mas isso fica para a semana que vem, quando concluiremos este papo.
  • Na música Ideologia, de 1988, Cazuza demonstra a frustração de uma época. Naquele ano, apesar de avanços trazidos pela nova Constituição, muita coisa deixava a desejar em termos de transformações estruturais. Além disso, o então presidente José Sarney conseguira adiar as eleições  para o ano seguinte em troca, basicamente, de concessões de rádio e TV. Em nível global, havia a crise do bloco socialismo que se desmanchava no ar. 
Análise da Cobertura da Rede Globo  sobre o comício das Diretas na íntegra

  • O primeiro ponto a ser destacado é o fato de a Globo sequer ter dedicado uma matéria específica para o Comício que reuniu mais de 300 mil pessoal pedindo reformas democráticas e eleições diretas para presidente ainda naquele ano. Coincidentemente o comício aconteceu no dia 25 de Janeiro de 1984 (data que em 2011 seria marcada pelo inicio das manifestações contra o regime de Mubarak no Egito e que teve a juventude como vanguarda #Jan25) dia do aniversário de São Paulo. A Globo fala do aniversário de São Paulo e da USP até metade da matéria para só no último minuto começa a falar comício.
  • A missa na praça da Sé já foi o começo das manifestações daquele dia, mas a Globo edita a matéria e a entrevista de modo a mostrar como antagonizantes: religião e a "baderna" pró democracia.
  • No trecho sobre a USP, notem como a globo enaltece a universidade que tanto sofreu com a interferência dos regimes militares, e chama a manifestação dos estudantes de "inesperada", como se não houvesse do que reclamar.
  • O comício das Diretas no centro de São Paulo era o ápice  de um movimento que tomava acontecia em diversos pontos do país mas a Globo mostra como se fosse tudo parte das comemorações do aniversário da cidade. Ela minimiza a importância política do evento dando destaque aos artistas que apoiavam a causa, como se as pessoas estivessem lá só pelos artistas.
  • Apesar de naquele dia diversos oradores terem feitos discursos sobre justiça social e reformas democráticas profundas que passavam também pelas eleições diretas naquele ano, a Globo opta por usar um trecho do discurso do moderado Franco Montoro, que em vez de falar sobre o que está por ser feito, simplesmente enaltece o que já foi feito. Tal edição transmite a idéia de que ter a figura do presidente eleito pelo povo era a única reforma necessária ao país.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Uma Revolução (ou reforminha) para chamar de "sua" (1)

Políticos e analistas políticos tentam entender o que está acontecendo na África e Oriente Médio. No fundo temem que essa “coisa”, seja lá o que for, se espalhe demais. Diante de algo completamente novo, todos os establishments reagem da mesma maneira: tentam pregar a sua interpretação para a revolução, querendo colar a sua estampa nela.

No Irã dos aiatolás dizem a Revolução da Juventude, no Egito foi uma Revolução Islâmica.

Enquanto isso, lideranças comunistas dão a interpretação canônica de livros sagrados do marxismo ortodoxo.

Já nos Estados Unidos, saúdam a vitória da democracia, como se alguém ainda acreditasse que os valores da democracia estejam representados na máquina política bipartidária dos EUA. Os Chavistas dizem que é uma rebelião contra o Império Americano.

No Feudalismo, a submissão de vassalos jurando
lealdade e defesa dos soberanos em troca de
beneficios e lotes garantia a reprodução,
por séculos, do sistema
E no Brasil não poderia ser diferente: na blogosfera, petistas mais apaixonados pelas cores de seu time comparam o levante egípcio à eleição de Dilma no ano passado.

Todos querem uma revolução para chamar de sua. Mas Sarney é mais esperto, ele sabe tudo o que ele precisa, é só de uma reforminha. Ele sabe que, de reforminha em reforminha, o Brasil mantém relações de poder e práticas políticas medievais. E nesse momento em que se fala de reformas e revoluções é preciso provocar a reflexão sobre nossa própria História, terceirizada História.

No Antigo Regime, o rei, o suserano, dava pedaços de terra aos seus vassalos (aliados, subalternos, cupinchas) em troca de lealdade e favores. À “descoberta” de terras no amanhecer do século XVI, por exemplo, sucederam-se as doações de enormes nacos de terra a vassalos da coroa portuguesa. E é dessa “legitimidade” que provém a maioria dos latifúndios existentes até hoje. Outros vieram ou cresceram depois, via grilagem, tomada de terras de pequenos posseiros endividados, mas sempre de forma atrelada a práticas injustas, baseadas no tripé: troca de favores, violência e controle da informação.

Na cerimônia do "beija mão" as pessoas faziam pedidos ao Principe
Regente, Dom João VI. A rainha, Dona Maria, não mandava nada
Olhemos rapidamente sobre alguns momentos de “transição” de nossa história: a vinda da família real em 1808 e elevação do Brasil a Reino Unido. Sim, houve progressos, mas em termos de relações políticas e sociais, há aí um aprofundamento dessa política de troca de favores, de loteamento e doação de lotes. Não podemos nos esquecer, por exemplo, que com toda a modernização e embelezamento do Rio de Janeiro vieram junto 15 mil nobres e que para alojá-los o Príncipe Regente simplesmente despejou um monte de gente de suas casas. Simples assim: “Sai da casa que você levantou, agora, porque sua Alteza quer ela para colocar seus amigos”. Importamos a monarquia que estava saindo de moda na Europa (como fazemos com quase tudo sai de linha no exterior), aprofundando práticas políticas antiquadas e injustas. Além do mais, quem pagou e trabalhou pelos progressos?
Imagem de 1840 mostra o "Grito do Ipiranga".
Cadê o povãocomemorando a "Independência"?
Não tinha mesmo
A “independência” do Brasil também não trouxe nem a abolição da escravidão nem a distribuição justa de terra e poder. No dia 8 de setembro de 1822 o país continuava governado pelo mesmo Dom, só que a partir de então ainda mais absolutista. Continuava a haver um governo a usurpar das pessoas, escravas e “livres”, o direito de se governar. Nova mudança para manter as coisas como eram.

O mesmo se deu com a Proclamação da República. Ela não nasceu de um movimento popular como os da primeira metade do século XIX, não teve suas raízes nos movimentos que defendiam essa forma de governo por considerá-la mais justa. Pelo contrário, quem proclamou a República no dia 15 de novembro de 1889 foram os latifundiários, com o apoio do Exército (que outrora matava republicanos). Mudaram as regras do aparato burocrático justamente para evitar que as coisas mudassem de verdade. Como já comentei em outro artigo e já comprovou o historiador Eduardo Silva, da Fundação Casa de Rui Barbosa, a princesa Isabel, herdeira do trono, pretendia realizar uma vasta reforma agrária a fim de “colocar estes ex-escravos, agora livres, afrodescendentes em terras próprias, trabalhando na agricultura e na pecuária e delas tirando seus próprios proventos” (carta da princesa de 11/8/1889 ao Visconde de Santa Vitória).

Após expulsar os brasileiros D. Pedro e
Isabel do país. Militares e fazendeiros
celebram a Proclamação da República.
O povo não estava na Praça
(quadro de B. Calixto, 1893)
Quando foi redigida a Constituição do Império de 1824, ninguém imaginava que, no futuro, o herdeiro do trono seria uma mulher e, além de tudo, progressista. Em 1889 faltavam quatro anos para o pai dela, Dom Pedro II, chegar à idade máxima quando deveria abdicar. Ela poderia virar imperatriz antes ainda, caso o imperador falecesse. Os donos de terra derrubaram a monarquia antes que isso acontecesse, afinal, num curto período de suplência durante uma viagem do pai a princesa libertara os escravos no ano anterior. A República proclamada em 1889 não era democrática nem justa, mantinha antigos privilégios e quem não era rico nem homem não podia votar e quem não era muito, muito rico não podia ser votado.

O Estado concedia aos grandes proprietários de terra a patente de Coronel da Guarda Republicana, como uma maneira de legitimar seu poder local. A concessão da patente de coronel equivalia na República a uma condecoração com um título de nobreza. A lógica da troca de favores e cargos continua. Foi aí que “coronel” virou sinônimo de aristocrata agrário.




Assim se desenvolveu a República até hoje. Sempre que o país caminha para alguma mudança rumo à justiça e à liberdade, os velhos donos do poder maquinam para que tudo continue como está. O golpe de 1964 é um dos exemplos mais claros. O golpe foi chamado de “militar”, mas foi um golpe das classes dominantes para evitar transformações profundas planejadas por Jango (reforma agrária, educação universal, etc).

Mas os obscuros acontecimentos de 1985, da “Redemocratização”, e de depois deles precisam sempre ser também relembrados.
Continua semana que vem.
Parte 2
Parte 3 

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Pedras na direção certa

Montagem de blog "Cracked" brinca com as "teorias" sobre alienígenas terem construído as pirâmides; Foram os egípcios quem construíram o Egito, carregando cada uma das suas pedras, e ninguém "de fora" apareceu para ajudar, só para explorar: gregos, romanos, ingleses, franceses, socialistas, estadunidenses, radicais pró-teocracia, partidos corruptos...



Opositores do governo atiram pedras em na polícia de Mubarak durante confrontos no Cairo

Leandro Cruz

“Como conseguiram construir essas pirâmides, grandiosas, que estão de pé até hoje?”. Para responder a essa pergunta já houve até quem dissesse que os egípcios antigos receberam ajuda de extraterrestres. Mais que a fé nos aliens, essas teorias fantasiosas demonstram uma enorme falta de fé na humanidade. Não. Foram humanos que construíram as pirâmides. Os humanos são capazes de realizar coisas grandiosas. Foram os egípcios que carregaram as pedras para construir os gigantescos túmulos dos faraós. Os egípcios, que são humanos, são capazes de realizar grandes coisas.

Nos últimos sete mil anos eles têm feito grandes coisas. Mas até o dia 25 de janeiro, tudo que construíram era para seus faraós, para os dominadores helênicos, romanos, otomanos e ditadores e reis que sempre viviam de maneira faraônica, subservientes a interesses da França, da Inglaterra, dos Estados Unidos e da União Soviética.

De Alexandre, o Grande, a Napoleão, o baixinho, passando por todos os outros que conquistaram ou tomaram o Egito, nenhuma se igualou à conquista do poder protagonizada pelo próprio povo. Desde a invasão napoleônica em 1798 não houve geração que não assistisse a um rompimento institucional, feito sempre por terceiros. Jamais o país escolheu seu governo, mesmo depois da independência em 1922.

Em 1952, os autodenominados oficiais livres depuseram a monarquia e colocaram uma figura popular e carismática para ser a “cara” da transição, Muhammad Naguib. Mas Naguib quis mandar, não se contentando em simplesmente seguir o que os verdadeiros governantes determinavam. Quando viram que o líder da “transição” poderia acabar se tornando governante de fato, acusações (falsas? Não sei) de falcatruas administrativas “surgiram”, ele foi preso e deposto por seus próprios colegas. Assim Gamal Abdel Nasser, o verdadeiro líder dos oficiais livres, assumiu o poder. A constituição e os partidos políticos foram abolidos. O jovem Hosni Mubarak ainda era apenas um piloto de caças nessa época.

Nasser (admiradíssimo por Jânio Quadros) era aliado da União Soviética, pois os Estados Unidos apoiavam a política expansionista de Israel. Perder Gaza e Sinai para o vizinho sionista não foi sua única tragédia, os gastos com a guerra teriam quebrado o país não fosse a ajuda dos soviéticos. Quando ele morreu, em 1970, entra em cena a dupla Anwar Sadat e Hosni Mubarak, que dão continuidade ao regime dos oficiais, mas decidem buscar outros patrocinadores para a sua ditadura.

Os Estados Unidos bancam. Até 2010, as doações anuais, oficialmente declaradas, dos Estados Unidos ao regime variavam entre dois e três bilhões de dólares, além de ceder equipamento militar (fora o que vier por fora para as contas particulares dos ditadores). Além disso conseguiram que Israel devolvesse a península do Sinai.

O interesse americano e israelense não era pequeno e por isso o nervosismo de ambos esses países sobre os últimos acontecimentos. O Egito tem a torneirinha de boa parte do gás natural que abastece Israel. Controla o mais importante rio da África, o Nilo. E o mais importante canal do mundo, Suez, e ser o porteiro do atalho entre o Mediterrâneo e o Índico não é pouca coisa. O Canal de Suez simplesmente poupa europeus e tigres asiáticos de terem que dar aquela volta que os portugueses tinham que dar 500 anos atrás, lembra?

Mubarak se tornou o número 1 do regime depois do assassinato de Sadat em 1981. Ainda há muita controvérsia quanto ao assassinato de Sadat. Oficialmente (o que no caso do Egito geralmente quer dizer “mentirosamente”) ele foi morto por extremistas islâmicos que estariam tramando repetir no Egito o que os radicais do Irã haviam feito três anos antes. Mas segundo fontes não oficiais (blogueiros egípcios) nas ruas do Cairo não é difícil de encontrar quem diga (“à boca miúda” até esse janeiro) que as mãos de Mubarak também estão sujas do sangue de seu antecessor.

Para “salvar o Egito dos radicais”, Mubarak abole direitos civis, aumenta o controle estatal sobre os veículos de comunicação e cria uma polícia secreta à paisana com carta branca para entrar na casa de qualquer “suspeito” fazendo “o que for necessário”. O problema é que os capangas do governo entendiam como “necessário” agredir, torturar, estuprar, saquear e roubar.

As “leis de emergência” duravam 30 anos. O povo aguentava, mesmo vendo que nem o dinheiro americano, nem o do canal, nem o do gás e nem mesmo o fruto do solo irrigado pelo Nilo chegava à sua mesa. A estratégia era dividir e isolar. Jogando uns contra os outros, tem-se a desculpa de estar protegendo os cristãos dos muçulmanos, os muçulmanos dos cristãos, os árabes dos sionistas, os sionistas dos radicais. O medo da guerra provocado por uma guerra constante provocada pelo governo.

Mas os jovens estavam cansados do medo e da divisão. E na World Wide Ágora passaram a “trocar ideia”. E ideias são coisas que só se multiplicam quando trocadas. No século XXI os faraós e seus escribas e sacerdotes não detêm mais o monopólio da escrita. O movimento ciberatista 6 de Abril nasceu no Facebook, sem líder nem partido. Em comum a ideia de construir um país grandioso, mas não mais para um faraó e sim para seu povo livre.

Não há paralelo na história para o que vimos nos últimos 18 dias. E vimos mesmo que o Estado tenha tentado calar e a mídia internacional tentado ignorar ou minimizar. A verdade vazou, com uma força inacreditável. Não foram as câmeras do Grande Irmão que mostraram a história, mas as pequenas câmeras nas mãos do povo unido como irmãozinhos. Vimos crianças botando tropas de choque para correr; vimos artistas grafitando tanques de guerra; vimos médicos, cozinheiros, garis e todo o resto sendo organizados de maneira voluntária para sustentar os protestos mesmo que a comida estivesse escassa; vimos cristãos defendendo muçulmanos da polícia durante as orações e muçulmanos defendendo templos coptas; vimos um regime cair.

Ainda há incerteza e medo de que militares ou radicais islâmicos tomem o poder depois do levante popular. Não há paralelo na história para arriscarmos um palpite. Mas pelo que vimos acho pouco provável que esse povo aceite daqui pra frente que alguém dite o que ou como um povo livre deve construir seu país. Egípcios, parabéns e muito obrigado.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

11 de Fevereiro, a antítese perfeita do 11 de Setembro

Obrigado Egito! Parabéns Egito! Pode comemorar...

Obrigado Egípcios. A festa é enorme, gente do mundo todo saúda e comemora mas só vocês, os protagonistas e donos da festa é que podem sentir nesse momento o sabor da vitória, da libertação.Vocês merecem, caras.
Vocês sentiram o peso dessa ditadura sustentada pelo capitalismo Ocidental bem como o peso dos comunistas e reis e tantos outros que vocês carregaram em suas costas. Vocês sentiram o peso das pedras das pirâmide e de 7 mil anos carregando tantas outras pedras para faraós, para os helênicos, para romanos, para os califas, para franceses, para os ingleses, para os soviéticos, para os americanos. Vocês que construíram ao longo da história tanta coisa grande e bela para outrém, mereciam sentir enfim esse gosto, que deve ser delicioso, que é o gosto da Liberdade.
Eu acredito em vocês. Você não vão deixar nem militares nem clérigos dizerem pra onde vai a História.
E ao fazer história, vocês mostraram ao mundo o que os governos querem esconder. Você nos deram imagens lindas de fraternidade e coragem. Começo esse tópico com a comemoração da vitória de vocês, pessoas do egito, comemorando nesse 11 de fevereiro. Penso ser essa a antítese perfeita às imagens do 11 de setembro de 2001. Até hoje, eles repetem aquilo à exaustão. O 11 de meio que ditava como seria o século.
Governos Ocidentais adoram aquelas imagens, pois assim estavam justificando as suas atrocidades e imposições fundamentalistas e mentirosas cometidas mundo a fora. O que dizem agora???
As imagens do 11 de fevereiro (e também as que as antecederam desde o dia #25Jan)são imagens de vida, de explosão de alegria, de pessoas vencendo governos (e não de governos derrotando pessoas). Que seja essa a cara do novo milênio, uma cara risonha de quem a certeza de que o povo ESTÁ no poder e não simplesmente "aparenta" estar no poder.





PS: #SeCuidaSarney

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Barriga sem pão + Celular na mão = Revolução

Setembro de 2010, garoto posa para foto durante
confrontos entre as pessoas e as forças do governo
em Maputo, Moçambique.

Moçambique fez o primeiro levante convocado por SMS da História, e foi em bom português

Meus dedos pulam no teclado enquanto a História acontece. Egito, Tunísia, Iêmen, Jordânia, Argália, Gabão... Pessoas estão enfrentando e na maioria dos casos vencendo, derrubando gabinetes, primeiros-ministro e até chefes de Estado. Um processo histórico já em andamento há algum tempo, mas que só agora vêm à tona, de uma vez, numa espécie de Zeitgeist (em alemão o “Espírito de uma época”, conceito cunhado por Johann Gottfried von Herder). Na virada do ano escrevi que “o verdadeiro embate da próxima década não será entre ocidente e oriente, entre esquerda e direita, mas entre o autoritarismo centralizador e a liberdade do homem” (Jornal do Povo, 31.12.2010/01.01.2011). Num planeta em que, segundo a ONU, dois terços da população mundial não se sente representados por seus governos e as pessoas começam a descobrir que não estão sozinhas, uma hora a verdade aparece.
Mas que ninguém se engane achando que o que se passa ali é um fenômeno regional.
Não tem a ver com religião nem geografia, simplesmente. É uma mudança de paradigmas da maneira como as pessoas se relacionam entre elas e com os seus governos. Ou alguém acha que foi só depois de 30 anos que as pessoas passaram a não gostar do bem Ali, do Mubarak e etc?

Culpa da Internet? Sim e não. A internet é uma invenção humana e foram os humanos que construíram coletivamente esse espaço. Logo, quem está fazendo revoluções são as pessoas, que USAM as novas tecnologias de informação.
A polícia e o Exército de Moçambique foram mobilizadas
para reprimir as manifestações dos famintos
Imagina um país com celular barato e pão caro? Eu sempre disse que, se um trabalhador não tem pão, é porque alguém está comendo croissant com o suor dele. No Moçambique, lá no sudeste da África (perto de Madagascar), aconteceu a não-televisionada Revolta do Pão, em 2010, precursora dos levantes que vemos hoje, a primeira rebelião nacional convocada assim. "Moçambicano, prepara-te para a greve geral 01/09/2010. Contra a subida do preço do pão, água, luz e diversos. Envie para outros moçambicanos. Despertar!" Essa mensagem, e outras similares se espalharam rapidamente pelo país que fala português e tem 70% da população abaixo da linha da pobreza no final de agosto passado. Num lugar onde o salário médio do trabalhador é US$ 37 ao mês o preço do pão havia subido do equivalente a US$ 0,14 para US$ 0,20.
São as contradições gritantes do modelo liberal globalizado. Os números do mercado dizem que o Moçambique vai bem, mais que quintuplicou seu PIB na década passada graças a investimentos estrangeiros na exploração do alumínio e na Agricultura voltada para a exportação.
Eis a questão: os dados do Mercado Financeiro NUNCA refletem a verdade da Economia de um País. Economia, por definição é a maneira como se produz, distribui e utiliza bens materiais e imateriais. A economia saudável é harmônica entre as partes: trabalho, pessoas, meios de produção, geração de resíduo, etc. É como uma pessoa, uma criança;a, que cresce rápido demais (seja pra cima ou pros lados), mas tem problemas de circulação e os pés começam a se deteriorar por não são nutridos, mesmo que o corpo tenha bastante sangue. Essa pessoa que cresce, pode ser chamada de saudável?
Moçambique é um grande produtor de algodão e cana de açúcar voltado para o mercado externo. Mas, depende do trigo importado. E, quando secas atingem a Rússia e enchentes atingem a Austrália, afetando a produção mundial de trigo aumenta. E sim, a culpa é dos governos e corporações que não se preocuparam com a segurança alimentar da Nação.

Todo mundo que depende de comida importada se dá mal. E sempre que falta alguma coisa no Mercado mundial, a alta dos preços e o desabastecimento atingem sempre de maneira mais dura, os países da África.
Da mesma maneira, quando algo está sobrando, despeja-se na África (inclusive lixo). Andei pesquisando sobre a telefonia movel no mercado Moçambicano e achei duas páginas de 2009 que podem ser ser chamadas de documentos Histórico: o anuncio da operadora anglo-germânica Vodafone anunciando a chegada de novos modelos de celulares, incluindo a tecnologia 3G, que desaguariam no país, com preços bem abaixo do mercado internacional. Tratavam-se de parelhos com serviços de SMS e correio de voz, fabricados em países asiáticos (por isso exportar o excedente para a costa leste da África) já “superados” no exigente mercado ocidental sempre sedento de novidade. Os "restos” de celulares da “civilização” chegaram ao Moçambique ao preço de US$15. O milagre acontecia graças também ao apoio do Estado às empresas estrangeiras.

Mas como sempre, a ajuda dos governos liberais ao grande Capital estrangeiro, sempre vêm acompanhado de cortes ou no apoio à agricultura familiar, ou a serviços públicos. No caso, em 2010 cortou o subsídio da água. Além disso e tinha sido irresponsável na sua política cambial tornando mais cara a farinha de trigo vindo da África do Sul, justamente quando este produto estava altamente valorizado nas bolsas de mercadoria do mundo, já que dois grandes produtores enfrentavam quebra da produção devido a catástrofes ambientais. PERCEBE COMO ESTÁ TUDO CONECTADO?
O governo havia dito, respondido às eventuais críticas da oposição, que o aumento do preço dos produtos básicos era irreversível: Ninguém sabe se foi uma pessoa ou duas ou 100 que primeiro tiveram a ideia de, em vez de reclamar ao governo, reclamar umas às outras. Mas no começo de setembro as ruas estavam tomadas por pessoas famintas com uma bandeira vermelha na mão e um celular na outra. O governo tenta conter a população com o exército a atira, e a TV a dizer que o mercado é que dita as regras, infelizmente, mas não tem jeito.

Moçambicanos, o Guebuza (Armando Guebuza, presidente) e seus lacaios estão a mentir como sempre mentiram. Não paremos com a greve até que o governo adote medidas para a redução do custo de vida. A luta continua” animavam novos SMS. No dia 7 de setembro, após uma semana de protestos que o governo tornou violentos (quando os números oficiais apontavam 13 mortos, 500 feridos e 300 presos) o pão voltou a seu preço de 14 cents, o preço da água baixou, graças a subsídios do Governo que anunciou que aumentará a produção nacional de trigo no país (que hoje produz apenas 30% do que consome, já que a terra é ocupada por cana e algodão). Em outubro do mesmo 2010, o governo começou a implantar políticas de controle de informação e regulamentação do uso de celulares.
O episódio já foi batizado de A Revolta do Pão, a primeira da Históri organizada via SMS, mais um capítulo da briga para saber se governos devem controlar as pessoas ou se são as pessoas que devem controlar seus governos.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

World Wide Ágora

Foi lançado no começo desse ano o portal Teia Livre, um espaço democrático para as pessoas debaterem os temas e os pontos de vista que não estão representados na grande Mídia.
Lá você pode comentar à vontade, além de compartilhar suas propostas e novas idéias, ler outros enfoques de noticias, ver traduções de artigos feitos por pessoas do mundo todo.
É significativo que o lançamento do portal, que cresce a cada dia, tenha coincidido com os levantes democráticos no mundo árabe.
Abaixo, resumo de meu artigo de estreia no portal, que fala justamente a Worl Wide Ágora. clique sobre ele para ler.




Teia Livre