sábado, 31 de março de 2012

E a verdade nos libertará

Adicionar Na última quinta-feira, ativistas e familiares de mortos e desaparecidos protestam em frente ao Clube Militar, no Rio de Janeiro, onde militares comemoravam o aniversário do golpe de 1º de abril de 1964. O protesto pacífico terminou com agressões por parte da PM contra os parentes das vítimas da ditadura


Não deveria ser necessário explicar. Me parece tão óbvio. Funciona assim: 
Militares ficam lá na fronteira por precaução, vendo se narcoguerrilheiros cruzam a linha imaginária. Ficam pelas florestas, protegendo a nossa maior riqueza de biopiratas a serviço de governos estrangeiros ou de corporações farmacêuticas que por acaso queiram patentear uma coisa que não é deles ou usar para o mal. Eles também servem para proteger os indígenas (que a Constituição diz que é tutelado pelo Estado), combatendo milícias particulares formadas por jagunços a serviço de grileiros, destruidores da floresta.
Enquanto isso, os parlamentares ficam lá em Brasília fazendo e revendo leis, pautando-se pela Justiça e vontade popular. Antes de votar eles debatem em busca de encontrar a verdade, apresentando argumentos, a favor e contra as propostas. Exemplo seria a revisão da Lei da Anistia, promulgada em 1979, ainda durante a ditadura, que perdoou os crimes de torturadores e assassinos que cometeram as maiores barbáries durante os anos de chumbo. O Legislativo avalia se essa lei criada no governo do general Figueiredo faz sentido em tempos de democracia.
Enquanto isso, nós historiadores historiamos. História, do grego investigação. E para isso precisamos e devemos ter o direito (bem como qualquer jornalista ou cidadão) de acessar todos os documentos dos arquivos.
Enquanto isso, promotores e advogados de famílias ficam responsáveis por acionar o Judiciário. Baseado em provas (da investigação) e debates julga-se. No caso de crimes com mortes, há um júri que decide e depois o juiz calcula a pena com base nas leis. Dizer que estava cumprindo ordens de um mandante, que acreditava ter um bom motivo, não interessa à Justiça. Só interessa a verdade.
Aos jornalistas cabem ir contando dia a dia o desenrolar dos fatos.
Isso seria lindo... Se fosse verdade. Mas no Brasil está proibida a verdade. Os arquivos não estão abertos. Há muitos mortos insepultos. Há muita mentira oficializada. A primeira delas diz respeito à própria data do coup d'etat, que oficialmente é 31 de março, mas na verdade, quando o controle foi tomado pelos militares, já era dia da mentira.
Ainda que por acaso cheguemos, enquanto sociedade, através dos meios que dispomos, à conclusão de que a Lei de Anistia deve valer (tanto pra sequestradores quanto para torturadores e assassinos). Se de fato achamos que o perdão é importante, um valor que devemos cultivar. Tudo bem. Que ninguém seja preso então, nem por sequestro, nem por tortura. Debatamos democraticamente sobre isso. Mas ainda que ninguém for ser punido, ainda assim temos o direito à verdade. Se os arquivos estão trancados, ainda estamos sob ditadura. Esse deve ser o primeiro direito, o direito universal que garante todos os outros: o direito à história; o direito à verdade.
São enormes as permanências do Golpe de 1964, que não foi apenas militar. Os militares foram instrumentos e cúmplices de uma classe social, uma classe dominante que à época temia que reformas sociais tirassem privilégios dela. O golpe teve suporte estratégico do governo norte americano (como ocorreu em tantos outros lugares da América Latina), que estava pronto inclusive para dar apoio militar se julgassem necessário para a conclusão da derrubada do presidente constitucional João Goulart.
Sem verdade não há liberdade (e vice versa), bem sabia Tolstói ,que dizia que “não alcançamos a liberdade buscando a liberdade, mas sim a verdade. A liberdade não é um fim, mas uma consequência”. Dizia isso ecoando as palavras de Jesus, segundo João: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8, 32).
Desse modo, líderes religiosos do Brasil que não forem “falsos profetas” deveriam fazer da verdade sua principal bandeira. Deveriam então fazer lobby e pregação pela verdade e pela liberdade. Em vez de pregar o ódio, a segregação ou de se omitirem ante as grandes injustiças de nosso tempo, como têm feito lideranças de igrejas supostamente tradicionais, tanto tradicionais e milenares, quanto das mais novinhas, que têm servido unicamente ao dinheiro e à dissimulação. Não cultivam nem trabalham pela verdade nos tempos de hoje, nem fazem da abertura dos arquivos da ditadura uma bandeira.
Tudo isso porque, na verdade, quem de fato estava no poder durante a ditadura continua no poder e continua com a mesma disposição para a violência e desprezo pela liberdade a fim de defender seus interesses. Mas hoje possuem mecanismos ainda mais sofisticados de censura e repressão, como fazer a muitos acreditarem que vivemos sob um sistema político democrático.
A comissão da verdade é uma meia-verdade. Pois a verdade não precisa de comissão. Não precisa que a presidenta escale sete pessoas para dizer o que é verdade. Não precisa que militares digam como essas sete pessoas devem proceder. Os arquivos devem ser abertos e a verdade deve pertencer a todos.
Eu acredito na força da verdade (satyagraha).
E a verdade é que o que houve no 1º de abril de 1964 não foi bom para o país nem para o povo que os militares deveriam simplesmente proteger (e não governar) e não pode, em hipótese alguma, ser chamado de revolução. Mas se querem falar de revolução, ok. Semana que vem vou falar de revolução me dirigindo especificamente aos militares, sobretudo àqueles com menos de 30 anos.

Vídeo: Latuff

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Uma revolução ou reforminha para chamar de sua.
Parte 1, Parte 2, Parte 3

São Paulo, Estado de choque