A intenção do texto, que a principio pensei em encerar em apenas duas partes, era apresentar a tese do Totalitarismo Liberal, da privatização do Estado à mercantilização da Vida, em alguns pontos, inclusive, comparando com outras formas de totalitarismo que a humanidade já amargou.
Uma coisa interessante, entretanto, ocorreu ao longo da publicação de "Reich de mentiras e ignorância" na minha coluna semanal do Jornal do Povo. Acontece que os fatos que iam acontecendo ao longo das semanas em que era escrita a série comprovavam por si só aquilo que o texto se propunha a provar, sobretudo nos eventos Rio+20, Cúpula dos Povos e Xingu+23.
*Leandro Cruz
Coluna de 09/06/2012
- 78% dos brasileiros não sabem o que é a Rio+20, 77% aprovam governo Dilma -
Em meados de 1944, as tropas soviéticas que avançavam pelo front oriental libertaram o campo de extermínio de Maidanek, na Polônia, onde, no auge da sua “produção”, atingiu a marca de 20 mil mortos por dia. O jornalista Alexander Werth, correspondente da BBC que acompanhava as tropas soviéticas, escreveu uma matéria sobre aquela primeira fábrica da morte encontrada. Ele descrevia a situação dos poucos sobreviventes, as instalações (câmara de gás, depósitos de detentos, crematórios) e contava como os nazistas haviam tentado incendiar o local. Werth telegrafou a matéria sobre o campo de Maidanek, mas seu editor preferiu não publicar, achou que se tratava de mera "proeza da propaganda russa". De tão brutal e absurdo, parecia inverossímil. Até então, fora do eixo, acreditava-se que as histórias sobre locais como esse era exagero, mas depois americanos, britânicos e soviéticos desmantelariam dezenas de locais semelhantes.
Que espécie de monstro poderia fazer aquilo? Eis a nossa grande catástrofe: quem fez isso eram “pessoas normais”. Depois de cremar, matar, torturar, fazer experiências científicas bizarras usando gente como cobaia, os funcionários da máquina nazista voltavam para casa normalmente, jantavam com suas famílias e dormiam para descansar de mais um dia de trabalho qualquer. Tudo havia sido naturalizado (sobre a banalidade do mal ver também: BOWMAN, Sigmund: Modernidade e Holocausto. e também ARENDT, Hannah: Eichmann em Jerusalém)
Estavam absortos nessa atmosfera. A comunicação impressa, rádios e os cinejornais se encarregaram da lavagem cerebral (e moral). Seus defensores eram violentos e passionais contra as vozes divergentes do regime que começou a se instalar em 1933 e que nos primeiros anos trouxe emprego e desenvolvimento da indústria do país. O nacionalismo cegou a todos.
Sob o risco de parecer “exagerado”, sob o risco de dizerem que minhas letras não são mais que “proeza da propaganda”: sim, em muitos aspectos (muitos mesmo) eu comparo o “nosso Estado” ao Terceiro Reich. E não é só porque o partido de Hitler também se chamava “dos Trabalhadores” (Partido Nacional Socialista dos Tralhadores Alemães - Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei, “Nazi” era apelido). E também não é pelo fato de que à sua época Hitler era tão popular e amado como Lula o é atualmente.
Estou falando de genocídio mesmo. Estou falando de assassinato de dissidentes. Estou falando de estado policial. Estou falando de censura e perseguição a intelectuais em universidades. Estou falando sobre pessoas presas sem julgamento durante meses (enquanto os verdadeiros bandidos ficam soltos, sem julgamento e frequentando Brasília). Estou falando de discriminação de minorias enquanto política oficial.
Por favor, fanáticos, pessoas que amam esse governo com paixão futebolística... Antes de começarem a “trollar” nos comentários, respondam primeiro: quem matou José Cláudio Ribeiro da Silva? E o cacique Nísio Guarani-Kaiowá e os outros 147 indígenas assassinados ano passado? Esse ano a chacina no campo continua: três camponeses em Minas num dia, mais dois no Pernambuco noutro dia, mais um par no Paraná... E assim, em doses homeopáticas e diárias, nosso conflito social (massacre) não é televisionado.
Crianças e adultos sem-teto desaparecem misteriosamente nas ruas das grandes cidades, que estão se preparando para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. A empolgação é a mesma com a qual os alemães organizaram os jogos de 1936, do qual sairiam vencedores absolutos do quadro de medalhas. Os jogos de Berlim foram os mais grandiosos (e politicamente explorados) até então. Ah... A Alemanha Nazista... Tecnologia! Desenvolvimento! Progresso!
CRESCIMENTO!
E o povo mudo. O povo burro. O povo cego. O povo desumanizado pela mídia. O povo aprendendo a odiar cada vez mais, ou pelo menos ser indiferente (o que é tão violento quanto). Hoje vejo gente odiando pobre, odiando índio e outras minorias com naturalidade assustadora. Gente que apoia a Rota e outros grupos de extermínio paulistas. E geralmente o ódio está acompanhado de ignorância.
Andei viajando pelo Brasil por uns meses de forma ainda mais intensa recentemente e descobri uma coisa sobre o Brasil: o Brasil não conhece o Brasil. Se em vez disso eu visse televisão, talvez eu também acreditasse nesse país que passa nas novelas e nos telejornais. Talvez eu até acreditasse que nós devemos muito aos ruralistas. Talvez eu até acreditasse que nós precisamos de uma hidrelétrica na Amazônia. Talvez eu até mesmo acreditasse que eu preciso de um carro novo para não desaparecer. Talvez acreditasse que sem um I-phone eu sou um perdedor. Talvez eu acreditasse em Papai Noel e nas mentiras que andam contando sobre “desenvolvimento sustentável”.
Se eu não tivesse visto e olhado nos olhos de famílias que plantavam alimentos e perderam o emprego para a colheitadeira, ou a terra para o banco; se eu não tivesse visto esse mesmo banco perdoando dívidas de latifundiário “quebrado” que anda de caminhonete importada a diesel... Talvez eu acreditasse, por exemplo, no etanol, que transformou o Cerrado num deserto de gramínea transgênica regado a veneno.
Dilma vai aparecer na Rio+20 se sentindo a “dona da festa”, paladina do “desenvolvimento”. Talvez ela até troque vermelho por um vestidinho verde. Mas mais de 78% dos brasileiros não sabem o que é a Rio+20 (segundo o próprio Ministério do Meio Ambiente). Assim fica fácil. É resultado da mesma máquina de fazer ignorância que garante aprovação de 77% desse governo (CNI/Ibope).
A máquina é forte. Nenhum colunista, jornalista ou ativista consegue fazer frente sozinho. Por isso precisamos conversar... Conversar sério, nós e a minoria que sabe que não está no “País das maravilhas” (e isso inclui menos jornalistas profissionais e mais adolescentes atrevidos). E talvez para vencer uma máquina nós não precisemos de outra. Talvez o que valha mesmo seja a sabotagem, ou uma invasão de formigas.
(Continua)
Coluna de 16/06/2012
- O jogo político-partidário como espetáculo que ofusca o totalitarismo de fato -
Jeremias Vunjanhe chega ao aeroporto. Jornalista e defensor dos direitos humanos em seu país, o Moçambique, jamais colocou bomba em lugar algum, nem atentou contra a vida de ninguém. Mesmo assim, ele descobre que figura na lista de procurados do Sistema Nacional de Impedidos e Procurados do país em que acaba de desembarcar. Foi deportado sem maiores explicações. Foi em Cuba? Na Síria? Nos EUA? Não, foi no Brasil.
De que forma Jeremias ameaçava nosso país? Quem ele mais incomodava? De modo especial os shEikes da mineração, que juntamente com empreiteiras, latifundiários e outros grupos políticos empresariais e criminosos controlam de fato o Brasil por trás da máscara de “democracia”. Ele participaria da Cúpula dos Povos e do III Encontro Internacional dos Atingidos pela Vale, para expor o polêmico caso da Vale em Moçambique nesses eventos paralelos à Rio+20.
Sim, a Vale. Aquela que foi privatizada a preço de banana no Governo FHC e cujos novos donos controladores ganharam a Amazônia privatizada de presente na era petista. Sim, a transnacional privada Vale, de Murilo Ferreira e outros S/A ("sinhôzinhos anônimos"). A Vale, aquela que é uma das mais lucrativas empresas do mundo e mesmo assim ganhou do STF, no dia 9 de maio, o perdão de R$ 24 Bilhões em impostos . A Vale, que ganhou de um Juiz do Pará o direito de não pagar aos governos estaduais taxas cobradas da mineradora para operarem nessas unidades federativas.
Quem está no poder continua no poder e está cada vez mais no poder, a ponto de decidir quem não entra aqui. Olhai a política partidária brasileira, com que se pode comparar? A briga política oficial é semelhante a uma luta de telecatch. El Rino versus Ted Boy Marino. Eles vão nas cordas, eles saltam, castigam, dão tesoura voadora, pontapé, joelhada. Mas todos sabem que as lutas não são de verdade, que é tudo combinado. São amigos. Não são gladiadores, são artistas de circo. Tanto é que o inesquecível Ted Boy (o sósia do filho atropelador do shEike), depois de abandonar os ringues, virou figurante dos Trapalhões. No Brasil é comum carreiras terem reviravoltas: hoje se é ministro da Justiça, amanhã se é advogado de bicheiro que aluga estado.
Nos bastidores do ringue ficam os shEikes. Os sheikes financiam tanto a campanha demotucana quanto da coalizão Sarney-petista. Os sheikes também mandam nas televisões, que colaboram com o mito de “oposição x situação”.
Ainda é a mesma civilização industrial. Em seus aspectos centrais ainda é o mesmo modo de produção. Mas o totalitarismo se apresenta de formas diferentes no nacional socialismo e no global liberalismo. O primeiro já foi julgado pela história. O segundo e mais moderno se apresenta ainda como ideologia dominante, depositária da esperança ingênua na modernidade. A crueldade não é menos, mas a sofisticação do atual regime é maior. A sofisticação se dá pelo espetáculo mais distanciado da realidade e pela arquitetura dos feixes de poder que não se concentram numa única aresta.
O nacional socialismo alemão também dependia do espetáculo, dos filmes-propaganda, dos desfiles, do rádio, das exposições de arte cujas obras eram escolhidas pessoalmente pelo führer. Hitler desenhou uniformes, prédios oficiais, símbolos (documentário: "Arquitetura da destruição", de Peter Cohen) . Ele também definia a guerra e a economia. Ele era principalmente o garoto-propaganda do regime e, de fato, parece muito simpático e confiável nos filmes produzidos pelo Reich. O Reich precisa de mentiras e ignorância para viver.
O Brasil, que vive o seu chamado “bom momento” na era liberal, assiste ingênuo à consolidação do novo totalitarismo acreditando que vive o auge da democracia, no modelo dos sonhos. Assim também o pensavam os Alemães, que nos primeiros anos desde a chegada dos nazistas ao poder (pelo voto, não por golpe), quando experimentavam pleno emprego, industrialização e o país se convertera num grande canteiro de obras. Até ampliaram vagas nas escolas... Mas que escolas? E que serviam a que propósito? Isso é que eu chamo de cavar a própria cova sorrindo.
Os judeus eram só 1%, então ninguém se importou quando começaram os deslocamentos de populações. As primeiras perseguições. Como hoje, os guarani kaiowá permanecem insepultos. E ninguém se importa que, enquanto felizes nos endividando e consumindo bem mais do que precisamos, os índios morrem e a Terra vai virando deserto de monocultura e veneno.
Outros países como Espanha e Grécia já tiveram seu “carnaval” liberal bem recentemente, com Olimpíada e tudo. Vários países do mundo “desenvolvido” já amargam a crise manifesta, com as pessoas sem empregos perdendo suas casas e se submetendo a planos que arrancam cada vez mais a soberania dos povos e a transfere diretamente aos bancos e demais credores. Então se acorda do sonho para viver outro pesadelo: as fábricas, campos, ilhas e minas e portos, que mesmo fechados nunca deixaram de estar lá, reabrirão, com salários e relações de trabalho e seguranças sociais precarizados. Assim pode seguir a Grécia (e boa parte do mundo, como um dominó), com todos os cidadãos reduzidos, de uma hora para outra, em empregados de seus credores, que também acumulam o poder político. E assim morreria a democracia, onde ela nasceu, todos vassalos da Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional). Mas há pessoas nas ruas da polis tentando evitar isso.
No Brasil, o capital experimenta algo novo. Esse processo de acumulação de poder de fato pelo poder econômico rumo ao totalitarismo global de corporações e bancos precisa ser aprovado. Para isso é preciso um personagem popular. Que acumule o poder de imagem como Hitler, de modo a criar a ilusão de que o povo está no poder. O sistema precisa disso, sobretudo para engessar movimentos sociais e sindicais: é aí que entra Lula.
Ele não é 100% igual a Hitler. Ele não desenha os uniformes da Polícia, por exemplo. Nem manda mais que os shEikes. Assumiu esse papel de "símbolo". De ser o rosto amado que permite que essa putaria toda role. É chave que garante a aprovação popular desse projeto. E obviamente ele é recompensado, enriquece a si e a seu filho e premiando companheiros.
A crítica não é só a esse governo. O outro lutador de catch não faria diferente. Na floresta e nos bancos, o tucanato agiria igual, conforme os verdadeiros soberanos mandassem. A diferença certamente estaria na reação do povo a esses abusos.
(Continua)
Coluna de 23/06/2012
- Estado instrumento do imperialismo corporativo; povo e terra colonizados -
No totalitarismo liberal ocorrem coisas assim... Assustadoramente, já nem me surpreendo quando leio coisas como “O juiz federal Paulo Augusto Moreira Lima, que comandava a Operação Monte Carlo e pediu afastamento do caso, relata que sofreu ameaças de morte e revela que homicídios podem ter sido cometidos por integrantes do esquema do bicheiro Carlinhos Cachoeira”. O juiz substituto também abdicou, até que um terceiro magistrado assumiu o caso. O mafioso que praticava tráfico de influência em níveis estadual e federal (operando com diversos partidos), além de ter como advogado o ex-ministro da Justiça do Governo Lula, de indicar quem é promovido na Secretaria de Segurança Pública de Goiás, também escolhe quem o julga.
Essas coisas acontecem no Brasil, no nosso estado de fachada. Ou se mata, ou se demite, ou se ameaça, ou se corrompe qualquer um que, exercendo função pública, se colocar no meio do caminho dos interesses dos donos do poder de fato. As instituições são grandes farsas para dar algum verniz de legitimidade.
Olhemos o Ibama: o órgão do governo que em tese seria responsável pela preservação e conservação do patrimônio natural não pode exercer na prática suas funções de controle e fiscalização. Não importa o que os estudos apontem, nem o quão injusto um empreendimento ou medida seja, se for da vontade dos donos do poder de fato, é implementado. Os shEikes da mineração e das empreiteiras bem como toda gangue do “coronel eletrônico” do Maranhão derrubaram dois presidentes do Ibama até colocarem lá alguém desprovido de escrúpulos o bastante para autorizar a Hidrelétrica de Belo Monte.
Essa é a diferença do totalitarismo presente. O poder de fato ainda mantém a existência da teatralização de democracia. As instituições existem, mas não funcionam como deveriam. Soma-se a isso a televisão, também disfarçada de imprensa livre. Controlada pela mesma gente que controla o Senado e as indicações do governo para órgãos como Funai, Ibama e STF. A TV é responsável pela irreflexão, pelo vazio de pensamento, pela aceitação.
Nessa nova modalidade de dominação, a direita tem agido com maestria. Enquanto no Paraguai os latifundiários (inclusive muitos brasileiros) pretendem dar um golpe de estado para por fim à luta por reforma agrária (o golpe foi levado a cabo no mesmo dia em que o texto foi escrito) . No Brasil, essa mesma classe dominante simplesmente deu um golpe de mestre ao chegar ao poder fazendo o povo acreditar que está no poder. Assim, o “amado líder” mantém a resistência entretida com migalhas enquanto, em vez de fazer reforma agrária, se entrega mais terras aos latifundiários (que antes eram florestas e contribuíam para a existência e bem-estar de todos). Esse é o Brasil moderno, que exporta matéria-prima vinda de monocultura ecocida e mineração, exatamente como no período colonial, exatamente como no Império.
O Brasil nunca deixou de ser colônia; o estado brasileiro e as oligarquias que o controlam jamais deixaram de ser imperialistas. Me choca a incoerência de parte da militância petista (essa futebolística, religiosa) que fala mal da postura de Israel com relação aos palestinos, mas se cala ante o genocídio indígena que o governo avaliza para agradar seus financiadores. Digo mais: nem o mais sanguinário dos governos sionistas jamais cogitou construir uma hidrelétrica no Jordão e alagar a Cisjordânia. Petistas criticaram as mentiras da Casa Branca e a “banana” que Bush deu para o Conselho de Segurança da ONU para promover a invasão do Iraque, mas são omissos com relação às mentiras de nosso governo para realizar Belo Monte e a “banana” que Dilma deu à OEA.
Só caras como Hitler e o nossos sheikes das sombras são capazes de coisas assim. Hitler pretendia construir uma barragem que faria submergir e desaparecer para sempre a cidade de Moscou, do mesmo modo como deve acontecer com parte da cidade de Altamira (PA), com a Volta Grande do Xingu e uma grande área do território da nação Caiapó e outro povos indígenas se usina de Belo Monte não for parada.
Mesmo que os caciques petistas tenham se aliado a Sarney, Maluf, Collor, Barbalho, Renan, Caiado, Kassab e Kátia Abreu, os mais ingênuos dentre os petistas ainda creem que seu governo é “de esquerda”. É assim que aprenderam e não questionam mais.
É como nos livros da escola em que a Amazônia é um pedação monocromático verde que “pertence” ao Brasil. Não dizem que tem gente, que têm povos que vivem lá que aquele lugar é um universo não uma casa de um tabuleiro. A televisão invisibiliza a existência desses povos. No Brasil da telinha todos querem (e têm) os mesmos desejos e modo de vida. Essa invisibilização, essa mentira sobre um Brasil padrão é de uma perversidade tamanha que não existe palavra para defini-la em nenhuma das mais de 180 línguas brasileiras.
Os alemães do período também achavam normal eles invadirem a Áustria, a Polônia, amplos territórios da França, fonte de recursos para sua indústria. Acham legítimo. Criam que aqueles territórios rico em carvão e minério eram seus por direito e que podiam fazer o que bem entendessem. Do mesmo modo, tem gente que não vê problema em destruir o Xingu.
Que o leitor entenda: o atual colonialismo não é nacional, é corporativo. Não somos protagonistas, mas vítimas desse processo. Nosso governo tem sido usado para isso, em nosso nome. A maior parte da energia gerada em Belo Monte será usada pelas multinacionais que criam verdadeiras crateras na Amazônia para retirar ferro e bauxita e fabricar alumínio. Acontece que não precisamos de tanto minério nesse ritmo. Só 10% do alumínio fica no Brasil. O lucro dos outros 90% também não fica com o povo brasileiro, mas com gente como Ratan Tata. Estamos traindo e exterminando o Xingu e seus povos para alimentar a indústria de armas e para manter um estilo de vida que devíamos abolir: baseado em trocar de carro todo ano e descartar 15 gramas de alumínio a cada 350 ml de Coca-Cola consumido.
O Brasil (ou melhor, o pequeno grupo de brasileiros e gringos que o controla) é império em ascensão. E como se não bastasse, nosso estado começa a exportar sua canalhice, numa feira de negócios chamada Rio+20.
(Continua)
Coluna de 30/06/2012
- A ONU e polícias estão sendo privatizadas aos poucos, tais como governos e os bens naturais comuns -
O documento final da Rio+20 é uma tragédia cínica, sádica. Seu texto esconde suas intenções reais num primeiro nível de leitura. No entanto, tem a aplicação prática e pragmática que seus verdadeiros autores desejaram. Nenhuma limitação prática, real aos abusos do capital contra a Terra.
O documento final da Cúpula dos Povos é uma comédia, linda, esperançosa. Seu texto revela sonhos e boas intenções realmente existentes no fundo do coração de muitos dos indivíduos que participaram. No entanto, não se aplica, não é levado em conta de fato. É um amistoso e só não avisaram para os jogadores que não vale ponto. O texto é um rascunho que não sairá do papel se não entendermos de fato o que foi a Cúpula dos Povos e romper com o embuste. A cúpula “paralela” era controlada por governistas e empresas patrocinadoras; só podia ir até certo ponto. A Dilma não passou nem perto.
Olha a Cúpula dos Povos, no Aterro do Flamengo, distante dezenas de quilômetros da conferência que acontecia no Rio Centro. Com o que se pode comparar? É semelhante a uma varinha de brincar com cachorro (pode ser uma bolinha de tênis também) que o adestrador ou dono faz o cão acreditar ser importante. Então o cara atira a varinha pra bem longe, pra onde talvez o cão nem possa achar. Então, enquanto o animal se perde nessa busca sem sentido, o cara faz o que realmente importa.
Cúpula dos Povos: movimentos sociais, alguns grupos indígenas (outros preferiram se organizar de outras formas), intelectuais, políticos governistas passeando por um ambiente que mais lembra uma feira de negócios. Ninguém delibera nada, só vão escrever uma redaçãozinha bem bonita em grupo como trabalho final da turminha. Catarse. Válvula de escape. Contenção da dissidência, nada mais.
Quem não está satisfeito com o mundo pode ao menos se divertir nesse verdadeiro parque de diverões temático ou visitar estandes de alguma mineradora e deixá-la tentar te convencer de que eles não são tão ruins assim: afinal, mesmo detonando terra e povos da Amazônia e a África, eles imprimem seu panfleto em papel reciclado. Marketing é verde.
Se um insatisfeito quisesse mais teria mais: GCM, Exército, Bope. Rio de Janeiro, cidade sitiada.
Uma mulher é atropelada em frente à Cúpula dos Povos. O caminhão foge. Amigos e marido se desesperam. Polícia e resgate demoram duas horas, quando a artista e ativista Marília já estava morta. Dia seguinte: uma pequena manifestação do lado de fora da cúpula, em memória da porto-alegrense (e no fundo também pedindo um mundo diferente, menos violento e indiferente ao sofrimento dos outros) grita: “Menos motor, mais amor!”. Rapidamente até o famoso “caveirão” chega, pois a manifestação não estava prevista, não estava autorizada, não estava, portanto, “cooptada” nem domada. Os homens de preto dão banho de spray de pimenta, encharcando até as genitálias de manifestantes meninas caídas no chão. Acho que nem a Gestapo fazia isso.
É nosso Estado mostrando sua verdadeira face. No Brasil, embora muitos não saibam, polícias estão sendo privatizadas, lenta e discretamente. E os patrocinadores da violência são os mesmos da Cúpula dos Povos e da Rio+20. Eike Batista, por exemplo, não faz doações à Secretaria de Segurança do Rio por estar preocupado que jovens estejam estourando a cabeça uns dos outros. O medo dele é que as pessoas descubram os verdadeiros inimigos e mirem a direção certa. Agora, depois que o Estado entregou de bandeja o pré-sal a ele num processo nada transparente ou democrático, Eike faz questão de garantir o controle social, a “ordem e progresso” nas regiões próximas às reservas que lhe foram entregues. E ninguém nunca mais falou da Rosângela.
Do mesmo jeito, no Pará, a Norte Energia acabou de investir (comprar) R$ 7 milhões na Secretaria de Segurança, segurança da região onde se começou a construir Belo Monte. A solenidade de entrega ocorreu às 9h do último dia 6 de março, no 16º Batalhão da PM, em Altamira, na presença do secretário de Segurança Pública e Defesa Social do Pará, Luiz Fernandes Rocha, e do diretor de relações institucionais da Norte Energia S.A., João Pimentel.
Isso explica por que a “Justiça” pediu a prisão de 11 pessoas que participaram de um encontro em Altamira (nos mesmos dias da Rio+20) contra a construção de Belo Monte, entre eles pescadores, um jornalista, uma freira e até um padre que rezou uma missa no local.
Entidades defensoras dos direitos humanos denunciaram a perseguição e injustiça à ONU na última quinta-feira, 28 ( http://migre.me/9H6CX ), mas não vai adiantar. A ONU também está sendo privatizada, o dinheiro suplantou os valores expressos na Declaração Universal ( http://migre.me/9H6NW ) faz tempo. O grande outdoor na estrada da Rio+20, onde Raoni não podia entrar, mas Eike circulava livremente, prova isso: o símbolo da conferência ao lado da logomarca da Vale, e nada de logo da ONU (isso explica por que Jeremias Vunjanhe não pôde entrar no país).
Um novo totalitarismo se levanta, de bancos e corporações, que pode destruir a Terra e a vida. Dessa vez, se as pessoas não acreditarem, vai fazer muita diferença (ao contrário do fato de que nada mudava na forma da Terra só porque a maioria acreditava que ela era chata).
Não há nações estrangeiras que possam intervir dessa vez, pois a tirania é global e os estados estão todos submissos a essa nova ordem que quer se consolidar eternamente (tal como o projeto Nazi).
Se faz urgente que deixemos de ser enganados (ou de nos enganar), achando que o algoz nos dará a chave de nossos grilhões. Para derrotar essa tirania temos que derrotá-la também em nós mesmos. E já. O topo da pirâmide só está lá porque uma base a sustenta.
*LEANDRO CRUZ é jornalista e historiador formado pela Unesp. É professor de rua. Foi repórter, editor de Opinião, editor do noticiário internacional, editor de economia, editorialista e colunista do Jornal Comércio da Franca (SP). Escreve semanalmente no Jornal do Povo (RS) a coluna Viagem no Tempo desde 2008. Mantém o blog Viagem no Tempo ( www.viagemnotempo.com.br ) desde 2009. Nas horas livres faz bancos de jardim, dinossauros de lixo, poesias, samba e amor até mais tarde. Tem muito sono de manhã. Gosta de nadar pelado toda vez que pode. Parou de fumar tabaco desde o último Carnaval.